Pressionada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a Fundação Nacional do Índio (Funai) contratou 12 funcionários temporários para atuar em um posto de proteção a indígenas isolados no médio rio Purus, no Amazonas.
Mas, quatro meses depois das contratações, o local onde eles deveriam trabalhar sequer teve a construção iniciada. A informação foi confirmada ao Brasil de Fato por lideranças indígenas locais.
A instalação do posto de proteção foi uma das recomendações do Ministério Público Federal (MPF) feitas à Funai no dia 4 de março. O procurador da República Fernando Merloto Soave também pediu que o acesso de não indígenas seja impedido, por meio de uma portaria de restrição de uso.
O MPF deu dez dias para a Funai esclarecer quais providências estão sendo adotadas e afirmou que tomará “medidas cabíveis" se o pedido não for atendido. O prazo expirou, mas as recomendações não foram cumpridas, e os indígenas continuam desprotegidos.
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Risco de genocídio
A principal preocupação do MPF é que o grupo em isolamento vive fora de terras demarcadas e perto de uma área habitada por extrativistas. A região é frequentada por caçadores e pescadores, aumentando o risco de contágio da covid-19 e de conflitos com não indígenas.
Em setembro do ano passado, servidores da Funai confirmaram a presença dos isolados em Lábrea (AM), no médio rio Purus, e pediram que Brasília autorizasse medidas de proteção.
O caso foi revelado em fevereiro deste ano pelo Brasil de Fato e pelo site O Joio e o Trigo. Desde então, organizações indígenas e indigenistas acusam a Funai de negligência e apontam risco de genocídio.
Base Mamoriá estava nos planos, mas não saiu do papel
Conforme o edital do processo seletivo, os 12 funcionários que estão sem local de trabalho foram contratados para atuar na Base de Proteção Etnoambiental (BAPE) Mamoriá, justamente a que controlaria o fluxo de não indígenas no território habitado pelos isolados. São dois cargos de Chefe de Proteção Etnoambiental e 10 de Agente de Proteção Etnoambiental.
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A citação da BAPE Mamoriá na chamada pública indica que a Funai planejava, à época, construir o posto de controle.
O Brasil de Fato perguntou ao órgão indigenista por que a medida não foi levada adiante. Questionou também onde os servidores estão trabalhando e qual função estão exercendo. Até a publicação, não havia resposta.
Servidores foram contratados para proteger isolados
A contratação fez parte de um processo seletivo simplificado lançado em 27 de outubro de 2021 com a abertura de 776 vagas, principalmente na Amazônia Legal. Os contratos têm validade de 6 meses, com possibilidade de prorrogação.
A principal atribuição desses servidores é atuar “na implementação das barreiras sanitárias e postos de controle de acesso como forma de medidas de prevenção à COVID-19 nas Terras Indígenas, sobretudo às que contam com presença de povos indígenas isolados e de recente contato”, segundo o edital.
Ainda de acordo com o documento, todos os contratados deveriam atuar “em barreiras sanitárias (BS) e postos de controle de acesso (PCA) para prevenção da COVID-19 nos territórios indígenas”. A região do Mamoriá, no entanto, segue sem nenhuma restrição de acesso.
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A seleção foi dirigida pela Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC), em conjunto com a Coordenação-Geral de Gestão de Pessoas da Diretoria de Administração e Gestão da Funai (CGGP).
Em matéria publicada no site da Funai em outubro do ano passado, o coordenador da CGGP, Paulo Henrique de Andrade, chegou a declarar que previa o estabelecimento de novos postos de controle. “(...) o incremento de recursos humanos configurará um corpo profissional maior e novas barreiras poderão ser implementadas”, afirmou à assessoria de comunicação do órgão indigenista.
Natural da região do médio Purus, o coordenador em exercício da CGIIRC, Geovanio Pantoja Katukina, declarou que o reforço no quadro de funcionários contribuiria “para o desenvolvimento das atividades necessárias ao cumprimento da decisão do Supremo”.
STF ordenou instalação de barreiras sanitárias
O processo seletivo foi uma resposta a uma decisão cautelar do ministro Luís Roberto Barroso, do STF. A ordem judicial foi expedida em julho de 2021, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, protocolada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e por seis partidos políticos.
A ação pedia que o STF obrigasse o governo federal a instalar barreiras sanitárias contra a covid-19 em mais de 30 terras indígenas com presença de povos isolados ou de recente contato, além da expulsão de invasores das terras indígenas Yanomami, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Kayapó, Araribóia, Munduruku e Trincheira Bacajá.
À época, Barroso criticou o governo e disse que a inação poderia resultar em conflitos, mortes ou contágio e que os riscos aos povos originários eram agravados pela “falta de transparência que têm marcado a ação da União”.
Isolados em risco
A demora ocorre em meio a uma “avalanche” de ataques do governo federal contra povos isolados. Desde a chegada de Jair Bolsonaro à presidência, a Funai atrasou ou não renovou portarias de restrição de uso.
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Outro lado
A assessoria de comunicação da Funai acusou recebimento das perguntas feitas pela reportagem, mas nenhuma resposta foi enviada.
Edição: Rodrigo Chagas