No domingo (07), a população equatoriana irá às urnas para eleger o próximo presidente da República. Além da votação no primeiro turno para o principal cargo do executivo, devem ser eleitos os representantes da Assembleia Nacional, que assumirão o mandato para o período de 2021-2025.
O Equador passou recentemente por sucessivas crises econômico-politicas. Após dez anos encabeçados pela presidência de Rafael Correa, entre 2007 e 2017, o seu sucessor, Lenín Moreno, retomou uma agenda de aproximação com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Somado a isso, os efeitos da pandemia acentuaram a desaprovação do governo de Moreno, que, em outubro de 2019, presenciou uma onda de protestos populares protagonizados por estudantes, sindicalistas, funcionários públicos, feministas e indígenas contra as medidas de austeridade de seu governo.
Leia mais: Ameaças à esquerda marcam última semana da campanha presidencial no Equador
Em 2020, em virtude dos primeiros casos de Covid-19, o país foi palco de cenas dramáticas e sinistras com a pane do sistema de saúde e o colapso do sistema funerário. A porta de entrada do vírus foi em Guayaquil e, diante da inércia do governo em adotar rapidamente medidas de isolamento, o vírus avançou às demais partes do país afetando, inclusive, populações indígenas nos Andes e na Amazônia. Casos graves também foram registrados nas ilhas de Galápagos. Isso fez com que o governo tivesse que reforçar sua dívida externa junto a credores internacionais para tentar conter o cenário de crescimento exponencial do número de óbitos. Milhares de equatorianos perderam suas vidas por falta de assistência médica adequada.
A falta de manejo e liderança de Lenín Moreno diante da crise se refletiu em sua popularidade. Neste contexto, o atual governo não possui um nome forte para a sucessão. Ximena Peña, a única mulher a disputar o cargo à presidência nas eleições, possui uma severa dificuldade em se tornar um nome viável, uma vez que seu partido, o Alianza PAIS, foi alvo de uma divisão interna entre setores simpáticos à Moreno e, por outro lado, dissidentes que preferiram seguir fiel ao projeto denominado “Revolução Cidadã”, liderado pelo ex-presidente Rafael Correa.
Sob a década correísta, o Equador vivenciou o período de boom das commodities, o que favoreceu a implementação de políticas públicas de distribuição de renda, além de um crescimento econômico médio de 3,4% do Produto Interno Bruto (PIB), entre 2007 e 2017. Apesar dos avanços com a aprovação de uma nova Constituição (2008), que afirmou o país como um Estado Plurinacional e consolidou uma série de dispositivos inéditos, como os direitos da natureza e o buen vivir (cosmovisão e filosofia andino-amazônica para o reconhecimento dos povos, saberes e nacionalidades indígenas), o setor petrolífero foi o centro de disputas e controvérsias.
De acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), um terço das exportações equatorianas dependem do petróleo. Tal cenário coloca o país numa condição de dupla dependência: além do governo depender profundamente dos recursos do petróleo, a economia dolarizada coloca a nação em uma condição de fragilidade e volatilidade diante das transações cambiais internacionais.
Ainda no ponto de vista econômico, desde 2015 a economia equatoriana apresenta sinais de desgaste. Com o fim do auge petroleiro e o terremoto de 2016, que vitimou mais de setenta pessoas e destruiu boa parte da infraestrutura da província de Esmeraldas, na região litorânea, as megaconstruções e as políticas de fomento a projetos de mineração e extração petrolífera em grande escala foram colocadas em xeque pelos partidários anticorreístas. Setores da oposição ao governo de Rafael Correa alegaram que as obras de infraestrutura desenvolvidas pelo governo do ex-presidente, entre elas o projeto de exploração de petróleo no Parque Yasuní, na Amazônia Equatoriana, e a construção da hidroelétrica sino-equatoriana Coca Codo Sinclair foram acompanhadas de sucessivos casos de superfaturamento. Ademais, a direita equatoriana alega que essas obras foram concebidas a partir de promíscuas relações de corrupção que favoreceram o antigo partido de Rafael Correa. A justiça equatoriana, dentro dessa atmosfera de judicialização da política e descorreização do país, chegou a condenar à prisão o ex-presidente, que atualmente reside na Bélgica junto com sua família.
Por outro lado, os partidários de Correa advogam sofrer perseguição jurídica e que, acima de tudo, tais obras foram fundamentais para a geração de emprego e renda por parte da população. Andrés Arauz, economista e ex-ministro de Correa, aparece como favorito para assumir a presidência e reativar um projeto progressista que envolva uma maior integração regional. Vale lembrar que foi durante a ascensão de governos progressistas na região da América Latina, no início do século XXI, que foi possível viabilizar o desenvolvimento da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e a construção da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), cuja sede está localizada exatamente na capital equatoriana, em Quito.
Leia também: É importante que América Latina governe a si mesma, diz Evo após eleição na Venezuela
A plataforma de campanha de Arauz visa, portanto, retomar o legado de Rafael Correa, reativando algumas políticas exitosas de seu apoiador. Entre elas, Arauz pretende realizar uma nova auditoria da dívida para cobrir as carências sociais do povo equatoriano. Neste sentido, toda a sua campanha foi desenvolvida com o intuito de acusar Moreno como um presidente que traiu os princípios da “Revolução Cidadã”, priorizando o pagamento da divida externa ao invés de investir no sistema de saúde e, sobretudo, na prevenção e combate ao vírus. Entusiasta de um melhor diálogo com os países vizinhos e não negando uma aproximação com o capital chinês, Andrés pretende outorgar um auxílio de até mil dólares para um milhão de famílias buscando retomar o crescimento econômico no Equador.
Entre as outras medidas anunciadas, aparecem: consultar a população sobre a necessidade de nova Assembleia Constituinte, garantir a vacinação de forma segura e eficiente, fazer uma reforma tributária progressiva, bem como criar uma Comissão da Verdade para apurar os casos de violência contra os direitos humanos. Em suma, o candidato correísta pretende reorganizar a capacidade do Estado para cumprir sua função de reativação econômica e produtiva. O desafio é aquecer o mercado de trabalho com políticas, créditos e proteção aos trabalhadores e trabalhadoras informais, que contabilizam mais de 50% da população econômica ativa.
Leia ainda: Chapa apoiada por Correa pode ser impugnada no Equador; movimentos denunciam "farsa"
Conforme divulgado nas últimas pesquisas eleitorais, a direita, por sua vez, aparece na segunda colocação com o nome de Guilhermo Lasso. O empresário de Guayaquil aposta numa plataforma de discurso anticorrupção e de moralidade para chegar ao Palácio de Carondelet. Lasso, apoiado pela fração financeira rentista e pelo Partido Social Cristão, sinaliza para o empreendedorismo e inclusão digital para superar as dificuldades da atual conjuntura equatoriana. No fundo, o candidato liberal aposta numa aliança com Joe Biden para recolocar os Estados Unidos como principal parceiro econômico equatoriano e abrir o caminho para investimentos estadunidenses no país. A disputa entre China e EUA, especialmente na área dos recursos naturais, será fundamental para o desempenho econômico nos próximos anos.
O Banco Central do Equador estima que a queda do PIB fique entre -7.3% e -9.6% no ano de 2020. Além disso, de acordo com as projeções da CEPAL, em 2021, a economia equatoriana crescerá apenas 1,0%. Esse baixo crescimento se deve aos baixos preços do petróleo no mercado internacional e ao histórico quadro de dependência do país caracterizado por uma economia primário-exportadora.
Em terceiro lugar da disputa, com cerca de 10% das intensões de votos, está Yaku Pérez, do Movimento Plurinacional Pachakutik. Pérez conta com o apoio da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), entidade que participou dos levantes populares, em outubro de 2019, contra o pacote de medidas de austeridade que retirava, entre outros direitos, os subsídios dos combustíveis. Naquele momento, a CONAIE rompeu formalmente com o governo de Lenín Moreno por considerar que seu governo retomava uma agenda neoliberal semelhante aos dos governos que foram destituídos na virada do milênio. Entre 1996 e 2006, diversos presidentes da República passaram pelo cargo, não concluindo seus mandatos em virtude de fortes crises político-econômicas que culminaram na dolarização. O candidato de origem indígena, defendendo um programa de governo em prol da natureza, acusa tanto os correístas, assim como a direita de adotarem políticas extrativistas corruptas que prejudicaram os cidadãos e o meio ambiente nos últimos anos.
Leia também: “Prisão de Assange é vingança pessoal do presidente equatoriano”, diz Rafael Correa
Por fim, outras forças políticas também estão no pleito com menores chances de ir ao segundo turno. Entre esses candidatos estão o ex-presidente e coronel Lúcio Gutiérrez (Partido Sociedade Patriótica), que foi eleito com o apoio da CONAIE em 2002 e rapidamente foi deposto por fortes protestos urbanos, após um nítido movimento de estelionato eleitoral de aproximação com os Estados Unidos; o ex-presidente do Sporting Club Barcelona de Guayaquil, Isidro Romero (Partido Avanza); o candidato evangélico de direita, Gerson Almeida (Ecuatoriano Unido); e o artista e ex-ministro da Cultura e Patrimônio do Equador durante o governo de Lenín Moreno, Juan Fernando Velasco (Movimiento Construye).
Ao todo são dezesseis candidatos concorrendo à presidência do país que conta com uma rica e resplandecente biodiversidade. Tudo indica que a eleição ficará para o segundo turno, onde as coalizões políticas devem apontar com maior clareza o desfecho da política equatoriana. Correístas e anticorreístas devem polarizar o pleito.
Na América do Sul, além do Chile, o país é o único que não faz fronteira com o território brasileiro. De toda forma, uma possível eleição de Andrés Arauz pode fortalecer um campo democrático e popular de esquerda, isolando ainda mais o bolsonarismo no continente. Que a votação possa ocorrer em segurança e democracia para a retomada de um caminho de integração na região.
*Gustavo Menon é pós-doutorando em Direitos Humanos na Universidade de Salamanca (Espanha) e doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (PROLAM-USP). Docente no Centro Universitário SENAC – Santo Amaro. Pesquisador do Núcleo de Estudos de Ideologias e Lutas Sociais – NEILS-PUC/SP.
Edição: Rogério Jordão