Rússia e Otan

Decisão do governo da Finlândia de entrar na Otan deixa Moscou em alerta

Putin ameniza tom sobre pedidos de Finlândia e Suécia, mas reforça condição de não-armamento dos países

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
O presidente da República da Finlândia Sauli Niinisto e seu colega russo Vladimir Putin participam de uma coletiva de imprensa em Helsinque, Finlândia, em 21 de agosto de 2019. Tempos eram ainda de boas relações - Alexander Zemlianichenko / AFP

A Suécia e a Finlândia anunciaram a intenção de romper com seu status de neutralidade e formalizaram o pedido de ingresso na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) nesta quarta-feira (18). A iniciativa para aderir ao bloco da Aliança Militar ocorre no contexto da guerra da Rússia com a Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro deste ano. 

A cerimônia da entrega do pedido oficial de adesão à aliança ocorreu nesta quarta-feira em Bruxelas, onde o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, recebeu os embaixadores da Finlândia e da Suécia.

“Todos os aliados concordam com a importância da ampliação da Otan. Todos concordamos que devemos permanecer juntos e todos concordamos que este é um momento histórico que devemos aproveitar”, declarou o secretário-geral.

A expansão da Otan para perto da fronteira com a Rússia sempre foi citada pelo Kremlin como um dos motivos do conflito com a Ucrânia. Antes do início da operação militar no país vizinho, Moscou estabeleceu a não ampliação da aliança militar para o Leste da Europa como exigência para as suas garantias de segurança às potências ocidentais.

Na ocasião, nenhum acordo sobre esta questão foi alcançado. Agora que a guerra da Ucrânia completa quase três meses – e sem perspectivas de resolução no horizonte -, a possível adesão de Suécia e Finlândia ao bloco militar aumenta o alerta para uma escalada do conflito. 

O professor do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou, Kirill Koktysh, em entrevista ao Brasil de Fato, observou que as possíveis adesões à Aliança do Atlântico Norte não trazem riscos imediatos para a segurança na Europa. A Suécia, por exemplo, há muito tempo exerce ações em proximidade com a Otan e “participa de exercícios conjuntos com a Otan”. Assim, de acordo com ele, “não há mudanças drásticas em relação à Suécia, o que ocorre é uma formalização jurídica da sua posição”.

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“Com a Finlândia a situação é diferente. Esperava-se que a Finlândia mantivesse o status de neutralidade, e fica claro que isso exigirá no mínimo algumas ações correspondentes de reforço da fronteira (por parte da Rússia)”, pondera o analista.

Para Kirill Koktysh, uma consequência provável de se concretizar é o reforço militar do enclave de Kaliningrado, uma província sob soberania russa desconectada do território do país, um enclave posto entre Polônia e Lituânia. Desse modo, para o professor de Relações Internacionais, essa região do Mar Báltico, posicionada ao sul da linha entre Suécia e Finlândia, deixaria "de ser uma região não nuclear”.

Ainda no mês passado, o ex-presidente e atual vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitry Medvedev, disse que Moscou poderia implantar armas nucleares e mísseis hipersônicos no enclave russo de Kaliningrado se Finlândia e Suécia se juntassem à Otan.

A Finlândia divide uma fronteira de mais de 1.340 km com a Rússia. Caso o pedido de entrada na Otan seja acatado, a Finlândia será o país-membro da Aliança com a maior região fronteiriça com a Rússia.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, por sua vez, afirmou na última segunda-feira (16) que decisão dos países nórdicos de entrar na Otan por si só não representa uma ameaça direta a Moscou, mas frisou que a Rússia responderá se houver instalação de infra estrutura militar da Aliança nos territórios.

“A Rússia não tem problemas com esses Estados [Finlândia e Suécia]. Uma expansão para esses países não representa uma ameaça direta para nós, para a Rússia. Mas a expansão da infraestrutura militar para esses territórios certamente provocará nossa resposta”, disse.


Cidade portuária de Mariupol foi o principal cenário da guerra entre Rússia e Ucrânia no último mês / AFP

De acordo com o professor de Política Internacional da Universidade de Helsinque, na Finlândia, Teivo Teivainen, a declaração de Putin gerou certa surpresa.  Segundo ele, a Rússia demonstra um caráter ambíguo em seus pronunciamentos, alternando tom de ameaça com acenos de boas relações a Finlândia e Suécia.  

“A Rússia envia mensagens mistas. Parece que a mídia russa, colunistas, personagens próximos ao governo, fazem um discurso mais duro que pode ser visto como ameaça, mas, agora, por parte de Putin, o discurso é mais brando, pelo menos assim pareceu”, afirma.

“Na Finlândia, há um debate nacional, assim como na Suécia, se deveriam condicionar suas entradas à Otan a uma não instalação de bases permanentes e nem armas nucleares da Aliança nos territórios desses novos países da Otan. A Noruega tem uma regra parecida. Na Finlândia, o consenso do governo parece ser não negociar este tipo de tema agora, mas tratar de entrar na Organização sem colocar muitas condições e, em seguida, avaliar”, explica Teivo Teivainen.

Finlândia muda posição sobre Rússia drasticamente

Desde o fim da década de 1940, a Finlândia manteve um status de neutralidade, concordando em não aderir a blocos militares em troca da não intervenção soviética durante o período da Guerra Fria. Após o colapso da União Soviética, a política de boa vizinhança continuou, mesmo com a adesão da Finlândia à União Europeia em 1995.

Períodos de tensão, como a guerra entre Rússia e Geórgia, em 2008, e a anexação da Crimeia por Moscou, em 2014, levantaram rumores de que a Finlândia poderia optar por se alinhar à Otan, mas acabaram por não alterar a neutralidade do país nórdico. O início da atual operação militar russa, anunciada em 24 de fevereiro de 2022, no entanto, alterou esse paradigma. 

De acordo com o professor da Universidade de Helsinque, Teivo Teivainen, a eclosão da guerra da Rússia com a Ucrânia em 24 de fevereiro mudou drasticamente a percepção da opinião pública em Finlândia e Suécia sobre o risco de uma possível agressão da Rússia.

“Até 24 de fevereiro, a grande maioria, ou uma maioria significativa, da população finlandesa era contra o ingresso do país na Otan. Agora, uma grande maioria de 75% está a favor, e cerca de 10% contra. Então foi uma mudança brusca”, observa.

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O pesquisador acrescenta que, especialmente entre aqueles que mudaram de posição e nos grupos de esquerda da Finlândia, há um sentimento comum de se colocar de maneira bastante crítica à Otan e à política externa dos EUA como liderança do bloco. No entanto, a investida russa na Ucrânia teria gerado uma percepção de que “Putin não nos deixa alternativa, então vamos apoiar a entrada na Otan”.   

“Essa argumentação se escuta bastante, especialmente entre as pessoas da esquerda que antes estavam criticando de maneira massiva a entrada na Otan”, complementa Teivainen.

Agora, as candidaturas da Finlândia e da Suécia à entrada na Otan serão analisadas pelo Conselho da Organização. Após a avaliação, o acordo de adesão da Suécia e da Finlândia deverá ser ratificado por todos os 30 países membros. A Turquia já manifestou restrições e se apresenta como obstáculo, dizendo que não pode dizer "sim" à entrada dos países nórdicos na Aliança. 

Na tarde desta quarta, inclusive, ocorreu um encontro na Casa Branca entre Anthony Blinken, secretário de Estado dos EUA, e Mevlüt Çavuşoğlu, chanceler turco. O representante da Turquia reforçou as preocupações de segurança com a possível entrada dos dois países na Aliança, mas admitiu que está aberto a conversas com todas as partes para um possível encaminhamento.

Edição: Arturo Hartmann