Anunciada anteriormente para esta quinta-feira (11), a polêmica remoção do Comitê de Imprensa da Câmara dos Deputados foi temporariamente adiada, mas deve começar já nesta sexta-feira (12).
A novidade se tornou de conhecimento público esta noite e foi comunicada oficialmente à presidência do comitê em meio a um clima de apreensão e revolta de profissionais do ramo e veículos de comunicação, que apontam prejuízo no acesso a informações de interesse público.
As equipes serão temporariamente alojadas em um espaço próximo enquanto o atual ponto do comitê vai entrar em obras para abrigar o novo gabinete do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Em uma curta nota oficial, o mandatário argumentou que o objetivo seria buscar maior aproximação com os parlamentares.
O novo local dos jornalistas, ainda sem muitas informações disponíveis, deverá dificultar o acompanhamento dos passos de Lira, que agora não precisará mais passar pelos corredores adjacentes para ingressar no plenário. Com isso, ele evita perguntas de repórteres e outras abordagens.
O novo presidente da Casa está no centro da controvérsia por ter determinado que o comitê, situado de forma acoplada ao plenário desde a década de 1960, mudasse de posição, indo para outro compartimento do prédio.
O primeiro novo local anunciado não tem ventilação, é menor e fica no subsolo, motivo pelo qual foi apelidado de “porão da Câmara”, em uma referência à ditadura militar, época em que a imprensa era sistematicamente perseguida pelo regime e tinha o trabalho censurado pelos governos de plantão.
A ideia de alteração, que se tornou pública na segunda (8), muda substancialmente o acesso de repórteres e fotógrafos aos parlamentares durante as votações de plenário, embarreirando a coleta de informações e entrevistas e impedindo que a imprensa veja detalhes sobre o fluxo de pessoas recebidas pelos deputados e pelo presidente da Casa.
Por esse motivo, a questão acendeu uma ampla discussão no país e foi rechaçada publicamente por veículos de comunicação, sindicatos, entidades de imprensa e outras organizações civis, ganhando os holofotes ao longo da semana. Parlamentares de diferentes colorações políticas também se somaram ao coro, pedindo que o presidente da Casa revisse a decisão.
“Nós nos somamos ao movimento dos líderes e parlamentares que se posicionam neste momento contra a truculência de Lira e estaremos juntos nas iniciativas pra barrar esse ataque”, disse a bancada do Psol, em nota.
O apoio ao trabalho dos jornalistas veio também de nomes da outra ponta, o PSL, sigla que tem entre seus membros nomes avessos ao trabalho da imprensa. “Antes de cruzar para o Salão Azul [do Senado], estive na condição de deputado por um mandato, e sei da importância estratégica do comitê de imprensa ao lado do plenário”, comentou, por exemplo, o senador Major Olímpio (SP), após o alvoroço que tomou conta da Casa nos últimos dias.
Após algumas manifestações de resistência absoluta por parte de Lira, a pressão multilateral resultou em uma tímida sinalização, entre quarta (10) e quinta (11), de que a ideia de mudança estaria sendo agora reformatada. Segundo ele, a presidência estaria avaliando a possibilidade de abrigar os profissionais em um espaço não no subsolo, mas em algum compartimento com acesso menos dificultoso ao plenário e aos deputados. A novidade que veio a público na noite desta quinta, no entanto, não tem esse perfil.
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A declaração de Lira a esse respeito veio no final da noite de quarta (10), após encontro com profissionais do ramo, ocasião em que o pepista também reafirmou o interesse em tirar a imprensa do ponto atual do comitê independentemente da oposição pública ao tema.
“A decisão está tomada”, havia dito o presidente também durante uma sessão de plenário na data, horas antes. Depois, na mesma reunião mencionada, Lira sugeriu que a margem de negociação estaria apenas no local de destino das equipes. Agora, na quinta, foi anunciada a intenção de levar os profissinais para um espaço próximo ao comitê, mas que não dá o mesmo acesso dos jornalistas aos parlamentares.
“E tudo isso veio depois de sermos surpreendidos, na segunda (8), com a notícia de que o comitê seria mudado de local, ou seja, não houve nenhum diálogo prévio com as equipes que cobrem a Casa”, lembra um repórter que acompanha o dia a dia da Câmara há 12 anos e conversou em off com o Brasil de Fato sobre o tema.
Operação
Do ponto de vista físico, o Comitê de Imprensa funciona como uma estrutura com mesas, cadeiras, banheiros, copa, cabines de gravação e itens que permitem a execução do trabalho dos jornalistas. O local tem uma porta de comunicação direta com o plenário, de forma a agilizar o trabalho.
Próprio das instituições democráticas, esse tipo de espaço existe historicamente também no Senado, no Palácio do Planalto, no Supremo Tribunal Federal (STF), em alguns ministérios e outros órgãos ou instituições que concentram atenções da imprensa.
“Sem isso, não é possível garantir a materialização do nosso trabalho. É impedir que as informações sejam apuradas e redigidas com eficiência, atrapalhando a chegada dos conteúdos ao destinatário, à sociedade. Jornalismo exige agilidade e exige que estejamos ostensivamente atentos a tudo que se passa dentro e fora do plenário”, explica outro repórter, também em off.
Protestos
A retirada dos profissionais de imprensa do atual ponto impede, por exemplo, que as equipes possam tomar conhecimento dos protestos populares que rotineiramente se dão na frente do Congresso Nacional – o comitê tem ampla vista voltada a essa direção.
A unidade foi pensada para funcionar nessa posição pelo arquiteto Oscar Niemeyer, que projetou esse e outros prédios de Brasília.
Em nota sobre o assunto, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) afirmou que a ação de Lira "desmerece o trabalho da imprensa".
Já a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) disse que a decisão “não contribui para aproximar a imprensa do Legislativo”.
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF) também condenou a iniciativa. Silvio Queiroz, um dos coordenadores-gerais da entidade, disse ao Brasil de Fato que a medida trará prejuízos ao país como um todo.
“Não tem outro caminho para ter acesso ao que esses representantes estão desempenhando senão a cobertura da imprensa. A gente repudia a decisão atropelada de operar essa mudança. Segundo, a gente desconfia do que está por trás dela”.
A mudança autorizada por Lira também trava, por exemplo, o fluxo de repórteres e fotógrafos pelo Salão Verde, uma espécie de coração dos bastidores da Casa e por onde circulam permanentemente deputados, lobistas, articuladores políticos e representantes civis.
O salão é ainda um dos espaços da Câmara onde lideranças populares se juntam a parlamentares em ocasiões específicas para entrevistas conjuntas e manifestações consideradas indesejadas.
Um dos repórteres que cobrem os temas políticos em Brasília pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC) disse à reportagem, sem se identificar, que a medida de Lira seria “um duro golpe na liberdade de imprensa”.
“Tem um recado claro: é dificultar o trabalho da imprensa, tornar menos transparente a atividade dos parlamentares, especialmente a da presidência. Não se trata de mera questão administrativa, mas de verdadeira operação de ‘cala a boca’ contra quem, vira e mexe, costuma incomodar os mandatários de plantão”.
A tentativa de Lira não é original e remonta pelo menos à época de João Paulo Cunha (PT), que presidiu a Câmara entre os anos de 2003 e 2005.
De lá pra cá, Arlindo Chinaglia (PT), Eduardo Cunha (MDB) e Rodrigo Maia (DEM) estão entre os ex-mandatários que também ventilaram e tentaram executar o plano. A ideia acabou sendo frustrada diante da repercussão negativa e da impopularidade da medida.
Covid-19
De forma associada ao debate sobre as dificuldades operacionais que a remoção criaria à imprensa, paira também sobre as equipes o receio de maior risco de contaminação por covid-19 diante da acomodação dos profissionais em espaços menores, mais apertados e sem ventilação.
Como as opções indicadas por Lira até agora têm esse perfil, isso ajudou a endossar o temor, que ainda permanece, alimentado por um contexto em que o novo presidente decidiu pela volta do trabalho presencial na Câmara sob protestos de parte dos deputados, servidores e outros frequentadores da Casa.
A Câmara operava em esquema de votações remotas desde o primeiro semestre de 2020 por conta da pandemia. Nessa modalidade, apenas alguns poucos deputados, assessores e servidores iam presencialmente ao local, com os demais atuando de forma virtual, para reduzir ao máximo as chances de contaminação nos espaços de convivência.
“E agora, com a piora da crise sanitária, querem jogar todo mundo ali sem ponderar os riscos. Cria-se uma situação em que Brasília pode até se tornar a nova Manaus (AM)”, compara um assessor que não quis se identificar.
A declaração é uma referência aos milhares de transeuntes que a Câmara recebe em dias convencionais. Entre os trabalhadores ativos, são 9.333 secretários parlamentares, 2.742 servidores efetivos, 3.308 terceirizados, mais 1.784 comissionados. Os dados são do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis).
A conta não inclui os 513 deputados, os jornalistas que cobrem a Casa, além de lobistas, prefeitos e outras figuras de número flutuante que atuam na órbita dos mandatos.
Por conta disso, a decisão pelo retorno surpreendeu colegas jornalistas que atuam em outros espaços da Câmara, não exatamente no comitê. É o caso do assessor de comunicação e cientista político Rafael Barroso.
“A Câmara é um espaço especialmente propenso a surtos de covid, uma vez que ela é mal ventilada, a gente recebe pessoas do Brasil inteiro e a nossa cultura política é muito do contato, do aperto de mão, da aglomeração. Infelizmente, não há medida que proíba um prefeito de abraçar um deputado ou de ter reunião com muitas pessoas ”.
Com o retorno das atividades nas novas condições, o serviço médico da Câmara registrou oficialmente 19 novos casos de covid entre os dias 1º e 8 de fevereiro. A volta dos trabalhos presenciais deve chegar à Justiça por meio de um mandado de segurança de iniciativa do PSOL, que anunciou a medida nesta quinta.
Edição: Leandro Melito