Carta ao Supremo

"Estado de defesa": ABJD reage à nota de Aras e alerta para ameaça à democracia

Em carta aberta enviada ao STF, juristas pela democracia demonstram "profunda inquietação" com posicionamento da PGR

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Augusto Aras, procurador-geral da República, que insinuou em nota que o presidente Bolsonaro poderia decretar "estado de defesa", o que levaria à supressão de direitos e garantias fundamentais no país - Marcello Camargo/Agência Brasil

A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) reagiu à nota divulgada na última terça-feira (19) por Augusto Aras, procurador-geral da República. No texto, o chefe do Ministério Público Federal (MPF) afirma que o estado de calamidade, decretado no país para enfrentamento da covid-19, é “a antessala do estado de defesa” – medida que daria superpoderes ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Em carta ao Supremo Tribunal Federal (STF), enviada na quarta (20), na sequência da manifestação de Aras, a ABJD alerta que essa sinalização é uma ameaça à democracia no país.

Outro aspecto da nota de Aras que foi criticado pela ABJD foi a mensagem de que eventuais ilícitos que impliquem responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos poderes da República são da competência do Poder Legislativo. "É de conhecimento geral a enorme quantidade de representações contra o presidente Jair Bolsonaro por crimes comuns durante a pandemia, e é exasperante constatar que todas tenham sido arquivadas pelo Procurador-Geral, inclusive aquelas de iniciativa de seus próprios pares", ressalta a carta.

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Ao final, os juristas pela democracia pedem que o STF se manifeste sobre o caso, dado seu "papel fundamental" para frear os ímpetos antidemocráticos do atual governo.

Um dos ministro do Supremo, Marco Aurélio Mello, já se posicionou sobre as declarações de Aras. Ele disse que a medida "extremada" não se "coaduna com ares democráticos". O Conselho Superior do Ministério Público também rechaçou a nota do procurador-geral da República.

Augusto Aras ocupa o cargo desde setembro de 2019, nomeado por Bolsonaro.

O estado de defesa está previsto no artigo 136 da Constituição Federal e pode ser decretado pelo presidente "para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza". 

O artigo permite restrições aos direitos de reunião, ainda que exercida no seio das associações, sigilo de correspondência e sigilo de comunicação telegráfica e telefônica. O tempo de duração do estado de defesa não pode ser superior a 30 dias, podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação.

Confira, na íntegra, a carta da ABJD:

"Senhores ministros,

A Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia - ABJD, entidade constituída com o fim último de defender a democracia e os direitos fundamentais, se dirige a Vossas Excelências para demonstrar profunda inquietação com o conteúdo da nota divulgada, no dia de ontem (19/01/21), pelo Procurador-Geral da República, senhor Augusto Aras, a respeito da atual crise política nacional.

Nossa inquietação decorre, em primeiro lugar, do fato de o Sr. Aras afirmar que o estado de calamidade pública, decretado em razão da pandemia, seria a "antessala do estado de defesa". Ao destacar esta extrema situação, que vislumbra a supressão de direitos e garantias fundamentais, o Procurador-Geral da República sinaliza como viável a senda do agravamento das condições de autoritarismo já bastante avançada com a concentração de poderes nas mãos do Presidente da República.

Em segundo lugar nos preocupa a isenção de responsabilidade do próprio Procurador e das funções constitucionais da PGR quando afirma que eventuais ilícitos que impliquem responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos poderes da República são da competência do Legislativo. É de conhecimento geral a enorme quantidade de representações contra o presidente Jair Bolsonaro por crimes comuns durante a pandemia, e é exasperante constatar que todas tenham sido arquivadas pelo Procurador-Geral, inclusive aquelas de iniciativa de seus próprios pares.

Desde que assumiu o poder, Jair Bolsonaro atenta contra a Constituição Federal em atos e verbos, atingindo de inúmeras formas o elenco de crimes de responsabilidade, conforme fundamentado em mais de 60 pedidos de impeachment clamados por diversos setores da sociedade civil.

Diante do agravamento político generalizado, é imperativo que as instituições republicanas possam funcionar com integridade e autonomia para frear os ímpetos do dirigente em funções diante de tanto descontrole democrático, o que já é de conhecimento internacional. E essa Suprema Corte tem exercido papel fundamental nessa tarefa.

Senhores ministros, não estamos em tempos fáceis para a defesa da democracia em nosso país. As instituições, assim como a imprensa, estão diuturnamente sendo atacadas, vilipendiadas. Uma manifestação da mais alta autoridade do Ministério Público com teor que suscita receio de apoio a medidas estranhas ao processo democrático é objeto de extrema preocupação e merece, a nosso sentir, manifestação dessa Suprema Corte.

É o que espera a sociedade brasileira".

Edição: Rogério Jordão