A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) aprovou uma nova doutrina estratégica que classifica a Rússia como a "ameaça mais significativa e direta" à segurança da aliança. Divulgado durante a cúpula da organização, realizada na semana passada em Madri, o documento também identifica a China como um país cujas políticas desafiam os "interesses, segurança e valores" da Otan.
A nova doutrina representa o rompimento definitivo da política de diálogo que Moscou e Otan se comprometeram a estabelecer a partir do início dos anos 1990.
Assim, a guerra na Ucrânia desencadeou uma crise sem precedentes entre Rússia e Otan nas últimas décadas. O chefe do Conselho de Segurança da Federação Russa, Nikolai Patrushev, afirmou na última terça-feira (5) que a decisão da Otan de declarar a Rússia como inimiga leva a uma escalada de tensão e desestabilização da segurança na Europa.
Ele lembrou que os Estados Unidos e seus aliados se recusaram a se engajar em um diálogo construtivo com a Rússia na área de estabilidade estratégica e ignoraram completamente as demandas de Moscou por garantias de segurança. De acordo com Patrushev, a nova doutrina da Otan contradiz o Ato Rússia-Otan, assinado em 1997 em Paris. De acordo com este documento, as partes afirmam que não se consideram adversárias. Além disso, o Ato Rússia-Otan prevê o compromisso da aliança de não colocar armas nucleares no território de novos membros.
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Já o chefe do Serviço de Inteligência Estrangeira da Federação Russa, Serguei Naryshkin, afirmou na última quinta-feira (7) que a Otan está travando uma guerra híbrida contra a Rússia e a Bielorrússia. Ele ressaltou que a política do bloco político-militar é a principal ameaça à segurança internacional.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o cientista político e editor-chefe do site Centro de Previsões Geopolíticas, Ivan Andrianov, destaca que a Aliança do Atlântico Norte sempre foi dirigida contra a Rússia.
"Mesmo que os planos estratégicos tenham mudado em diferentes períodos de tempo, e outros candidatos dignos tenham recebido a nomeação do 'principal inimigo' da Otan, Moscou que sempre representou o principal oponente do bloco", diz.
O analista aponta que a escalada da tensão compreende dois cenários. O primeiro deles seria justamente o confronto entre a Rússia e a Otan no contexto de uma guerra híbrida: sanções, guerras econômicas, políticas, diplomáticas, "guerras por procuração entre o Ocidente e a Rússia na Ucrânia etc.". "Ou seja, de fato, o confronto no formato que temos hoje, que muitos já chamaram de "Guerra Fria 2", acrescenta.
Por outro lado, ele destaca que o segundo cenário seria o início de confrontos militares diretos entre a aliança e a Rússia. De acordo com Andrianov, embora tanto Moscou quanto Bruxelas estejam tomando medidas para evitar este cenário, como a recusa da Otan de fornecer algumas armas a Kiev, o chefe da Direção Principal de Inteligência de Belarus disse recentemente que a aliança está se preparando para uma guerra completa em seu flanco leste, ou melhor, na direção bielorrussa.
"Há um desenvolvimento ativo de mecanismos para a criação de grupos de exército. Devemos lembrar que Minsk [Belarus] é o aliado mais próximo de Moscou. Nossos países têm uma doutrina militar comum e um espaço de defesa. Assim, um ataque a Belarus ou um conflito armado nas suas fronteiras equivale a um ataque à Federação Russa", aponta.
O cientista político também comenta a possibilidade de uma guerra entre Moscou e Otan começar fora da Ucrânia "não pelo desejo de Bruxelas ou Moscou, mas, como dizem, por acidente". "Refiro-me ao desejo da Polônia de reafirmar o seu controle sobre as cinco regiões da Ucrânia ocidental com que faz fronteira e que controlava antes da Segunda Guerra Mundial", explica.
De acordo com o Ivan Andrianov, além de mobilizar seus membros para lutar contra a Rússia, a Otan está tentando atrair outros países interessados em desenvolver relações com o Ocidente como aliados. O desdobramento mais emblemático neste sentido são as tratativas para a entrada de Finlândia e Suécia no bloco. Os dois países nórdicos, que tradicionalmente mantinham um status neutro, decidiram ingressar na Otan após o início do conflito na Ucrânia, em 24 de fevereiro.
"A entrada da Finlândia e da Suécia na Otan não incomoda muito o Kremlin até que bases militares da aliança e armas apareçam na fronteira com a Rússia que ameaçam cidades e vilas russas. Nesse caso, Helsinque e Estocolmo não devem se surpreender com o fato de sistemas de mísseis táticos e outras armas aparecerem perto de suas fronteiras", diz o pesquisador.
Edição: Thales Schmidt