O Peru começou o julgamento oral do ex-presidente Ollanta Humala como parte da Operação Lava-Jato. A Promotoria pediu 20 anos de prisão para Humala e 26 anos para a ex-primeira dama, Nadine Heredia, por lavagem de dinheiro, financiamento ilegal de campanha e ocultação de compras de imóveis com dinheiro da Odebrecht. O político de centro-esquerda governou o país entre 2011 e 2016.
Humala, ex-tenente-coronel do exército, é acusado pelo Ministério Público de lavagem de dinheiro por receber contribuições ilegais de US$ 3 milhões (cerca de R$ 15 milhões) para a campanha que o levou ao poder. Entre julho de 2017 e abril de 2018, Humala e Heredia estiveram detidos de maneira preliminar.
O caso é julgado pelo Tribunal Penal peruano e envolve outros nove réus, entre eles Ilán Heredia e Antonia Alarcón, respectivamente irmão e mãe da ex-primeira dama,
"Chamaria atenção para a atuação do Ministério Público. Houve certo uso irresponsável de prisões preventivas, quando deveriam ser usadas em caso de exceção segundo o direito processual penal peruano. Não me parece similar ao lawfare que houve no Brasil, ainda que em alguns casos houve imputações enviesadas para atacar personagens do campo progressista", analisa Julio Arbizú, ex-procurador anticorrupção do Peru, ao Brasil de Fato.
Depois do Brasil, o Peru foi o segundo país mais afetado pela Lava Jato. Isso ocorreu, quando, em dezembro de 2016, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos informou que a empreiteira brasileira Odebrecht havia subornado autoridades de 12 países para ganhar licitações de obras de infraestrutura.
A construtora teria transferido ao menos US$ 29 milhões – cerca de R$ 160 milhões, em valores atualizados – como propina a servidores públicos entre 2005 e 2014.
"Ollanta Humala chegou ao poder com um perfil progressista, mas durante sua gestão mostrou ser um fantoche da direita, favorecendo grupos tradicionais de poder", critica Arbizu.
Humala é o primeiro de quatro presidentes que vai a julgamento pela trama de corrupção da Odebrecht no Peru, mas outros três presidentes foram destituídos: Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018), Alan García (2006-2011) e Alejandro Toledo (2001-2006).
García, do partido Ação Popular Revolucionária (APRA), cometeu sucidío em abril de 2019 após ter sua prisão preventiva decretada pelos procuradores da Lava Jato.
“Como em nenhum documento sou mencionado e nenhum indício ou evidência me alcança, somente lhes resta a especulação ou inventar intermediários. Jamais me vendi e está provado”, escreveu na sua última carta.
Kuczynski, do partido Peruanos pela Mudança, está em prisão domiciliar há três anos após renunciar em março de 2018, às vésperas de seu próprio impeachment aprovado pelo Congresso devido ao caso Lava Jato. O ex-mandatário nega até hoje ter vínculos com a Odebrecht.
Já Alejandro Toledo, do partido Peru Possível, está sob prisão domiciliar em Palo Alto (Califórnia, Estados Unidos), onde aguarda a decisão do governo estadunidense sobre o pedido de extradição apresentado pelo governo do Peru, depois que um Tribunal da Califórnia autorizou a medida em setembro. O MP peruano o acusa de ter recebido US$ 20 milhões (cerca de R$ 110 milhões) em subornos da Odebrecht em troca de contratos de obras públicas durante seu mandato.
O caso também respinga na ex-deputada e candidata à presidência Keiko Fujimori, do partido de extrema direita Força Popular. Seu julgamento pode começar antes do final do ano.
Saiba mais: Ministério Público do Peru pede prisão preventiva de Keiko Fujimori
Irregularidades no processo
Também há denúncias de irregularidades nos métodos adotados pelos magistrados que coordenam a Operação no lado peruano. Em março de 2019, dois membros do Ministério Público do Peru foram gravados induzindo um preso a mentir ou omitir fatos sobre sua ligação com investigados, como o ex-presidente Humala.
Para Arbizu, é necessário analisar a corrupção como um problema endógeno do sistema político-econômico atual, que privilegia os interesses empresariais nas relações entre o setor público e privado.
"Existem redes de crime organizado. Na prática, são várias organizações que confluem em seus interesses e se infiltram nos espaços de decisão de políticas públicas. Financiam campanhas políticas e logo têm seus representantes no parlamento, no Executivo. A solução passa por constituir equipes de investigação de elite, a medida que se realize uma reforma da administração pública", explica.
Edição: Arturo Hartmann