Uma resolução judicial proibiu o uso e a liberação do trigo HB4 na província de Buenos Aires, importante território de cultivo de trigo na Argentina. A medida cautelar, liberada pelo juíz bonaerense Néstor Adrián Salas por um tribunal de Mar del Plata, freia a aprovação de maio deste ano do plantio e comercialização da semente resistente ao herbicida glufosinato de amônio.
A medida se sustenta na Lei Geral do Ambiente. A legislação determina que deve-se evitar o mais rápido possível os efeitos iminentes de um dano grave ou irreversível de algum evento por falta de informação ou avaliação científica. Assim, a resolução suspende o cultivo do trigo HB4 e exige a conformação de uma comissão para avaliar seus efeitos, etapa considerada negligenciada no processo de aprovação da tecnologia.
Organizações da sociedade civil e especialistas alertam para a falta de estudos sobre os efeitos do consumo e para o meio ambiente do primeiro trigo transgênico a ser comercializado no mundo.
Desenvolvida na Argentina, a tecnologia era um projeto de longa data que dependia da aprovação de seu principal comprador de trigo, o Brasil. Com a aprovação pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) em novembro do ano passado, o governo argentino avançou com a liberação do cultivo do trigo transgênico em seu território.
O pedido de medida cautelar data de 2010, mas só avançou após a aprovação condicionada do trigo HB4 com o Brasil. "Quando o Brasil aprovou, começamos a trabalhar", afirma o advogado Fernando Cabaleiro, integrante da ONG Naturaleza de Derechos. "Quando a liberação completa na Argentina saiu, em maio, nos apresentamos e pedimos a medida cautelar, porque agora já não é condicionada. O trigo HB4 já está autorizado para cultivo em território argentino."
A respeito dos motivos que acendem os alertas contra o trigo HB4, o coletivo de cientistas Trigo Limpo afirma, em comunicado, que o trigo transgênico é um projeto alinhado com as mesmas práticas extrativistas e excludentes já vividas em zonas rurais no país.
"As práticas hegemônicas da agricultura industrial estão fortemente relacionadas com o desmatamento e a contaminação por agrotóxicos, com a deterioração da fertilidade do solo, do patrimônio genético, com o despovoamento rural, com uma maior desigualdade, com a perda de soberania alimentar e com o aumento do conflito territorial, entre tantos outros problemas que podemos mencionar", avalia o coletivo.
Desenvolvida com recursos públicos, a tecnologia HB4 é questionada por cientistas que defendem a soberania alimentar e o meio ambiente. "É preocupante a insistente instalação da imagem de cientistas de destaque para justificar o desenvolvimento de políticas que são funcionais a interesses econômicos ligados aos setores concentrados do poder", afirmam os cientistas do coletivo Trigo Limpo. "Apelam a perspectivas tendenciosas, setores particulares do âmbito acadêmico que partem de saberes que são apenas fragmentos e reduções da realidade e que assumem interesses e critérios éticos particulares."
A proibição ocorre em uma província-chave em termos econômicos e para a própria agroindústria. As zonas onde mais se cultivam trigo no país se concentram em dois pontos principais, segundo a Bolsa de Comércio de Rosário: uma região que vai do sul da província de Buenos Aires à La Pampa e outra ao norte de Buenos Aires ao nordeste do país.
Edição: Thales Schmidt