Dizem que cão que ladra não morde, mas China e Estados Unidos estão com os dentes à mostra. As maiores potências econômicas mundiais lidam há anos com uma guerra tarifária iniciada por Donald Trump, mas as tensões — e as penalidades — podem avançar junto com a guerra entre Rússia e Ucrânia.
Isso porque, na semana passada, o conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, conversou com o membro do Politiburo e Diretor do Escritório da Comissão de Relações Exteriores da China, Yang Jiechi, e os termos não foram amistosos. De acordo com a Casa Branca, Yang foi alertado sobre "de maneira clara" sobre as consequências impostas a Pequim caso a administração chinesa auxiliar a Rússia em sua guerra.
Dias depois, os presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e da China, Xi Jinping, se reuniram numa ligação de duas horas. Na conversa, os líderes reafirmaram o compromisso com a paz, mas ambos adotam uma narrativa diferente sobre as motivações e o desenrolar da invasão.
As divergências diplomáticas criam uma espécie de divisão na política externa mundial, conforme falou à reportagem do Brasil de Fato Douglas Barry, vice-presidente do Conselho Empresarial EUA-China. "O mundo agora assiste a dois sistemas de valores opostos, e é como se tivéssemos que escolher um lado: ou você está com os Estados Unidos, ou você está com a China", diz.
Apesar da evidente rivalidade, ambas as nações são interdependentes. A China é a maior parceira comercial dos Estados Unidos — e vice-versa. Para se ter uma ideia, o comércio de bens e serviços dos EUA com a China totalizou cerca de US$ 615,2 bilhões em 2020.
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A balança comercial entre os gigantes é favorável à China, que anota superávit há anos, e isso incomoda sobretudo os republicanos. Com o desgastado discurso de "fazer a América grande novo", Donald Trump assumiu a Casa Branca disposto a reverter essa lógica. Foi ele quem impôs as primeiras tarifas a bens chineses e deu início a uma guerra comercial ainda em andamento. O resultado, porém, foi um fiasco.
Em entrevista ao jornal A Hora do Povo, John Ross, membro sênior do Chongyang Institute for Financial Studies da Universidade Renmin, disse que “os EUA, apesar de suas tarifas, conseguiram reduzir apenas ligeiramente seu déficit comercial bilateral de bens, de US$ 375 bilhões em 2017 para US$ 355 bilhões em 2021”.
Simultaneamente, ressalta o economista, o déficit comercial dos EUA com o resto do mundo “disparou de US$ 417 bilhões a US$ 723 bilhões”. O comércio geral da China tampouco foi prejudicado. “O superávit comercial de Pequim subiu de US$ 420 bilhões em 2017 para US$ 676 bilhões em 2021”. No ano passado, as exportações e importações da China aumentaram 30%. “Essa derrota abrangente dos EUA na guerra comercial foi acompanhada por um fracasso igualmente grande em seu desempenho econômico geral em comparação com a China”, aponta Ross.
Então por que agora seria diferente? Para Douglas Barry, as nações europeias poderiam aderir ao pacote de sanções escrito pela Casa Branca, o que significaria uma grande dor de cabeça à China, cuja imagem tem sido arranhada mundo afora.
"Eu diria que os chineses não têm feito um bom trabalho de publicidade, porque a opinião pública em relação a eles não é muito positiva, sobretudo aqui nos EUA", diz Barry, "a Rússia não é exatamente o parceiro ideal neste momento, porque significaria um baque na reputação da China, para além das perdas econômicas que essa aliança poderia significar".
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Segundo o vice-presidente do Conselho Empresarial EUA-China, o atrito constante e recorrente entre Washington e Pequim movimenta uma verdadeira corrida pela autossuficiência. "Por um lado, temos os chineses tentando se proteger, sobretudo nas áreas onde se sentem mais vulneráveis, como no desenvolvimento de chips de computadores de alta performance", afirma, "os EUA, por sua vez, querem diminuir a dependência da China como a fábrica do mundo".
Mas essa autossuficiência tão desejada não viria de graça — para nenhum dos dois. O comércio entre os países é um importante motor de empregos. "As exportações dos EUA para a China representam cerca de 1 milhão de empregos diretos em solo americano. Se você levar em conta os empregos indiretos, que são outros 4 milhões, então essa conta sobe para 5 milhões. São 5 milhões de empregos que dependem do comércio com a China, na parte de exportação. As importações da China também criam empregos, muitos empregos, talvez mais do que os das exportações".
Edição: Thales Schmidt