O jornal britânico The Guardian publicou neste domingo (10) uma reportagem com evidências de que diretores da Uber, empresa de tecnologia, teriam violado leis, explorado a violência contra os motoristas e pressionado os governos estadunidense, alemão e francês durante sua expansão global.
A publicação teve acesso a 124 mil mensagens trocadas entre os diretores da empresa entre 2013 e 2017, quando a empresa era presidida por um dos seus fundadores, Travis Kalanick.
Criada em 2011, a Uber hoje opera em 40 países e é avaliada em US$ 43 bilhões (cerca de R$ 215 bilhões), realizando uma média de 19 milhões de viagens por dia.
Violência
Em uma das mensagens divulgadas, em janeiro de 2016, Kalanick propõe conter os protestos de taxistas contra a implementação da Uber na Europa, incentivando os motoristas do aplicativo a conter as manifestações. "Eu acho que vale a pena. Violência garante o sucesso", disse o fundador da Uber.
A tática de confronto teria sido incentivada na França, Itália, Espanha, Suíça Holanda e Bélgica.
Após incentivar a violência, a Uber pautava a imprensa. "Mantemos a narrativa da violência por alguns dias, antes de oferecer a solução", disse um dos diretores da empresa nas mensagens de 2016.
Os motoristas que foram vítimas de agressão foram encorajados a registrar relatórios policiais, que foram compartilhados com o De Telegraaf, o principal jornal diário holandês.
Lobby
Em 2016, a Uber teria destinado US$ 90 milhões (cerca de R$ 450 milhões) para intermediários realizarem lobby no Congresso dos EUA e no Parlamento Europeu para superar leis que figurassem como obstáculos para o estabelecimento da transnacional.
A publicação também revela mensagens entre Kalanick e o presidente francês Emmanuel Macron, que confirmam a cooperação do mandatário para aprovar leis favoráveis à empresa na França, mediando reuniões com instituições públicas e dando fácil acesso aos diretivos da empresa.
Joe Biden também aparece nos documentos, que fazem menção a uma reunião entre o então vice-presidente na gestão com o Obama, e o fundador da Uber. O encontro aconteceu durante o Fórum Econômico Mundial, na Suíça. Após a reunião com Travis Kalanick, o vice de Obama discursou em Davos defendendo a "liberdade de trabalhar quantas horas cada um quiser e gerir sua própria vida como desejar", em alusão à propaganda das novas plataformas digitais.
Outros nomes que também aparecem nos e-mails e mensagens de WhatsApp são o do ex-primeiro ministro israelense Benjamin Netanyahu, o ex-chanceler britânico George Osbourne e o chefe do governo irlandês, Enda Kenny.
Os executivos da Uber expressaram desdém por representantes eleitos que eram menos receptivos ao modelo de negócios da empresa.
O atual chanceler alemão, Olaf Scholz, na época prefeito de Hamburgo (2011 a 2018), foi chamado de "um verdadeiro comediante" após negar as investidas dos lobistas da Uber e manter a decisão de que a empresa deveria pagar um salário mínimo aos motoristas cadastrados no aplicativo.
Apagão de dados
Entre 2013 e 2016, a Uber operou de maneira ilegal em muitos países, com legislações que proibiam o estabelecimento do formato de corridas por aplicativo. Nas mensagens vazadas, em pelo menos 12 ocasiões os diretores da empresa ordenaram o setor de tecnologia a limpar sua base de dados, ao ser informados de alguma investigação contra a companhia.
A Uber era avisada sobre a abertura de algum expediente e imediatamente apagava os dados que poderiam comprometer suas atividades econômicas na França, Bélgica, Holanda, Hungria, Romênia e Índia.
Sob nova direção
Em resposta ao vazamento, a Uber publicou um comunicado admitindo "erros e equívocos", mas disse que se transformou desde 2017, sob a liderança de seu atual presidente-executivo, Dara Khosrowshahi.
"Não temos e não vamos dar desculpas para comportamentos passados que claramente não estão alinhados com nossos valores atuais", disse. "Em vez disso, pedimos ao público que nos julgue pelo que fizemos nos últimos cinco anos e pelo que faremos nos próximos anos."
O conteúdo das mensagens filtradas é analisado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), que promete publicar novas reportagens sobre a Uber nas próximas semanas. O ICIJ reúne cera de 180 jornalistas de 40 meios de comunicação, e foi um dos responsáveis dos casos Panama Papers e Pandora Papers.
* Com informações do The Guardian
Edição: Thalita Pires