A 15 km da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), a população de Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto, vive com medo e ansiedade pelo risco de rompimento da Barragem Doutor, que pertence a Vale.
Lucilene Santos Matias mora na Rua Projetada 10, a nove metros do local onde a mineradora afirma que chegará o rejeito. A moradora chegou a ser cadastrada pela Defesa Civil, mas até agora não foi removida.
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"A Vale vem e fala que a gente não está em risco. A Defesa Civil já voltou falando que a gente está em risco. Então a vida da gente parou, os minutos são poucos se soar a sirene de hoje para amanhã. Uma sirene que a gente não tem e que não escuta", afirma.
E completa: “Como que eu tenho sossego, como que eu tenho paz, sabendo que a lama vai parar ali. Quem me garante? Quem é a Vale?".
No dia primeiro de abril de 2020, a estrutura da Vale entrou no nível dois de emergência dentro do Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM), protocolado junto à Defesa Civil. A medida exigiu a evacuação forçada de 73 famílias que residiam dentro da Zona de Auto Salvamento (ZAS), a uma distância de até 10 km da barragem. .
Em agosto, uma nova região foi apresentada pela mineradora, ampliando para 148 o número de moradias ameaçadas em caso de rompimento. Hoje, no entanto, há famílias que permanecem dentro da ZAS.
É o caso de Paulo Henrique Soares, operador de máquinas em uma empresa que presta serviço à Vale. Ele permanece no terreno que herdou da família.
"Todo mundo aqui é criado junto. Agora todos os vizinhos saíram, então ela [Vale] só veio para destruir mesmo. Ela não tá se importando muito com ninguém não. Nem aqui eles vieram para ver a situação da minha família", desabafa Paulo.
A situação, que vem sendo acompanhada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), é agravada com a desvalorização dos imóveis e a diminuição do comércio na comunidade, onde vivem cerca de 5 mil habitantes. Hoje, as ações emergenciais por parte da Vale, como o auxílio financeiro, é destinado somente às famílias que foram evacuadas.
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"Meu esposo no momento está desempregado. Ele é pedreiro e vive de serviços de rua. Com esse negócio da barragem caiu muito. As pessoas estão com medo de reformar a casa, com medo de construir", lamenta Lucilene.
Esvaziamento da Barragem Doutor
A Barragem Doutor pertence à Mina de Timbopeba, localizada no município de Ouro Preto, e tem três vezes o volume de rejeitos de mineração que a Barragem I da Mina do Feijão, que se rompeu em Brumadinho.
Em agosto de 2019, a Agência Nacional de Mineração (ANM) identificou que a estrutura foi construída pelo método de alteamento a montante, no qual se constroem degraus com o próprio material de rejeito, é o mais simples e também o menos seguro, e, portanto, a Vale seria obrigada a fazer o descomissionamento, ou seja, tomar todas as providências necessárias para a desativação de uma instalação da barragem.
As obras para o esvaziamento da barragem iniciaram em maio e tem prazo de oito anos para conclusão do processo.
"Medo a gente não tinha. Mas, no caso que eles vão mexer com ela [barragem]. Então a população agora fica com medo, ainda mais com essa chuva que vem caindo aí. Eles vão mexer com o bicho adormecido", relata Robson.
Risco iminente
Além da Barragem Doutor, outras três estruturas da Vale em Minas Gerais estão em nível dois de emergência. No nível três, o alerta máximo e que significa risco iminente de ruptura, são outras quatro barragens no estado: Forquilha I e Forquilha III, em Ouro Preto; B3/B4, em Nova Lima; e Sul Superior, em Barão de Cocais.
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Ao todo, cerca de 450 famílias já foram evacuadas de seus lares e vivem hoje em casas de parentes ou em imóveis alugados pela mineradora.
“A gente vê a olho nu aqui várias rachaduras ali no pé da barragem, tem água que vaza sempre ali. Mas eles [Vale] falam pra gente que não tem risco e para não ficar com medo, mas não tem como a gente não ficar preocupado. Eu moro de frente pra ela, se estourar vai causar um dano aqui sim. Vai prejudicar a mim, minha família, meu filho", denuncia o morador.
Outro lado
Em nota enviada à reportagem, a Vale afirma que caminha para concluir as remoções das famílias residentes nas comunidades de Antônio Pereira, em Ouro Preto. Até o momento 62 famílias foram realocadas e outras seis estão em processo de escolha de suas moradias.
Segundo a mineradora, a Defesa Civil conduziu a realocação de forma planejada e cuidadosa, com apoio da empresa, e cumprindo todos os protocolos de segurança diante da pandemia da covid-19. A empresa garante também que as famílias recebem assistência integral, incluindo atendimento psicossocial.
A Vale não se pronunciou sobre a situação e como pretende garantir assistência às famílias que permanecem nas comunidades.
Quanto às obras de descomissionamento, a Vale ressalta que vem realizando ações contínuas para reforçar a segurança da Barragem e que "não houve alteração nos dados técnicos da estrutura e nenhum incremento de risco".
O Brasil de Fato procurou a Defesa Civil do estado de Minas Gerais, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.
Edição: Marina Duarte de Souza