NÃO PODE DISCORDAR

Perseguição política gera exoneração de professora em universidade de Roraima

Além da exoneração de Maria Rizzatti, seis professores estão proibidos de entrar no campus em que trabalham

Brasil de Fato | São Paulo (SP) e Boa Vista (RR) |

Ouça o áudio:

Professora Ivanise Rizzatti foi exonerada durante a pandemia - Reprodução

Uma professora da Universidade Estadual de Roraima (UERR) foi exonerada do cargo que ocupava há dez anos por perseguição política do reitor Regys Odlare Lima de Freitas, cunhado de Jalser Renier, atual presidente da Assembleia Legislativa de Roraima (ALERR). A denúncia foi feita por professores, estudantes e funcionários da instituição. 

Continua após publicidade

Ivanise Maria Rizzatti, professora doutora nível IV da UERR e Coordenadora Adjunta dos Programas Profissionais da Área de Pós-Graduação em Ensino na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), foi responsabilizada por uma perda financeira de mais de R$ 60 mil. 

Após a exoneração, no dia 11 de setembro, um protesto em defesa da professora foi realizado dentro da universidade. Três dias depois, seis professores tiveram a entrada e a circulação proibida no campus Canarinho da UERR. Os professores com acesso vetado são: Maria José dos Santos (História); Rita de Cassia Ferreira (Enfermagem); Flávia Antunes (Biologia); Régia Chacon Pessoa (Química); Elaine Cristina Morari (Biologia) e Manoel Ribeiro Lobo Junior (História).

Maria José dos Santos, uma das docentes proibidas de entrar no campus, é professora do curso de História da UERR há 14 anos e vice-presidenta do Sindicato dos Docentes da UERR. Ela avalia que a gestão atual não compreende que a universidade é um espaço de formação crítica, do debate e do contraditório.

Leia tambémReitor imposto por Bolsonaro é acusado de perseguição política na Federal do Ceará

"O papel da luta sindical no mundo inteiro historicamente é lutar pela sua base, pelos direitos de seus filiados. Quando o sindicato chamou uma manifestação de solidariedade à uma afiliada que havia sido demitida, ele tá cumprindo seu papel que é de defender a sua base sindical, que é de defender os direitos dos seus filiados", explica. 

A vice-presidenta do sindicato fez parte do primeiro concurso público da universidade e ajudou a formar as primeiras comissões para montar os cursos da instituição de ensino. "Eu me sinto constrangida de ter sido proibida de entrar no meu local de trabalho, numa instituição que eu ajudei a construir. Atualmente nós estamos vendo que estão tomando medidas que não respeitam as instâncias da universidade", desabafa. 

Em 2015, Regys Freitas gerou confusão na instituição quando barrou a candidatura do outro candidato, o professor Elialdo Rodrigues de Oliveira, oposição à sua gestão, passando assim a ser o único candidato apto para o pleito. Rizzatti fazia parte da chapa impedida de participar do processo de eleição da reitoria. A partir daí surgiram diversas denúncias sobre perseguições fortes contra estudantes e nos últimos meses perseguições contra docentes através de Processos Administrativos Disciplinares (PAD). 

Uma professora, que pediu para não ser identificada, diz que há muitas situações de opressão sendo vividas pelos docentes dentro da instituição. "Está bem difícil o ambiente de trabalho. São retaliações, pressões que acontecem pela via institucional burocrática, através de resoluções que impõem trabalho acelerado, aligeiramento do calendário do ensino remoto - que foi aprovado sem qualquer discussão no Conselho Universitário. Então são questões que acontecem de forma velada e aí quando a gente tem a possibilidade de reclamar, de fazer qualquer manifestação, a gente acaba sendo punido", explica. 

O presidente do Sindicato dos Docentes da UERR, professor Manoel Lobo, classifica a gestão de Regys Freitas como extremamente arbitrária e autoritária. Ele explica que o sindicato tem buscado diálogo, mas que o reitor não se coloca à disposição. Desde que se tornou presidente do sindicato, sente que é tratado como inimigo da instituição. "Não há uma aceitação de diálogo. Se fosse avaliar de 0 a 10 a atual gestão, a gente daria um 3 porque é uma gestão preocupante pela questão antidemocrática", explica. 

"Hoje, não concordar com as atitudes da gestão já leva a um processo administrativo. Então tem vários colegas que estão respondendo PAD, técnicos, professores e inclusive estudantes. Temos um aluno nosso que falou no Congresso da União Nacional dos Estudantes (CONUNE), questionou a gestão da reitoria, ele tá sofrendo com um PAD. Isso é totalmente arbitrário", completa o presidente do sindicato.  

Entenda o caso

Em 2012, Rizzati ocupava o cargo de pró-reitora de Pesquisa da UERR quando o colegiado do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências aprovou um projeto no Programa Pró-Equipamentos, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), para a compra de microscópios e lupas.

Rizzatti, como demandava o cargo de pró-reitora, auxiliou os setores responsáveis pela compra a fazerem cotações de preços entre as empresas. Os materiais comprados foram utilizados pelo mestrado e pelas graduações em Agronomia, Ciências Biológicas, Ciências da Natureza, Enfermagem, Engenharia Florestal, Química, entre outros.  

A verba destinada para as compras desses equipamentos ficou sob responsabilidade do Setor de Convênios da universidade e era acompanhada pelo Sistema Nacional de Convênios (SICONV). No processo de compra, o setor deixou de inserir as alterações do Plano de Trabalho, o que incorreu na restituição de valores financeiros pela UERR para a CAPES.

A Professora doutora foi a única responsabilizada pela perda financeira de R$ 62,3 mil da instituição e acabou exonerada da universidade onde ocupava o cargo efetivo desde 2010. 

Um manifesto lançado em defesa da professora diz que a exoneração foi motivada por perseguição política. 

“A professora Ivanise está sofrendo um processo administrativo repleto de irregularidades, com dificuldade de acesso a informações e tratamento desigual. O processo foi instaurado em meio ao processo eleitoral para a reitoria da instituição, em setembro de 2019, e vem se desenvolvendo com celeridade, mesmo diante do contexto da pandemia da covid-19. Este é um momento no qual diversos órgãos judiciários e administrativos de Roraima suspenderam a contagem de prazos, o que chama a atenção para o tratamento diferente dado a seu PAD”, cita um trecho do manifesto.

"[Ela] não tinha nenhum contato com as operações financeiras que envolveram a compra do material ou acesso às alterações que deveriam ter sido realizadas no âmbito do SICONV", explica o texto. 

Segundo o documento, o processo não mostra qual foi o ato administrativo irregular da professora e ocorreu à revelia da orientação do Governo do Estado de suspender os prazos dos processos. 

Procurada pelo Brasil de Fato, a Universidade Estadual de Roraima não se manifestou sobre o caso. 

 

Edição: Rebeca Cavalcante