O isolamento internacional do presidente Jair Bolsonaro ganhou novos contornos essa semana, com a formalização, por parte Procuradoria do Tribunal Penal Internacional (TPI), de uma investigação inicial contra denúncias de graves violações contra o meio ambiente e os povos indígenas no Brasil. A ação foi levada ao órgão estabelecido em Haia, na Holanda, pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) e pela Comissão Arns, em novembro de 2019.
É a primeira vez em que o escritório da procuradora-chefe do tribunal se dispõe a realizar uma análise preliminar da jurisdição em relação a um presidente da República brasileiro.
Na ação, de mais de 70 páginas, as entidades sistematizam uma série de ações, pronunciamentos e omissões de Bolsonaro nas políticas indigenista e ambiental, que levaram o país a bater novos recordes de desmatamento no ano passado e à ampliação das ameaças contra povos originários, especialmente em comunidades de indígenas isolados na Amazônia.
São denúncias de fatos que estão sendo cometidos e noticiados.
"A comunidade internacional, mais um vez, mostra o isolamento de um governo que viola todas regras em relação a esta questão tão sensível para nós, que é a dos povos indígenas, chegando a dizer que não vai demarcar mais nada, que tem terras demarcadas demais. E tem gente morrendo nas mãos de madeireiros, de mineradores, de fazendeiros que invadem as terras. E eles recebem esse sinal, quando o presidente fala", afirma Belisário dos Santos Júnior, advogado membro fundador da Comissão Arns.
"As nossas denúncias não são políticas, elas são denúncias de fatos que estão sendo cometidos e noticiados. Podemos perder comunidades inteiras, por isso falamos em incentivo ao genocídio. Não podemos deixar que isso aconteça", acrescentou.
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A análise de jurisdição é a primeira fase para que uma investigação seja instaurada no Tribunal de Haia. A procuradoria vai avaliar se as denúncias competem à corte internacional.
O Tribunal Penal Internacional (TPI) investiga e julga indivíduos acusados de crimes que atingem uma sociedade e chocam a comunidade internacional, tais como: genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crime de agressão.
O Tribunal foi estabelecido pelo Estatuto de Roma, em julho de 1998, e entrou em vigor em julho de 2002, quando se chegou a adesão de 60 países. O Estatuto de Roma é um tratado internacional, obrigatório somente aos Estados que expressaram formalmente seu consentimento, como é o caso do Brasil.
"Derrota política"
"O fato do Tribunal Internacional estar analisando [este caso] significa uma grande derrota política e diplomática e um desgaste ainda maior do Brasil na esfera internacional. O Brasil é um país gozava de muita credibilidade, desde os governos Fernando Henrique, mas sobretudo nos governos Lula e Dilma. Passou a figurar entre as principais potências nos espaços multilaterais, e agora vem perdendo muita força", analisa Darci Frigo, vice-presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).
Frigo representa no conselho a Plataforma Dhesca Brasil, rede integrada por 40 organizações da sociedade civil brasileira que desenvolve ações de promoção e defesa dos direitos humanos.
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Em um dos trechos da denúncia apresentada ao Tribunal de Haia, o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) e a Comissão Arns argumentam que postura do presidente em desumanizar e veicular um discurso de ódio contra indígenas está associada a medidas práticas tomadas pelo governo.
"As declarações do presidente Jair Messias Bolsonaro devem suscitar profunda preocupação, pois é improvável que o genocídio ocorra sem ser precedido por um discurso de desumanização. Mas o risco de genocídio não está enraizado apenas no discurso: desmantelamento ambiental políticas e estruturas de supervisão e controle também permitiram um aumento da violência em toda a floresta, com líderes indígenas sendo assassinados, impactando diretamente o sobrevivência desses grupos a longo prazo."
No caso dos índios isolados, por exemplo, a petição destaca que, durante nove meses, o governo manteve à frente da coordenação-geral que cuida desses povos, na Fundação Nacional do Índio (Funai), o pastor e ex-missionário evangélico Ricardo Lopes Dias. Ele foi exonerado do cargo no final do mês passado.
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"São nomeações de pessoas completamente despreparadas para cargos importantes. São pronunciamentos dizendo que os povos indígenas não merecem a proteção que têm, que não vai haver mais demarcação. Ele [Bolsonaro] reverteu a política indigenista que era um dos orgulhos brasileiros", afirma Belisário.
Edição: Rodrigo Chagas