O Chile elegeu uma nova Convenção Constitucional no último fim de semana, composta por 155 membros, 17 representantes dos povos indígenas, 83 mulheres e 72 homens. A eleição surpreendeu com uma maioria das cadeiras ocupadas por candidatos independentes - pessoas que pela primeira vez na história do país puderam concorrer às eleições sem pertencer a um partido político.
São 47 deputados pela Lista do Povo, 28 pela plataforma de esquerda Aprovo Dignidade (Frente Ampla e o Partido Comunista do Chile), 25 pela lista de centro-esquerda Lista pelo Aprovo (partidos da Concertação) e 37 pela chapa Vamos Chile, que reúne todas as organizações do campo da direita.
O perfil dos eleitos são advogados jovens e adultos, com média de 45 anos de idade, no entanto o deputado mais jovem tem apenas 20 anos.
Agora o grupo de constituintes terá até um ano para elaborar uma proposta de constituição que deverá ser aprovada em um novo plebiscito popular. Nesse período, os deputados terão licença laboral e receberão um salário de 2,5 milhões de pesos chilenos, aproximadamente R$18 mil.
Veja os próximos passos em detalhes:
1) O Tribunal Qualificador de Eleições terá um prazo de 30 dias para proclamar a eleição dos constituintes
2) Assim que for emitida a sentença, o presidente Sebastián Piñera terá até três dias para convocar a primeira sessão da Convenção Constitucional, que deverá acontecer em até 15 dias pós publicação da convocatória no Diário Oficial.
3) Na primeira sessão, que deverá acontecer entre junho e julho, deverão ser escolhidos presidente e vice, além de uma comissão técnica com acadêmicos e magistrados do direito para ajudar na redação do texto constitucional.
4) O ministério da Presidência será o organismo responsável por prestar todo o apoio técnico e administrativo aos deputados constituintes e os debates irão ocorrer no Congresso Nacional chileno.
5) Depois de instalada, a Convenção Constitucional deverá estabelecer um regulamento interno. O grupo tem noves meses, podendo pedir extensão de até três meses, para escrever uma nova proposta de carta magna. Segundo a legislação vigente, todos os artigos deverão ser aprovados por pelo menos 2/3 dos deputados para serem incluídos na versão final.
6) A expectativa é que em julho de 2022, os chilenos voltem às urnas para avaliar a proposta da nova Constituição.
Principais temas em debate
A nova carta magna será escrita do zero, portanto não utiliza as Constituições chilenas de 1980 e 1925 como base para elaborar qualquer artigo.
De acordo com uma pesquisa de opinião do Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica (Celag), as principais demandas dos chilenos que votaram pela reforma estão ligadas à criação de sistemas públicos de saúde, educação e previdência.
A constituição promulgada em 1980, durante o regime militar de Augusto Pinochet, liberou a privatização das escolas e universidades, assim como de setores estratégicos da economia como a extração do cobre.
O Chile chegou a ser considerado um laboratório latino-americano das políticas neoliberais que ganhavam força na Europa e nos Estados Unidos, com Margareth Thatcher e Ronald Reagan. Dessa forma, o sistema previdenciário vigente até hoje no país é privado e utiliza os fundos para investir na bolsa de valores.
Há uma série de denúncias sobre problemas no pagamento das aposentadores pelas Associações de Fundos de Pensões (AFPs), que ao invés de garantir um direito, acabam lucrando com as economias dos chilenos.
Leia mais: Por que os chilenos lutam contra o modelo de previdência que Bolsonaro quer copiar
O modelo neoliberal também gerou os maiores índices de desigualdade social da região.
De acordo com a Comissão Econômica Para América Latina e o Caribe (Cepal), 1% da população chilena concentra 26% da riqueza, já 66% dos chilenos possuem 2% do capital que circula no país.
Além disso, o Chile também é considerado um dos países mais caros para se viver no continente. Para cobrir gastos básicos mensais, como aluguel, contas de água, luz, e comprar a cesta básica alimentar, são necessários US$ 1,2 mil (cerca de R$ 6,6 mil), enquanto o salário mínimo é de US$320 (cerca de R$1,7 mil).
No entanto, há outros assuntos que também serão centrais no debate.
Acesso à água
Não é só educação, previdência e saúde que são privadas no Chile, o acesso à água também deixou de ser um direito universal com o regime pinochetista.
Estima-se que 80% das fontes hídricas do país estão nas mãos do setor privado. Portanto uma das reformas centrais será garantir em lei o acesso universal e equitativo de todos os chilenos à água e fontes renováveis de energia.
:: Entenda como se deu o processo de privatização das águas no Chile ::
Distribuição dos poderes
A diminuição dos poderes do Executivo, assim como a unificação do Congresso e Senado em um Parlamento unicameral são algumas das propostas presentes em 50% dos programas de campanha dos deputados eleitos, segundo levantamento do portal La Tercera.
Uma das possibilidades seria migrar para um sistema semipresencial, com a criação da figura de primeiro-ministro. Também se discute o fim da possibilidade de reeleição direta.
Leia também: Neoliberalismo econômico e autoritarismo político: a conexão Bolsonaro-Pinochet
Além disso, 65% apontavam para a necessidade de uma reforma do sistema judiciário do país, com a extinção do Tribunal Constitucional.
Estado Plurinacional
Depois da Bolívia, o Chile poderia ser o segundo país da região a se auto declarar um Estado plurinacional. Cerca de 12,8% da população chilena é indígena, com a presença de mais de uma dezena de nações.
Além da espoliação dos seus territórios, os povos indígenas sofrem com a militarização das suas regiões e perseguição aos seus líderes ancestrais e políticos.
VÍDEO | Povos indígenas chilenos sofrem violência do Estado durante a pandemia
Igualdade de gênero
A nova constituição chilena será a primeira na história a ser escrita por um grupo com paridade de gênero. Na realidade, as mulheres foram maioria da votação e os homens acabaram sendo favorecidos pela regra pré-estabelecida de uma divisão equitativa de gênero.
Portanto, um dos temas em discussão é o aumento da representatividade das mulheres e da população LGBT+ na política.
Cerca de 73% dos constituintes incluía no seu material de campanha propostas relacionadas ao reconhecimento da igualdade efetiva entre homens e mulheres pelo Estado, com a garantia de igualdade salarial e o fim da discriminação.
Edição: Morillo Carvalho