Agrotóxicos

Trigo transgênico aprovado pelo Brasil é rejeitado pela sociedade civil e até por produtores

Campanha contra o trigo HB4 já conseguiu barrar acordo com a Havanna, que pretendia usar o trigo em seus alfajores

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Protesto de apicultores contra o uso de agrotóxicos na Praça do Congresso em Buenos Aires, em setembro deste ano. - Juan Mabromata/AFP

Na quinta-feira (11), a Comissão Técnica de Biossegurança (CTNBio) aprovou a comercialização da farinha de trigo transgênico HB4, da empresa Bioceres (onde são acionistas Hugo Sigman e Gustavo Grobocopatel, entre outros). Ao aprovar a importação da farinha e não dos grãos, levantam-se questões sobre sua liberação comercial efetiva na Argentina. O Ministério da Agricultura do país, conduzido por Julián Domínguez, respondeu que ainda não há uma confirmação oficial sobre o assunto.

O Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (Conicet) e a Universidade Nacional do Litoral, através da pesquisadora Raquel Chan, desempenharam um papel fundamental no questionamento do trigo transgênico.

O HB4 é o primeiro trigo geneticamente modificado (GM) aprovado no mundo, que vem acompanhado do glufosinato de amônio, um herbicida mais tóxico do que o glifosato. Devido à rejeição que os transgênicos geram, hoje, entre os consumidores, a Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) confirmou que recorrerá da aprovação. Na Argentina, tanto o Ministério Público Fiscal como a Defensoria Pública Oficial da Nação solicitaram aos tribunais federais que suspendessem sua aprovação por violação do artigo 41 da Constituição Nacional e da Lei Geral do Ambiente. Centenas de organizações sociais na América Latina estão fazendo campanha para deter o novo transgênico.

A autorização de comercialização do trigo HB4 na Argentina está condicionada à aprovação do Brasil. Assim foi determinado pelo Ministério da Agricultura em sua resolução 41/2020 de outubro do ano passado. O artigo 1º autorizava a comercialização das sementes, seus produtos e subprodutos. Mas imediatamente, no artigo 2º, o texto estabeleceu que a empresa "deverá abster-se de comercializar" o trigo HB4 "até obter a licença de importação no Brasil", sendo este o principal comprador do trigo argentino.

Enquanto isso, a Bioceres vem cultivando o trigo HB4 na Argentina há dois anos. Em 2020, foram 6 mil hectares cultivados. Neste ano, o número já sobe para 55 mil hectares, de acordo com a empresa.

Um transgênico com oposição em todas as frentes

O trigo HB4 da Bioceres, que é promovido como tolerante à seca e resistente ao herbicida glufosinato de amônio, é rejeitado tanto pelo setor empresarial quanto pela sociedade civil.

Organizações de vários países da América Latina estão realizando a campanha "Com nosso Pão, Não", na qual advertem que os transgênicos, tanto na Argentina como no Brasil, são aprovados de forma não transparente, com base apenas nos estudos apresentados pelas próprias empresas. Ao mesmo tempo, advertem que o trigo HB4 aumentará o uso de agrotóxicos, além do resto dos impactos que o agronegócio transgênico tem sobre os territórios: desmatamento, despejos de populações rurais, degradação do solo e contaminação da água, entre outros.

Na Argentina, nas últimas semanas, tanto o Ministério Público Fiscal quanto a Defensoria Pública solicitaram aos juízes federais que suspendessem imediatamente a aprovação do trigo HB4. Eles advertem que a autorização do Ministério da Agricultura viola o artigo 41 da Constituição Nacional – que garante o direito a um ambiente saudável – e também o princípio de precaução estabelecido na Lei Geral do Ambiente. Este princípio diz: "Quando houver perigo de danos graves ou irreversíveis, a ausência de informação ou certeza científica não deve ser usada como motivo para adiar a adoção de medidas eficazes para evitar a degradação ambiental".

Rejeição comercial ao trigo transgênico

A indústria brasileira de moagem confirmou que irá recorrer à aprovação. "De acordo com a legislação brasileira, a Abitrigo solicitará à Casa Civil da Presidência da República que convoque imediatamente o Comitê Nacional de Biossegurança, formado por vários ministros, para analisar, de forma mais integral, as implicações da presença do trigo transgênico da Argentina no mercado brasileiro", disse Rubens Barbosa, presidente da Abitrigo e ex-embaixador brasileiro na Inglaterra e nos Estados Unidos, em uma declaração. "A Abitrigo considerará solicitar medidas cautelares para suspender a implementação da decisão da CTNBio até que o Comitê Nacional de Biossegurança emita uma decisão."

Na Argentina, entretanto, as principais organizações do agronegócio, tanto produtores quanto comerciantes, rejeitam enfaticamente o trigo HB4 porque afirmam que levará ao fechamento dos mercados de exportação.

Fernando Rivara, presidente da Federação de Coletores de Cereais, disse esperar que o governo nacional esclareça a situação. "O Brasil aprovou a importação de farinha, não dos grãos. Não sei como os funcionários da Agricultura vão interpretar isso", disse, quando perguntado pela Tierra Viva. "Se for apenas a farinha, a Bioceres terá que moê-la em seus próprios moinhos e vendê-la por conta própria", disse ele. Rivara advertiu que, nesse caso, o problema seria a possível contaminação do trigo não transgênico com o trigo transgênico. "Se a comercialização do grão for aprovada, estaremos no pior de todos os mundos, um desastre", advertiu.

Em um comunicado divulgado em setembro passado, a Comissão de Enlace, que reúne as principais câmaras de produtores do agronegócio da Argentina, expressou preocupação com o que já dizia serem 50 mil hectares de trigo HB4 plantados. "Mesmo supondo que o Brasil aprove a comercialização desses trigos, é preciso ter em mente que o resto dos destinos habituais para nossa produção de trigo não aceitam diretamente o trigo geneticamente modificado", disseram, à época.

Quanto à área já cultivada, alertaram: "Um nível tão alto de produção torna realmente impossível para as autoridades oficiais controlá-la, e é por isso que um processo de contaminação de trigo não transgênico será inevitável".