A direita e os aliados do presidente Sebastián Piñera saíram bastante enfraquecidos das eleições constituintes do Chile, realizadas nesse domingo (16) e, com mais de 99% apurados, já está definido que os partidos de oposição e os candidatos independentes terão maioria na Assembleia que escreverá uma nova Constituição no país.
As 83 listas de candidatos independentes somadas angariam mais assentos do que as três listas que abrigam os maiores partidos do país. Juntos, os candidatos independentes somam 47 cadeiras na Assembleia.
A lista da direita, Vamos por Chile, que reúne os partidos governistas, aliados do presidente Sebastián Piñera, aparece com a segunda maior votação, com 20,56%, o que seria suficiente para conquistar 37 assentos.
O número, entretanto, ainda não é suficiente para que esse bloco alcance um terço da Assembleia Constituinte, limite necessário para ter direito a veto na Casa que será composta por 155 parlamentares. Para aprovar a nova Carta Magna, será necessário uma maioria de dois terços.
A lista da esquerda, Apruebo Dignidad, por sua vez, aparece com votação expressiva, somando mais de 18,74% dos votos, angariando 28 cadeiras. O bloco reúne partidos da Frente Ampla e o Partido Comunista do Chile.
Os partidos de centro-esquerda, reunidos na Lista del Apruebo, aparecem logo atrás, com 14,46% dos votos, o que daria direito a 25 assentos. Esse bloco reúne o Partido Socialista e outros que integram a Nova Maioria durante o governo da ex-presidente Michelle Bachelet.
Após a apuração atingir os 80%, o presidente Sebastián Piñera realizou um pronunciamento no palácio de La Moneda e admitiu a derrota sofrida pelos partidos governistas. Segundo o mandatário, que viu seus aliados saírem enfraquecidos do pleito, o governo não está "sintonizado com as demandas da população e está sendo interpelado por novas lideranças".
"A população enviou uma mensagem clara e forte ao governo e a todas as forças políticas tradicionais", disse Piñera. O presidente ainda afirmou que tem o dever "de escutar com humildade e com atenção a mensagem do povo".
Entre os chamados candidatos independentes, duas listas se destacam pela quantidade de assentos conquistados e por suas posições ideológicas: a Lista Nueva Constitución e a Lista del Pueblo. A primeira teria conquistado 11 cadeiras, enquanto a segunda alcaçaria 22. Ambas nasceram de coletivos e movimentos ligados aos protestos de 2019 e têm tendências anti-neoliberais e progressistas.
Dos 155 assentos que irão compor a Assembleia Constituinte, 17 estão reservados para candidatos indígenas. Outro diferencial nessas eleições é a cláusula da paridade de gênero. Segundo o regulamento aprovado para a Constituinte, o número de parlamentares homens e mulheres deve ser equitativo. Em distritos que tenham número par de candidatos, deve ser eleita a mesma quantidade de homens e mulheres. Já distritos que tenham números ímpares de candidatos, a diferença entre homens e mulheres eleitas não deve ser maior do que um.
O que está em jogo na eleição constituinte?
A atual Constituição é a décima da história do Chile e a terceira mais longeva. Foi imposta em 1980 pelo ditador Augusto Pinochet – portanto, completou 40 anos de vigência em 2020.
Vale recordar que, mesmo antes da Constituição de 1980, todas as constituições chilenas foram escritas pelos chamados “grupos de notáveis”. O Chile nunca teve uma Assembleia Constituinte e jamais uma mulher participou da elaboração das leis fundamentais do país.
Ao final do regime de Pinochet, em 1990, houve um processo de transição no país que não incluiu uma nova constituinte, mas sim uma série de reformas à Constituição atual. Outra reforma constitucional aconteceu na primeira metade da década de 2000, durante o governo de Ricardo Lagos (2000-2006).
Nenhuma dessas reformas alterou as bases do modelo de sociedade construído pelos Chicago Boys – grupo de economistas formado na Universidade de Chicago que liderou a economia nos anos Pinochet –, que fazem do Chile um dos países que mais praticam o neoliberalismo no mundo.
Esse modelo foi o principal alvo da revolta social iniciada em outubro de 2019. Depois de um mês de manifestações diárias em todo o país, algumas com mais de 2 milhões de pessoas nas ruas, vários dias de repressão do exército, com toque de recolher incluído, os presidentes de quase todos os partidos decidiram realizar o que chamaram de “Acordo de Paz”, cujo principal aspecto foi a realização de um plebiscito constitucional, que aconteceu em outubro de 2020 e aprovou a convocação de uma Assembleia Constituinte e a realização de eleições diretas para a escolha de seus membros.
Um dos principais pontos de debate na Assembleia deverá ser a ampliação do papel do Estado em áreas como saúde, educação e no modelo de previdência social, este último um dos pontos mais criticados do regime atual.
O conteúdo da nova Constituição chilena dependerá da correlação de forças alcançada após a votação deste fim de semana. A nova Carta Magna só será aprovada com a maioria de 2/3 da Assembleia - 144 parlamentares - o que indica a necessidade de alianças táticas entre diversas forças políticas.
Para este pleito, os partidos apresentaram candidatos em listas - ao todo, são mais de 100 - além de contar com vários independentes, que não concorrem por siglas tradicionais da política chilena. Dos quase 1,3 mil candidatos à Assembleia, 68% não atuam em nenhum partido.
Apesar do alto número de candidatos independentes, os partidos de maior relevância estão reunidos majoritariamente em três listas. A Vamos por Chile, de direita, abriga os partidos governistas, aliados do atual presidente Sebastián Piñera. Já a Lista de Apruebo é formada por legendas de centro-esquerda, cuja maioria das forças pertenciam ao bloco da Nova Maioria, que atuou durante o governo de Michelle Bachelet.
A esquerda chilena está reunida na lista Apruebo Dignidad, formada principalmente pelo Partido Comunista do Chile, Revolução Democrática (RD), Convergência Social (CS), Esquerda Libertária, Vitória Popular e Partido Igualdade e Ação Humanista.