O Conselho Superior do Ministério Público, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, repreenderam esta semana o procurador-geral da República, Augusto Aras, por divulgar uma nota afirmando que “o estado de calamidade pública é a antessala do estado de defesa.”
A declaração da última terça (19), entendida como uma ameaça e um sintoma do isolamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), não foi a primeira vez em que Aras flertou com práticas antidemocráticas ou foi criticado por posturas autoritárias.
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O estado de defesa está previsto no artigo 136 da Constituição Federal e pode ser decretado pelo presidente "para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza".
O artigo permite restrições aos direitos de reunião, ainda que exercida no seio das associações, sigilo de correspondência e sigilo de comunicação telegráfica e telefônica. O tempo de duração do estado de defesa não pode ser superior a 30 dias, podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação.
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O Brasil de Fato reuniu outras cinco situações em que o procurador-geral foi acusado de agir de forma autoritária ou compactuar com práticas antidemocráticas do governo Bolsonaro. Relembre:
Dossiê
Em agosto de 2020, após uma reportagem do portal UOL revelar um dossiê de monitoramento sigiloso produzido pelo Ministério da Justiça contra 579 servidores federais e estaduais e professores "antifascistas", Augusto Aras banalizou aquele processo, típico das ditaduras.
O procurador-geral se referiu ao caso como "alarme falso" e "exagero", minimizando a gravidade da situação.
Remoção de Deborah Duprat
Mais de 170 organizações sociais e redes manifestaram rechaço a uma manobra de Aras, no final de 2019, para remover a procuradora Deborah Duprat do cargo de vice-presidenta do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).
Sem aviso, Duprat, que se opôs a medidas como a liberação do porte de armas, a nomeação de militares para a Comissão de Anistia e a ordem para comemorar o aniversário do golpe de 1964 nos quartéis, foi substituída pelo procurador e militante bolsonarista Ailton Benedito.
Escola do MP
Há cerca de um ano, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) questionava no Supremo as mudanças no estatuto da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) introduzidas por Aras.
O procurador-geral ignorou normas internas e interrompeu os mandatos em exercício de 16 conselheiros e coordenadores da ESMPU.
A interferência foi vista como uma tentativa de aparelhamento da escola, responsável pela profissionalização de procuradores e servidores do Ministério Público da União.
"Comoção social"
A ameaça do estado de defesa, nesta semana, parece ser a continuidade de uma nota pública assinada por Aras em 1º de junho do ano passado. Naquele texto, o procurador dizia rejeitar “a intolerância, especialmente as fake news que criam estados artificiais de animosidade entre as pessoas, causando comoção social em meio a uma calamidade pública, com riscos de trágicas consequências sociais para o povo.”
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Houve quem, já naquela época, interpretasse essas palavras como ameaça. Segundo o artigo 137 da Constituição, o estado de sítio pode ser decretado pelo presidente, desde que autorizado pelo Congresso, caso haja “comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa.”
Garantismo quando convém
Independentemente das violações e ilegalidades cometidas pela Lava Jato, Aras já foi criticado por assumir uma postura autoritária contra os procuradores que defendem a continuidade da operação – acompanhando a mudança de postura de Bolsonaro em relação ao tema.
Quando se trata de um adversário político do presidente da República, o posicionamento é menos "garantista". No caso do impeachment do ex-bolsonarista Wilson Witzel (PSC), no Rio de Janeiro, por exemplo, sem as devidas garantias constitucionais, o procurador-geral lavou as mãos. Em seguida, disse que era "inviável" reverter seu afastamento no STF, e que seria "imprescindível" mantê-lo fora do governo.
Edição: Rogério Jordão