O chamado “PL do Veneno” (PL 1459/2022), proposta que favorece a ampliação do uso de agrotóxicos nas lavouras do país, será alvo de duas audiências públicas neste mês de junho na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado. A decisão foi tomada na quinta (9) durante sessão do colegiado, que enfrenta fortes dissidências internas em relação ao tema por conta das características do texto.
A aprovação das audiências vem no meio de uma intensa pressão popular para que o projeto de lei seja submetido a um trâmite mais lento e com ampla discussão civil na Casa. A ideia é que, caso seja aprovada na CRA, a proposta não siga diretamente para o plenário, devendo ser analisada ainda pelas Comissões de Saúde, Meio Ambiente e Direitos Humanos.
Interlocutores da sociedade civil que atuam no tema afirmam que a pauta suscita delicadezas em todas essas áreas e que por isso carece de perícia no percurso legislativo. “Não é pelo mero rito e por protelar, e sim para garantir o debate”, argumenta a porta-voz de Políticas Públicas do Greenpeace, Luiza Lima, ao mencionar que o PL, em sua primeira votação no Senado, saiu da Casa com dois artigos e voltou da Câmara com 67.
“Com esse retorno de um PL completamente diferente, a gente sabe que pela tramitação temos pouca possibilidade de modificar o texto. A gente não consegue fazer grandes alterações nele. O que a gente precisa é de tempo e debate pra mostrar pros senadores aquilo de que a sociedade já tem certeza: é um PL que não traz qualquer tipo de benefício.”
Os defensores do trâmite mais espaçado enfrentam, no entanto, as barreiras impostas pela bancada ruralista, um dos braços políticos do governo Bolsonaro. Com grande representatividade no Congresso, a bancada pressiona o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para levar o texto direto ao plenário após eventual aprovação na CRA.
"Depois do ato pela terra, em março, o Pacheco se comprometeu de manter o tom, a cadência devida, se comprometeu [dizendo] que o PL ia passar por discussão nas comissões”, relembra a militante Juliana Acosta, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida.
A promessa do presidente foi feita em um evento com presença massiva de artistas e entidades da sociedade civil organizada. A ida do grupo ao Congresso Nacional resultou na entrega de um documento que pedia freio a um combo de cinco projetos de lei que comprometem garantias ambientais, entre eles o PL 1459.
“Nós vamos ter toda cautela com cada um desses cinco projetos que foram tratados aqui neste documento que recebi [no sentido] de terem a destinação, o zelo, o cuidado, a tramitação diga e proporcional à importância do que eles representam”, disse Pacheco, na ocasião.
O presidente, no entanto, distribuiu o PL 1459 somente para a Comissão de Agricultura. “Como um projeto que afeta diretamente o meio ambiente, a saúde das pessoas e os direitos humanos pode ser analisado apenas por uma comissão que tem sua temática em torno da agricultura e tem uma maioria forte de representantes dos interesses do agronegócio?", questiona a porta-voz do Greenpeace.
Conteúdo
Para os interlocutores da sociedade civil que hoje pressionam o Senado, não é possível se produzir um pacto em torno do texto. A chance de consenso é ainda mais distante quando se toca o mérito da questão.
“Esse substitutivo não tem nenhuma possibilidade de acordo que seja sustentável ambiental, social e economicamente porque a mudança da forma da regulação, tirando o poder de veto [dos Ministérios] da Saúde e do Meio Ambiente, por exemplo, no registro de agrotóxico, é inegociável”, considera Juliana Acosta, ao mencionar um dos gargalos do processo.
“É inegociável também o critério de que é preciso ser carcinogênico para ser proibitivo o registro de agrotóxico no Brasil”, acrescenta a militante.
As críticas ao PL também têm como pano de fundo a autorização desenfreada para utilização de novos pesticidas no Brasil sob a gestão Bolsonaro. Somente em 2021 foram 641 produtos dessa natureza recebendo aval no país.
“E, no meio disso, o PL 1459 fragiliza muito a forma de aprovação de novos agrotóxicos, aumentando o risco pra população, com novos produtos muito mais perigosos e danosos ao meio ambiente, à saúde dos trabalhadores e da população como um todo, pois vai colocar mais veneno na mesa do brasileiro”, alerta Luiza Lima.
Histórico
A proposta nasceu ainda em 2002, pelas mãos do então senador Blairo Maggi e com apenas dois artigos. O texto, chamado de PL 6299, foi chancelado inicialmente pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) e sem encaminhamento a outras comissões, pois os colegiados de Meio Ambiente, Agricultura e Direitos Humanos ainda não existiam na época.
Depois de ficar parado por 13 anos, o projeto chegou na Câmara dos Deputados em 2015. Lá, teve outros PLs apensados e sofreu diferentes modificações. A proposta que passou a nomear esse bloco de projetos a partir de então foi o PL 6299/2002, aprovado em 2018 por uma comissão especial.
Na época, o colegiado era presidido pela deputada Tereza Cristina, personagem de referência da bancada ruralista na Casa. Ela foi ministra da Agricultura da gestão Bolsonaro entre 2019 e 2022 e se desligou da pasta para preparar sua candidatura ao Senado.
Após esse período, o PL 6299 recebeu sinal verde da maioria dos deputados em plenário e retornou em fevereiro deste ano ao Senado, agora sob o número de PL 1459/2022, reavivando a queda de braço entre bancada ruralista e ambientalistas na Casa.
Edição: Thalita Pires