Neste domingo, 24 de abril, completam-se dois meses desde que a Rússia iniciou o conflito na Ucrânia, classificando a investida no país vizinho como uma "operação militar especial".
Estabelecendo que os objetivos principais da operação seriam a "desmilitarização" e a "desnazificação" da Ucrânia, durante o primeiro mês do conflito o exército russo ocupou as regiões sul e leste da Ucrânia e estabeleceu um cerco a Kiev, com intensos combates nos arredores da capital. O conflito já custou a vida de mais 1.500 civis ucranianos e resultou em mais de 4,2 milhões de refugiados.
Na última semana, o Kremlin anunciou uma nova fase de sua operação militar, concentrando o conflito na região de Donbas, no leste da Ucrânia. A estratégia de Moscou foi encarada por especialistas do país como uma consequência do fracasso da Rússia em estabelecer uma guerra relâmpago e que resultasse no controle de Kiev e na consequente mudança de governo no país.
Vale lembrar que a empreitada russa na Ucrânia tem como pano de fundo as disputas sobre os limites da expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e o mercado de energia na Europa. Neste sentido, a disputa pela influência na Ucrânia por parte de Moscou se insere no contexto de um conflito mais amplo da Rússia com o Ocidente, especialmente os EUA, já que este expandiu sua influência até áreas próximas a fronteiras russas como forma de pressão política e militar.
União Europeia, que já enviou cerca de 1,5 bilhão de euros (aproximadamente R$7,5 bilhões) em armamentos a Kiev, e EUA, que anunciaram nesta semana um pacote de US$ 800 milhões (cerca de R$ 4,4 bilhões) em armas para Kiev, incluindo veículos blindados e helicópteros, voltam seus esforços mais para enfraquecer a Rússia do que para incentivar conversas de paz.
Para o analista-sênior do International Crisis Group para a Rússia, Oleg Ignatov, a operação russa tinha inicialmente um propósito de intimidação do governo ucraniano para forçar uma mudança de regime para um governo pró-Rússia na Ucrânia. A resistência ucraniana e o isolamento da Rússia no cenário internacional, provocado pelos severos pacotes de sanções contra a a economia russa, teriam levado Moscou a adaptar a estratégia e mudar o rumo da guerra na última semana.
“O objetivo (original) não era uma guerra, mas uma intimidação da elite ucraniana. O cálculo era de que o Exército ucraniano iria se comportar da mesma forma como aconteceu na Crimeia, ou seja, seria desmobilizado, não estaria disposto a combater”, disse ele ao Brasil de Fato.
O cientista político lembra que foi declarado oficialmente por Moscou que a condição para negociar com a era que a Ucrânia baixasse suas armas e que seu Exército parasse de resistir. “Agora esse objetivo nem é pronunciado”, destaca Ignatov, acrescentando que, apesar do enorme custo humano e material da Ucrânia diante do ataque russo, é Kiev que tem "vencido moralmente" a guerra.
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, declarou no dia 18 de abril que o exército russo estava iniciando uma nova ofensiva sobre a região de Donbas. De acordo com ele, uma "parte muito grande de todo o Exército russo está agora focada nesta ofensiva". "Não importa quantas tropas russas eles enviem para lá, nós vamos lutar. Vamos nos defender", acrescentou, apontando que não pretende abrir mao de nenhuma parte do território ucraniano em um possível acordo.
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Possíveis ganhos da Rússia
A nova fase da operação das tropas russas nas regiões de Donetsk e Lugansk, portanto, seria encarada como uma investida para estabelecer o controle total na região leste do país vizinho e garantir um êxito militar para o Kremlin. A expectativa agora é que os rumos do conflito sejam definidos pelos êxitos ou fracassos militares russos nesse campo de batalha a partir de agora.
Para o cientista político Abbas Gallyamov, se a Rússia realmente conseguir alguma vitória militar na tomada de algum território ucraniano, ela vai realizar as negociações a partir de uma posição de força. "Mas se fracassar, como na primeira intervenção, então serão os ucranianos que realizarão as negociações com a Rússia de uma posição de força, e Rússia deverá se contentar com algo mínimo", disse o analista ao Brasil de Fato.
No contexto em que a Rússia corre contra o tempo para apresentar determinados êxitos militares na guerra contra a Ucrânia, o secretário-geral da ONU, António Guterres, se reunirá na terça (26) com o presidente Vladimir Putin e com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, separadamente, para discutir "passos urgentes a serem tomados sobre a paz na Ucrânia".
Edição: Arturo Hartmann