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Márcio Pochmann: Brasil precisa de novas leis trabalhistas para lidar com “uberização”

No BDF Entrevista, economista que lança este mês "Neocolonialismo à Espreita" analisa o Brasil contemporâneo

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Márcio Pochmann é reconhecido como um dos principais economistas brasileiros
Márcio Pochmann é reconhecido como um dos principais economistas brasileiros - Agência Brasil
Brasil é o quarto maior mercado consumidor de bens e serviços digitais, e não produz

O Brasil dos anos 1930 foi definido pelo poeta Oswald de Andrade como o país da sobremesa, por restringir sua produção a commodities (matérias-primas) não essenciais como café, fumo e açúcar. Atualmente, entretanto, se tornou agora o país que exporta alimentação para animais, tendo como principal produto, a soja. Essa é a tese do economista Marcio Pochmann que exemplifica a desindustrialização nacional dos últimos anos.
 
Pochmann, que é professor de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e da UFABC (Universidade Federal do ABC), lança este mês, pelas Edições Sesc São Paulo, o livro Neocolonialismo à Espreita: mudanças estruturais na sociedade brasileira. A publicação é um estudo sobre transformações sociais, políticas e econômicas do Brasil no século 21, dentre elas, a incapacidade do país de se modernizar, diante de um mundo cada vez mais digital.
 


Convidado desta semana no BDF Entrevista, Pochmann, ex-presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e da Fundação Perseu Abramo, explica que não é contra a produção e exportação de commodities agrícolas, mas que ficar restrito a isso “não dá a concretude que se imagina de um país soberano, especialmente quando estamos diante de uma era digital, que vai dividindo o mundo entre os países que produzem bens e serviços digitais, e os países que não conseguem produzir bens e serviços digitais”.
 
“O Brasil se caracteriza por ser, hoje, o quarto maior mercado consumidor de bens e serviços digitais, e não produz. Então, nós dependemos muito do exterior e, ao mesmo tempo, o tipo de ocupação e negócios possíveis dentro desta perspectiva, de certa maneira, são postos de trabalho que a gente já está conhecendo [precarizados]”, completa.
 
Após o salto de crescimento dos anos 1950, durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek, quando o país passou a investir maciçamente em sua industrialização, o Brasil chegou a ser considerado uma potência em ascensão. Já nos anos 1990, quando bate às portas do país à globalização, a escolha das elites, segundo Pochmann, é por abraçar o capital financeiro.
 
“Naquele momento estavam em construção as chamadas cadeias globais de valor e o Brasil, de certa maneira, se abriu a esta nova realidade, sem constituir os elementos fundamentais que permitiriam continuar avançando a sua estrutura produtiva.” 
 
“Nossa burguesia, especialmente industrial, foi se convertendo de um lado, em rentista, uma parte vendeu o que tinha de produção de produtos, fábricas e com esse dinheiro virou amante dos juros. Se a gente for olhar hoje, no Brasil, está faltando remédios, porque não está tendo acesso aos insumos de partes dos remédios que vêm do exterior. Nos tornamos um país muito dependente nesse sentido e esse é o risco do neocolonialismo no país”.
 
Na conversa, o professor fala ainda sobre a crise econômica do país, as possibilidades de um desenvolvimentismo sustentável, a precarização cada vez mais latente do trabalho e as novas formas laborais. 
 
“Há uma dinâmica nova dos postos de trabalho, que vem pela presença dos aplicativos, da internet, que permite trabalhar em qualquer lugar, não em um lugar determinado. Enfim, há mudanças que, de certa maneira, exigiriam, ao nosso modo de ver, uma CLT digital. Ou seja, uma consolidação das leis sociais do trabalho olhando para esse novo mundo digital, não mais o mundo do trabalho imaterial, da indústria, da construção civil, da agricultura”, afirma Pochmann. 
 
Confira a entrevista na íntegra:
 
Brasil de Fato: O senhor está lançando o livro Neocolonialismo à Espreita, pelas Edições Sesc São Paulo. A realidade neocolonialista do Brasil, no entanto, não é uma novidade. O país pouco superou o colonialismo, por exemplo. Se industrializou, foi promessa de país do futuro, teve crescimento exponencial em algum momento, mas a ideia de que somos um país exportador de matéria-prima e que os interesses internacionais ganham espaço de destaque por aqui só tem se enraizado cada vez mais, não é?
 
Marcio Pochmann: Sim. Oswald de Andrade, ainda na década de 1930, ele indicava que o Brasil daquela época era o país da sobremesa. Porque produzia produtos que equivaliam à sobremesa, não ao prato principal. Produzia café, laranja, enfim, produtos que não eram essenciais, digamos assim, na moldagem de um desenvolvimento e da integração do país, do ponto de vista da estrutura produtiva e do emprego. 
 
Mas obviamente que o país fez avanços consideráveis na década de 1930, praticamente até a 1970, 1980, construiu uma planta industrial complexa e diversificada, uma ampla classe operária industrial, uma ampla classe média assalariada, ou seja, o Brasil estava num nível muito próximo dos chamados países desenvolvidos, do ponto de vista da estrutura produtiva.
 
Nós produzimos, por exemplo, computadores nos anos 1980, produzimos centrais telefônicas avançadas para aquela época, mas, infelizmente, entramos em um outro momento, que é, de certa forma, regressão da estrutura produtiva. Se naquele nos anos 1930, Oswald de Andrade chamava atenção que o Brasil era um país de produtos de sobremesa, o que dizer dos produtos que hoje nós produzimos e exportamos, que, de certa maneira, alguns deles servem de alimentação para animais? 
 
Nada contra produzir e exportar isso, faz parte, evidentemente, mas somente isso, não dá a concretude que se imagina de um país soberano, especialmente quando estamos diante de uma era digital, que vai dividindo o mundo entre os países que produzem bens e serviços digitais, e os países que não conseguem produzir bens e serviços digitais e, portanto, importam, são dependentes disto.
 
E, nesse sentido, o Brasil se caracteriza por ser, hoje, o quarto maior mercado consumidor de bens e serviços digitais, e não produz. Então, nós dependemos muito do exterior e, ao mesmo tempo, o tipo de ocupação e negócios possíveis dentro desta perspectiva, de certa maneira, são postos de trabalho que a gente já está conhecendo.
 
Então, a ideia de Neocolonialismo à Espreita é que, numa certa maneira, estamos nos submetendo a essa condição que já fora colonial, e que agora se apresenta. Mas é importante refletir sobre isso, até para dar um basta. É preciso o país passar por uma outra fase, porque essa não nos dá futuro.
 
O senhor fala bastante no livro sobre esse processo de desindustrialização. Porque essa escolha pela desindustrialização? Hoje nós somos exportadores de produtos agrícolas como a soja, entre outros, mas não fazemos a manufatura. Durante um tempo, tivemos, por exemplo, polos petroquímicos, petrolíferos e parte deles foi destruído.
 
Parece-me que está relacionado à forma com que o Brasil ingressou na globalização, a partir dos anos de 1990, ou seja, naquele momento estavam em construção as chamadas cadeias globais de valor e o Brasil, de certa maneira, se abriu a esta nova realidade. Sem constituir os elementos fundamentais que permitiriam continuar avançando a sua estrutura produtiva. 
 
Nós operamos, por um longo período, com taxas de juros muito elevadas, que desestimularam a produção e converteram os recursos disponíveis ao mercado financeiro, nós operamos, por muito tempo, com taxa de câmbio valorizado, ou seja, era mais importante importar, do que produzir internamente. 
 
Isso fez com que, digamos, a nossa burguesia, especialmente industrial, fosse se convertendo de um lado, em rentista, uma parte vendeu o que tinha de produção de produtos, fábricas e com esse dinheiro virou amante dos juros. De outra parte, a burguesia industrial que não vendeu as suas fábricas, mas se converteu em comerciante, pois passou a importar do exterior. E nesse sentido, o comerciante quer comprar barato e vender caro e para isso é fundamental a nossa moeda valorizada.
 
Então, houve uma equação nesse sentido, que fez com que nós ingressássemos na globalização, nas cadeias globais, como país produtor de bens, muito simples e ,de certa maneira, o país perdeu a soberania, pois passou a ser conduzido por grandes corporações transnacionais, que fizeram parte das privatizações, que fizeram parte, de certa maneira, colocando no espaço global de produção, partes que estão relacionadas à nossa dependência de insumos.
 
Pega um setor muito conhecido, o de fertilizantes. O Brasil, por exemplo, era superavitário nos anos 1980, aí vem a privatização, entramos na globalização, tudo que produzimos aqui é carroça, como dizia um certo presidente. Então, nós desfizemos das ditas carroças, e nos tornamos importadores de fertilizantes. 
 
Aí vêm os governos do PT que tentam, de certa maneira, recuperar essa parte da produção. Recuperam em parte, mas infelizmente de 2016 para cá, nós jogamos fora novamente, e diante dos conflitos que estamos vivendo, a própria pandemia, que vai dificultando a forma de funcionamento das cadeias globais, o Brasil não pode ficar três meses sem importar fertilizantes, que para o seu agronegócio, em um setor primário que é.
 
Mas se a gente for olhar hoje, no Brasil, está faltando remédios, porque não está tendo acesso aos insumos que vêm do exterior, em função da pandemia, do jeito que está na China. Então, nós nos tornamos um país muito dependente e esse é o risco do neocolonialismo no país.
 
A taxa de desemprego já foi mais alta. Mas a grande falácia aí, é que esses empregos gerados são, em suma, precarizados, sem amparo na legislação trabalhista, são bicos, informais mesmo. Essa precarização tende a ser uma constante na nossa economia?
 
Em primeiro lugar, temos que reconhecer que o último ano em que o Brasil teve crescimento além da população, crescimento per capita, foi 2003. Ou seja, esse é o momento mais trágico do capitalismo no Brasil. Se nós pegarmos desde a introdução do capitalismo, junto com a Abolição da Escravatura, em 1888, não há período histórico tão ruim como esse que estamos vivendo do ponto de vista econômico.
 
O país está há oito anos sem crescer, o último ano que a inflação no Brasil foi abaixo do crescimento econômico foi 2010. Já são 12 anos que a gente não sabe o que é crescer acima da inflação, por exemplo. Então, nesse ambiente, é muito difícil gerar empregos de qualidade. O emprego possível é só um emprego precário e, ao mesmo tempo, se você depende da importação de produtos primários, ou seja, o que é possível gerar são esses trabalhos de plataforma digital que são muito precários. É isso que está chamando atenção.
 
A ideia da CLT, a Consolidação das Leis do Trabalho, foi pensada lá nos anos 1930, embora a CLT nasça mesmo como uma consolidação de mais de 15 mil leis que haviam em 1930, 1940, mais especificamente em 1943. Ela, na verdade, olhava a dinâmica de um país que cresceria de forma urbana e puxado pela indústria. Então, eram empregos de maior qualidade e capaz para as empresas médias, grandes e até pequenas pagarem um contrato de trabalho que previa, além do salário, direitos sociais e trabalhistas. 
 
O que nós estamos vendo hoje é, há uma dificuldade disso ocorrer para grandes segmentos que não têm condições para ter uma margem de lucro e, ao mesmo tempo, contratar com o emprego, com direitos sociais. Então, vem essa ideia de que a saída é o empreendedorismo, é um emprego, na verdade, sem direitos. É uma decorrência, no meu modo de ver, do quadro econômico desfavorável que vivemos, ou seja, é preciso mudar o quadro econômico para poder termos empregos de qualidade. 
 
Mas tem um fato ainda melhor, que é importante reconhecer, que há uma dinâmica nova dos postos de trabalho, que vem pela presença dos aplicativos, da internet, que permite trabalhar em qualquer lugar, não em um lugar determinado. Enfim, há mudanças que, de certa maneira, exigiriam, ao nosso modo de ver, uma CLT digital.
 
Ou seja, uma consolidação das leis sociais do trabalho olhando para esse novo mundo digital, não mais o mundo do trabalho imaterial, da indústria, da construção civil, da agricultura. Então, é um outro mundo que se abre e que o Brasil precisa também estar atento a isso, pois nós temos uma imensidão de trabalhadores e trabalhadoras, submetidos a essas novas condições, sem ter uma regulação adequada de trabalho.
 
É o que o professor Ricardo Antunes chama de Uberização do Trabalho, os trabalhadores que se entendem como empreendedores, mas que acabam por cair nessa precarização absurda. Mas, por outro lado, essas oportunidades de trabalho foram uma porta importante, por exemplo, para os jovens. Como lidar com essa realidade também na questão, por exemplo, dos sindicatos, de como garantir que essas pessoas tenham direitos básicos? As plataformas, por exemplo, têm se recusado em dar essas garantias. 
 
Essas plataformas são possíveis em países nas condições em que o Brasil hoje se encontra. Porque não tem outra possibilidade de ter uma massa de pessoas desempregadas, que aceitam fazer qualquer coisa para sobreviver. E isso está gerando um conjunto grande de trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, que aceitam atividades gerais, fazem qualquer coisa: transportam pessoas durante o dia; trabalham como segurança à noite; vendem produtos de embelezamento durante o final de semana. Ou seja, jornada de trabalho de 70, 80 horas.

E se perguntar a elas o que são, o que fazem: “Olha, eu eu sou qualquer coisa, eu faço qualquer coisa”. Ela não tem identidade, não tem pertencimento, como havia com um trabalhador de uma metalurgia, na construção civil. Ela tem uma identidade em função do trabalho que realiza, tem um pertencimento ao sindicato, há uma categoria,há uma carteira de trabalho. 
 
Então, o que nós estamos vendo, de certa maneira, é uma generalização de atividades e que, não permitindo o pertencimento e a identidade, na verdade há um descolamento das instituições de representação de interesse e isso ocorre também não apenas no mundo do trabalho, mas ocorre também no mundo estudantil. Todas as associações, hoje, estão com dificuldades de representar: os partidos políticos; associações estudantis; associação de moradores. 
 
Eu diria assim, a forma de representação que foi muito importante em uma outra era, a era industrial, hoje ela perde importância nesta era digital, que as pessoas demandam, digamos assim, uma representação não verticalizada mas, mais horizontalizada. Um espaço de construção de identidade, de sociabilidade e, de alguma forma, é que a gente percebe isso, ganhando dimensão em parte das igrejas no Brasil e também no próprio crime organizado, que vem conectando, de uma forma diferente, essas massas sobrantes, que fazem qualquer coisa para sobreviver.
 
Há um deslocamento da antiga relação salarial entre capital e trabalho, para uma relação crédito e débito. Ou seja, as pessoas sabem que tem um débito no mês, tem que pagar luz, alimentação, aluguel, etc, sabem quanto custa viver, e elas sabem que também não tem um crédito, não tem um salário que é suficiente, então elas vão realizar qualquer tipo de ocupação, ilegal ou legal, para buscar esse crédito que permita fechar o mês ao longo do tempo.
 
A inflação chegou a 12%, e no mês de abril, a taxa é a maior dos últimos 27 anos. Especialmente no momento em que vivemos, em que a renda caiu bruscamente, o trabalho vai rareando, a inflação corrói a vida, principalmente dos mais pobres. Como contornar esse problema, fugindo da ortodoxia de aumento da taxa de juros, que já é uma constante do tripé macroeconômico brasileiro? 

É, de fato isso é o conhecido, digamos. É o debate no âmbito da gestão da economia brasileira. Um país sem rumo, se trata de gerir e vejo que, de certa maneira, os problemas que o Brasil tem, não são, de certa maneira, problemas fundamentalmente econômicos. 
 
O Brasil tem hoje capital, dinheiro, disponível para ser investido. Só aplicado em títulos públicos, atualmente, são cerca de R$ 7 trilhões disponíveis, que poderiam estar sendo aplicados em outras atividades, que não as financeiras, por exemplo. 
 
E nós temos atividades que deveriam, em tese, estar sendo submetidas a um programa de investimentos, como é o caso da infraestrutura, mas também o problema da habitação, grande parte da população não tem habitação, os que têm, são habitações precárias. Não tem portos, não tem rodovias, ou seja, o país está parado. Então, há o que fazer, é um país ainda em construção.
 
Nós não temos 10% das terras, segundo a Embrapa e a Nasa, férteis no Brasil, ocupadas com produção. Então, é um país que tem o que ser feito, tem capital e ainda tem mão de obra disponível, ou seja, os elementos fundantes para a economia avançar estão dados. O problema é como você une esses três elementos, em um projeto de desenvolvimento. 
 
E aí, me parece, é uma função da política. Os economistas não têm muito o que dizer sobre isso. Isso é uma questão da grande política. É como construir uma maioria que sustente, na realidade, um projeto que junta esses três fatores, porque estão disponíveis, embora, infelizmente, sem articulação, sem integração, leva à paralisia, à pobreza e, obviamente, a esse quadro dramático onde, inclusive, se questiona a própria democracia no país. 
 
O neodesenvolvimentismo brasileiro do começo do século 20, por vezes, se chocou com questões territoriais e ambientais. É possível aliar um projeto como esse, do começo do século, às necessidades imediatas de transição para uma economia verde? O senhor comenta, inclusive, que esse período, mesmo com o crescimento, não deveria ser repetido necessariamente. 
 
Sim, de fato, não se trata, evidentemente, de crescer por crescer. Se trata justamente de reconhecer que a perspectiva aberta do desenvolvimento sustentável, que é algo que vem desde o final dos anos 1980 sendo apregoado por muitos fóruns, congressos, eventos de defesa do desenvolvimento sustentável, ele não se sustentou.
 
Porque, segundo vários informes, inclusive do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), demonstram na realidade que nós já ultrapassamos o ponto de não retorno, estamos vivendo um novo regime climático, em que a temperatura é mais alta e agora temos que gerir as consequências disso. 
 
Esse quadro, insistir em um desenvolvimento que possa ser mais destrutivo do que o que já temos, é uma tragédia. Obviamente que nós precisamos parar para pensar e, de certa forma, ter um desenvolvimento que recupere o que foi destruído mas, ao mesmo tempo, reconheça que o desenvolvimento deva ser ajustado aos diferentes biomas, à realidade de qualquer bioma que nós temos.
 
Porque, uma coisa é defender industrialização em áreas que são, na verdade, amplas do ponto de vista ambiental. Levar uma indústria para o meio de uma floresta, não me parece mais adequado, reconhecendo que há uma diferenciação dos biomas. 
 
Essa ideia de transição ecológica, ambiental e social, é uma ruptura com a perspectiva do desenvolvimento sustentável, porque esse desenvolvimento sustentável não se demonstrou, até agora, sustentável. E a questão ambiental é central, me parece, olhando os problemas que nós vivemos hoje no mundo. 
 
Muito se fala sobre a economia verde ser capaz de gerar muitos empregos, novos postos de trabalho. O quão real é isso e o quão concreto isso é no médio prazo? Porque fazer esse planejamento no Brasil, a longo prazo, é muito difícil. Você tem eleições a cada quatro anos e metade do mandato, praticamente se torna estratégico para uma próxima eleição, para a reeleição ou para o seu sucessor. 
 
Eu começaria dizendo que aqui, a questão do emprego, deve ser colocada num outro patamar. Nós temos hoje, digamos, de forma conjuntural, um gravíssimo problema do desemprego. Nós devemos em torno de 50 milhões de pessoas sobrantes no Brasil, que não tem mais funcionalidade no capitalismo. 
 
Basta olhar as principais ocupações do Brasil. As três principais ocupações não são diretamente vinculadas à atividade econômica mercantil. Nós estamos falando de trabalho doméstico, por exemplo, estamos falando do trabalho de segurança privada, o próprio trabalho vinculado às plataformas digitais, não se vinculam muito à atividade econômica. São entregas que são feitas de insumo, alimentos, pessoas, etc.
 
Tudo isso para dizer o seguinte: não me parece que o emprego imaginado no capitalismo virá da agricultura, da indústria. Mas há um espaço muito importante para o emprego, que está relacionado aos cuidados. Como assim cuidados? Bom, em primeiro lugar, cuidados de pessoas. Nós cuidamos muito mal dos brasileiros, temos uma parte crescente da população que está se tornando envelhecida.
 
Olhando, inclusive, a dinâmica demográfica, neste século 21, a população não vai crescer. Em 2100, possivelmente, será a mesma população do ano de 2000. Nós estamos abandonando a trajetória de um país que tinha um crescimento muito rápido da população, como foi o século 20, por exemplo, que multiplicou por 10 vezes a sua população. É um envelhecimento, então precisa cuidar das pessoas, isso é uma coisa fundamental.
 
Cuidar através da saúde, da educação, da assistência, esses segmentos demandam muitos trabalhadores e trabalhadoras, mas também o cuidado das nossas cidades. Nossas cidades estão degradadas, os principais centros hoje ocupados por, infelizmente, brasileiros que não têm onde residir. O nosso sistema de transporte é horrível, então precisamos cuidar das nossas cidades, o que temos.
 
E a questão também do cuidado do meio ambiente. Precisamos plantar muitas árvores, reconstituir os biomas e tudo isso é passível de muita ocupação. Não penso que virão os empregos, ainda que possam aparecer na indústria, na agropecuária, mas esses setores não responderão por empregos em grande quantidade e, portanto, esse sentido de cuidados, ou seja, que a economia volte a ser um meio e que a política defina o projeto.
 
Porque a gente está caminhando, já há algum tempo, com sinais invertidos, ou seja, a economia transformou-se num fim e a política é um meio de viabilizar a economia. Esta inversão é fundamental. A política, nós precisamos definir, enquanto sociedade, o que queremos daqui há 10 anos e a economia deve estar em função deste projeto político, a ser estabelecido democraticamente.
 
A economia vai ser tema central nas eleições deste ano, se conseguirmos escapar das pautas de costumes, como alguns chamam. Mas as propostas de revogação do Teto de Gastos, da Reforma Trabalhista e até da Previdenciária, já estão na pauta, defendidas pelo campo progressista, principalmente pelo ex-presidente Lula, que já deu diversas declarações a respeito. Como o senhor analisa esse cenário? À época, inclusive sobre a Reforma da Previdência, o senhor chegou a apresentar um estudo sobre os caminhos para que fosse evitada, que ela não seria necessária naquele momento e naqueles termos.
 
Eu vejo que esse debate sobre o Teto de Gastos, sobre a Reforma Trabalhista, é de certa maneira, instrumental, é quase como gerir a economia. Veja, nós podemos simplesmente retirar o que foi denominado como Reforma Trabalhista, mas os empregos bons não aparecerão pelo fato de você mudar a legislação trabalhista. O que determina o emprego é, de certa maneira, como a economia cresce e para onde ela anda. Então, esse debate gera muita atenção.
 
Me parece que é importante saber para onde nós queremos ir, ou seja, qual é o projeto de país que a gente quer. E a partir desse projeto é que nós temos que rever o que foi feito no âmbito do trabalho, o que foi feito no âmbito do orçamento público, porque senão, a gente volta novamente a discutir a economia como um fim. 
 
É preciso alterar os instrumentos, porque alterando os instrumentos a gente volta a crescer. E não era verdade. Antes de terem feito a Reforma Trabalhista, antes de terem imposto o Teto de Gastos, a economia brasileira já não estava andando, nós já estávamos parados. Não quero, obviamente, desconhecer o que você levantou como aspecto relevante, mas me parece que esse é um debate que poderia ser mais rico.
 
É o seguinte: “os candidatos querem levar o país para tal lugar, você é a favor ou contra?”. A partir deste desenho, “olha, eu quero ser um país assim, ou assado”. Bom, a partir disso, então vamos ver como a economia precisa ser reorganizada, como o trabalho precisa ser reelaborado, para chegarmos naquele lugar em que a sociedade decidiu que quer ir. 
 
Porque, senão, ficamos neste resgate pontual: “tira o Teto”, e aí, resolve? Não sei se resolve. Porque, na verdade, você não tem um horizonte para onde ir. Quando você não sabe para onde ir, qualquer evento serve.
 
O senhor já foi um político, já tentou eleição, conhece muito bem o ambiente político do país. Como está vendo esse clima eleitoral de 2022? 
 
Olha, eu imaginava que poderia ser um clima eleitoral mais favorável, do ponto de vista das ideias, da discussão do Brasil, mas pelo que tenho visto agora, me parece que será um clima eleitoral muito difícil para algum debate mais adequado e decente. 
 
Muita mentira, muito jogo que de certa maneira, ao invés de atrair para a política, pode levar a um afastamento da sociedade. A questão da internet, as novas regras, Isso nos coloca num cenário que eu vejo com dificuldades. Por isso que era importante uma manifestação das instituições em defesa da democracia, que buscasse resguardar, na realidade, uma discussão séria do Brasil. 
 
São 200 anos da Independência, o Brasil, em 1922, há 100 anos atrás, fez um debate interessante para onde deveria, era já uma República carcomida, estava ali, em curso, movimentos importantes  como o dos Tenentistas, a Semana de Arte Moderna, ou seja, havia oxigenação na sociedade. 
 
A gente precisa abrir novamente para possamos pensar e trabalhar em torno de uma visão mais ampla de Brasil, menos apequenada, pelo o que eu estou vendo, infelizmente acontecer nos dias de hoje.

Edição: Rodrigo Durão Coelho