Pacaraima, Roraima

Pobreza faz disparar a violência em região da fronteira do Brasil com a Venezuela

Falta de políticas públicas, aumento do desemprego e preconceito também contribuem

Brasil de Fato | Salvador (BA) |

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A população de Paracaima quase quadruplicou nos últimos anos
A população de Paracaima quase quadruplicou nos últimos anos - Sebastián Soto/Brasil de Fato/Arquivo

A cada dia cresce mais o número de relatos de moradores de Pacaraima sobre a violência na cidade a 214 km de Boa Vista (RR), que faz divisa com a Venezuela. Furtos e roubos se tornaram frequentes e a situação revela como o aumento da pobreza está diretamente ligado com o aumento da violência. 

A outrora pequena Pacaraima, que segundo o Censo de 2010 tinha 4514 habitantes, tem hoje quase quatro vezes mais. O aumento se deve a migração venezuelana registrada nos últimos 5 anos. Com o aumento de moradores e o não-investimento dos governos municipal, estadual e federal na região, a pobreza se tornou realidade visível nas ruas de Pacaraima. 

A crise econômica aprofundada pelo bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos desde 2015 à Venezuela, assim como a crise do mercado petroleiro, foram os principais fatores que levaram à precarização da vida da população do país vizinho. 

:: Como o bloqueio imposto pelos Estados Unidos afeta a vida dos venezuelanos ::

Segundo dados do Atlas da Violência, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram cometidos 158 homicídios em Roraima em 2014. Já em 2017, dois anos após o bloqueio americano, o número subiu para 248. 

Em 2014, 47 pessoas foram mortas por arma de fogo em Roraima. Já em 2017 quase o dobro, 93. Os últimos dados divulgados pelo Atlas da Violência em relação a estupros é de 2016. Em 2014 foram registrados 128 casos, em 2015 um pequena queda, e um aumento em 2016, com 156 casos registrados no estado. 

Os números não param de crescer. Se em 2018, houve 57.956 homicídios no Brasil, o menor nível desde 2015 e em quase todos os estados houve queda nas taxas de homicídios por 100 mil habitantes em comparação com 2017, Roraima foi uma exceção (alta de 51,3%), ao lado de Amapá (7%) e Tocantins (2%).

Para a socióloga e cientista da religião Tainah Biela Dias, não há como falar de violência sem falar sobre aumento da pobreza.  “Vemos no Brasil atual um desmonte geral de políticas públicas e um aumento da pobreza intensificado também por uma gestão praticamente inexistente da pandemia da Covid-19. O aumento da pobreza, e isso já está mais do que debatido, tem como consequência o agravamento da violência, e isso recai ainda mais fortemente sobre populações que são vítimas de preconceito, como é o caso dos imigrantes, alimentando uma lógica que estabelece ‘culpados’ pela situação de precarização generalizada”, explica. 

:: Refugiados sofrem com ausência de políticas e despejos durante pandemia ::

Para ela, os imigrantes em Roraima sofrem com diversos fatores, entre eles a cultura do “você está ocupando um lugar que é meu”.  

“Existem debates e pesquisas que mostram como o aumento da violência contra populações em diáspora — ou seja, separadas de seu território de origem por razão política, religiosa, preconceituosa — está diretamente relacionadas à ascensão de governos de extrema direita, e não só no Brasil, como por exemplo as políticas anti-imigração do governo Trump e o crescimento de milícias civis armadas nos EUA. A ideia que direciona esses conflitos tem a ver com a consolidação de uma identidade nacional que se estabelece através da rotulação negativa daquelas pessoas que são entendidas como ‘de fora’, explica Dias. 

“No caso do Brasil não é diferente, apesar de o país ter suas questões específicas. Nesse caso, a oposição explícita do governo Jair Bolsonaro com relação ao regime Maduro gera, por si só, um senso comum preconceituoso contra a população venezuelana. O governo Bolsonaro produz continuamente discursos que estabelecem a separação ‘nós’ x ‘eles’, uma hipervalorização da identidade nacional brasileira em prejuízo da desumanização do ‘outro’, reproduzindo mecanismos xenofóbicos e racistas que tratam algumas vidas como menos dignas ou, de fato, sem dignidade alguma."

"É também importante dizer que a lógica dos discursos do presidente somente considera como brasileiro quem apoia o governo de forma incondicional, vide seus comentários sobre os "comunistas" no período eleitoral e posteriormente também, com ameaças à imprensa”, completa a socióloga. 

Segundo Rommulo Cesar Teixeira Saraiva, Secretário Adjunto da Secretaria de Estado da Segurança Pública de Roraima, a localização geográfica de fronteira com a Venezuela facilita a existência de crimes transnacionais, com interesses das organizações criminosas locais e internacionais. Ele afirma que foi necessário acionar outras organizações para dar conta da nova demanda que o estado de Roraima está tendo por conta dos imigrantes.

"Houve mudanças de impactos sociais, como exemplo o modus vivendi da sociedade e a evidente característica de multiculturalidade no contexto urbano, o aumento do desemprego, e aumento do acesso aos atendimentos na rede pública, como atendimentos na saúde, nas escolas públicas, e demais órgão que prestam atendimento à sociedade." 

"Quanto à implementação de políticas públicas, o atendimento da triagem junto aos estrangeiros se inicia com a operação Acolhida, por uma equipe multidisciplinar. Na área da Segurança Pública, especificamente, houve intervenção federal com Força Nacional e patrulhamento ostensivo, e intervenção de agentes penitenciários federais através da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP)."

"Em 2019 foram dadas continuidade às ações articuladas entre os órgãos de segurança de forma integrada, o que levou a redução dos dados de homicídio. Neste, além da FTIP atuou também a força tarefa denominada Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO), composta por policiais civis, militares e policiais federais", explica o secretário.

Em fevereiro deste ano, 2020, a bancada de Roraima no Senado cobrou, em sessão plenária, providências do governo federal no controle da violência e dos conflitos causados pela entrada de imigrantes venezuelanos no estado, pelo município de Pacaraima, que faz fronteira com a Venezuela. Os senadores Chico Rodrigues (DEM-RR), Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e Telmário Mota (Pros-RR) criticaram a Lei de Migração (Lei 13.445, de 2017) e pediram atenção à cidade, que não possui estrutura e nem recursos para abrigar os refugiados.

Refugiados

Segundo a Coordenação-Geral do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) até dezembro de 2018, foram recebidas 85.438 solicitações de reconhecimento da condição de refugiado da Venezuela. Dessas, 61.681 foram recebidas apenas em 2018 e 81% das solicitações foram apresentadas no estado de Roraima. Existem hoje cerca de 45 mil venezuelanos no Brasil que solicitaram o pedido de refúgio. Destes, mais de 33 mil residem em Roraima, seguido do Amazonas, com cerca de 8,4 mil pessoas.

Todos os pedidos de refúgio no Brasil são decididos pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e composto por representantes do Ministério da Justiça, do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério do Trabalho, do Ministério da Saúde, do Ministério da Educação, do Departamento de Polícia Federal e de organizações da sociedade civil dedicadas a atividades de assistência, integração local e proteção aos refugiados no Brasil. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e a Defensoria Pública da União (DPU) têm assento no CONARE com direito a voz, porém sem direito a voto.

A pessoa que consegue refúgio no Brasil tem alguns direitos garantidos, entre eles estão a não-devolução ao país de qual foi expulso /fugiu; não-penalização pela entrada irregular; elaboração de documentos de identidade e carteira de trabalho; permissão para trabalhar formalmente; livre trânsito pelo território brasileiro; educação; saúde; não ser discriminado por raça, sexualidade, classe, situação econômica, religião, origem; e pode praticar livremente sua religião. 

Porém muitos imigrantes que recebem o status de refugiados reclamam que após o reconhecimento, nenhuma política de inclusão na sociedade é colocada em prática. Muito moram nas ruas e vivem de doação ou vendas em semáforos. 




 

Edição: Rodrigo Durão Coelho