A Rússia e o Ocidente trocam acusações mútuas sobre os riscos de uma crise alimentar global em meio à guerra na Ucrânia. Moscou exige a suspensão das sanções econômicas, enquanto a União Europeia aprova um novo pacote de medidas restritivas contra a Rússia.
O Ocidente adotou na semana passada (3) o sexto pacote de sanções contra a Rússia desde o início do conflito. A medida inclui o corte de 90% das importações do petróleo russo, um dos principais motores da economia do país. Por outro lado, o conflito gerou o aumento dos preços de grãos, combustível e fertilizantes. A Rússia e a Ucrânia são responsáveis por quase um terço da oferta destes produtos tomados em conjunto no mundo inteiro, o que levou a Organização das Nações Unidas (ONU) a emitir um alerta sobre os riscos de uma crise alimentar global.
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O alarme da comunidade internacional em relação a uma possível crise alimentar está ligado à impossibilidade de fornecimento de grãos do território da Ucrânia por conta dos portos bloqueados pela Rússia. Somado a isso, as sanções impostas pelo conjunto Europa-EUA pode gerar uma deterioração das cadeias de fornecimento das exportações russas.
Nessa toada, os países da União Europeia acusam o Kremlin de realizar métodos de chantagem para aliviar as restrições econômicas ocidentais. Já Moscou rechaça a conexão entre a operação militar na Ucrânia com os riscos de crise alimentar no planeta.
Na última segunda-feira (6), o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, acusou a Rússia de usar suprimentos de alimentos como “um míssil furtivo contra países em desenvolvimento” e culpou o Kremlin pela iminente crise global de alimentos. O pronunciamento levou o embaixador de Moscou na ONU a abandonar a sessão do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
De acordo com o líder do Conselho Europeu, as “consequências dramáticas da guerra da Rússia estão se espalhando pelo mundo, e isso está elevando os preços dos alimentos, empurrando as pessoas para a pobreza e desestabilizando regiões inteiras”.
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Para o economista Vladislav Inozemtsev, há uma conexão direta entre a guerra promovida pela Rússia na Ucrânia e a falta de suprimentos que pode prejudicar a segurança alimentar em algumas regiões. No entanto, ele destaca, em entrevista ao Brasil de Fato, que as alegações sobre uma possível crise global de alimentos são exageradas.
“Eu não vejo nenhum problema especial no mercado de alimentos, isso parece mais uma histeria que acontece por parte de organizações internacionais. Em nenhuma grande região, nem na Europa, nem na América, China, Índia, América Latina, há qualquer problema de alimentos. Essas regiões não têm essa dependência da Rússia e da Ucrânia. A questão diz respeito a certos países do Norte da África e do Oriente Médio em particular, onde compra-se muito grão (russo e ucraniano)”, afirma.
O argumento do economista vai na contramão das acusações do coordenador de crise da ONU na Ucrânia, Amin Awad, que prevê uma grave escassez de alimentos e fertilizantes que afetará bilhões de pessoas em todo o mundo.
“O impacto da guerra na região e no mundo é enorme. Quase 1,5 bilhão de pessoas podem ser afetadas pela escassez de trigo e outros grãos. A exportação de produtos alimentícios da Ucrânia e fertilizantes da Rússia teve um impacto negativo na situação do mundo, causou inflação, crise alimentar, principalmente em países com economias em transição. E a crise continua se aprofundando”, destaca.
Para Inozemtsev, de fato existe um travamento dos grãos ucranianos por conta do bloqueio russo de exportações originadas no Mar de Azov, além de uma limitação da própria exportação de bens agrícolas russos.
“Neste caso, sim, a guerra e esse problema estão 100% conectados. Eu só não vejo neste tema nenhum motivo para alguma preocupação global. São problemas regionais e separados que ligam os produtores russos e ucranianos com a demanda de países mais desfavorecidos”, argumenta.
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O presidente da Rússia, Vladimir Putin, por sua vez, sustenta que são as sanções impostas pelo ocidente as responsáveis pelo risco de crise alimentar. De acordo com ele, assim que os preços do gás subiram, imediatamente aumentaram os preços dos fertilizantes, que em parte são produzidos pelo gás natural.
“Assim que aumentaram os preços dos fertilizantes, muitos empreendimentos deixaram de ser rentáveis, começaram a fechar, e o volume de fertilizantes no mercado mundial caiu drasticamente. Com isso, os preços cresceram [...] Mas nós alertamos sobre isso”, completou o presidente.
Rússia conseguirá resistir à guerra econômica do Ocidente?
A discussão sobre os riscos de uma crise alimentar acontece em meio à aprovação do novo pacote de sanções do Ocidente contra a Rússia. No pacote aprovado na última sexta-feira (3) a União Europeia incluiu a interrupção progressiva da importação do petróleo russo.
O porta-voz do Kremlin afirmou nesta quarta-feira (8) que as sanções ocidentais devem ser retiradas para que os grãos russos cheguem aos mercados internacionais. As restrições contra Moscou incluem a proibição de navios russos em portos na Europa.
Na medida em que a guerra na Ucrânia ultrapassa a marca de 100 dias sem ainda apresentar qualquer horizonte de resolução, a pressão econômica que o Ocidente exerce sobre a Rússia tem levantado um debate sobre a eficácia das medidas.
Desde o início da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, o Kremlin vem classificando a política de sanções do Ocidente como uma guerra econômica contra a Rússia.
Para o chefe do Centro de Estudos de Economia Política do Instituto Nova Sociedade, Vassily Koltashov, a escassez de grãos será de fato mais aguda. Mas, diz ele ao Brasil de Fato, isso pode gerar boas perspectivas para a economia da Rússia.
“A exportação russa de grãos será muito valiosa e lucrativa. Além disso, o abastecimento de alimentos estará associado a decisões políticas: os alimentos serão enviados a países amigos a preços preferenciais e estamos construindo com eles relações comerciais de longo prazo. A Rússia obterá benefícios econômicos e políticos consideráveis, já que o aumento global dos preços eleva o status da Rússia e o valor de tudo o que exportamos”, argumenta.
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No que diz respeito ao mais recente pacote das sanções europeias, o pesquisador observa que a economia russa enfrenta problemas ligados ao petróleo. Em primeiro lugar, isso diz respeito às empresas ocidentais de tecnologias, que forneciam ajuda tecnológica nos locais de prospecção. “Isto quer dizer que a produção de petróleo na Rússia pode cair em cerca de 10%, de acordo com os prognósticos. O resultado dessa queda de produção vai refletir nos preços”, afirma.
O resultado da política de sanções, segundo ele, será um aumento de preços do petróleo, o que significará para a Rússia “uma compensação”. Ou seja, de acordo com o economista, os preços maiores compensarão o déficit de volume de produção.
“Dessa forma, a União Europeia torna-se a principal locomotiva da inflação global. Tudo o que se faz contra o petróleo russo possibilita o aumento dos preços globais, que diz respeito não só ao petróleo, mas aos preços de fertilizantes, alimentos e de praticamente todos os produtos manufaturados”, acrescenta.
Além disso, Koltashov argumenta que a Rússia encontrou formas de contornar as sanções ocidentais fornecendo petróleo para China e Índia com descontos. “Estes países adquirem petróleo por um preço abaixo do preço mundial em um cenário de constante aumento. Isso ajudará a Rússia a diminuir bastante o impacto negativo das sanções”, completa.
Já o economista Vladislav Inozemtsev ressalta que as consequências para a economia russa da política de isolamento que o Ocidente promove não serão tão drásticas no câmbio de sua moeda ou no aumento dos preços a curto prazo, mas de fato no volume de produção. Ele destaca que atualmente já estão paralisadas as indústrias automobilística, de aviação e boa parte da engenharia mecânica, áreas muito ligadas aos fornecedores e tecnologias do Ocidente.
No entanto, o analista aponta que o retrocesso da economia russa será mais notado a médio e longo prazo no futuro. “A economia russa não irá mais recuperar a situação em que se encontrava, por exemplo, em 2008. Simplesmente porque essa queda tecnológica, este isolamento do mundo será sistêmico e permanecerá por muitos anos”, completa.
Edição: Thales Schmidt