Autoritarismo

Intervenção na UFRGS: Bolsonaro já ignorou resultado de eleição em 14 instituições

Estudantes e professores têm liderado uma campanha para que o presidente respeite a consulta interna da federal gaúcha

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Estudantes realizaram ato durante parada de semáforo nas proximidades do campus central da UFRGS, em agosto - José Carlos Daves/Divulgaçãointer

No próximo dia 20, encerra-se o mandato do reitor Rui Vicente Oppermann e da vice-reitora, Jane Tutikian, no comando da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o prazo para que o nome do novo reitor da instituição seja publicado no Diário Oficial da União (DOU).

Oppermann e Tutikian encabeçaram a chapa vencedora na consulta interna à comunidade acadêmica, realizada em junho, o que garantiu à dupla o direito de ser indicada em primeiro lugar na lista tríplice encaminhada ao presidente da República, Jair Bolsonaro.

Contudo, há algumas semanas o deputado federal Bibo Nunes (PSL) vem anunciando na imprensa que o nomeado será Carlos André Bulhões Mendes, terceiro colocado na eleição interna e na lista tríplice.

Por lei, é prerrogativa do presidente da República definir os nomeados para o cargo de reitor das universidades federais a partir da lista tríplice encaminhada pelas instituições. Desde o governo Lula, o costume adotado pelo Planalto era indicar o primeiro colocado da lista, mas não é o que tem acontecido durante o governo Bolsonaro.

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Na federal gaúcha, estudantes e professores têm liderado uma campanha para que o presidente respeite a democracia interna da instituição. Contudo, em pelo menos 14 oportunidades desde o início da gestão, o presidente decidiu pela nomeação de um reitor ou diretor de instituições federais de ensino que não encabeçava uma lista tríplice ou sequer constava entre os nomes indicados a partir das consultas internas, o que vem sendo denunciado como uma forma de intervenção para colocar nos cargos apoiadores ou professores ligados a aliados políticos, como seria o caso de Bulhões na UFRGS.

Em junho de 2019, Bolsonaro desconsiderou a lista tríplice para nomear os reitores da Universidade Federal Grande Dourados (UFGD), no Mato Grosso do Sul, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).

Em Dourados, Mirlene Damázio foi nomeada como reitora pro tempore após o Ministério da Educação (MEC) considerar inválida a lista tríplice enviada pela instituição. Apesar da chapa vencedora ainda brigar na Justiça pela nomeação, Damázio continua cumprindo o cargo de reitora.

Em Minas, Luiz Fernando Resende dos Santos Anjo foi nomeado após ter ficado em segundo lugar na consulta interna. E, no Rio de Janeiro, Ricardo Silva Cardoso tomou posse mesmo não tendo participado da consulta à comunidade acadêmica. Contudo, teve o nome indicado em primeiro lugar da lista tríplice após eleição no colégio eleitoral da instituição.

No mês seguinte, foram cinco novas nomeações que descartaram os processos democráticos internos. Fábio Josué Souza dos Santos, que era o terceiro nome da lista tríplice, foi nomeado reitor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB). Janir Alves Soares, que foi o quarto colocado na consulta interna, foi empossado reitor da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Minas Gerais.

Ainda em agosto, Bolsonaro nomeou José Cândido Lustosa Bittencourt de Albuquerque como reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Ludmilla Oliveira como nova reitora da Universidade Federal do Semi-Árido (Ufersa), no Rio Grande do Norte, após ambos terem ficado em terceiro lugar nas disputas internas.

Também nomeou Maurício Aires Vieira como diretor-geral pro tempore do Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (Cefet-RJ), desconsiderando totalmente a consulta interna realizada em abril. Aires, que era assessor do então ministro da Educação Abraham Weintraub, não integrava o quadro funcional da instituição. Em 25 de outubro, ele foi substituído por Marcelo de Sousa Nogueira, que ocupava o cargo de vice-diretor da instituição.

Em 5 de setembro de 2019, Marcelo Recktenvald tomou posse como reitor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) após ter ficado em terceiro lugar na consulta eleitoral à comunidade acadêmica. Segundo reportagem da época do jornal O Globo, Recktenvald era apoiador declarado do presidente Bolsonaro.

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Em março de 2020, o MEC nomeou o pastor evangélico Roque do Nascimento Albuquerque como novo pro tempore reitor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). Criada em 2010, a Unilab está em seu sétimo reitor pro tempore, uma vez que o estatuto da instituição que prevê eleição para reitor pelo Conselho Universitário e composição de lista tríplice ainda não foi aprovado pelo MEC.

Também empossou Paulo Vargas como reitor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Vargas era o segundo colocado na lista tríplice. Neste caso, apesar da lista ter sido desconsiderada, o reitor pertence ao mesmo campo escolhido na disputa interna da instituição, uma vez que o novo reitor era apoiador da primeira colocada no pleito, Ethel Maciel.

Em abril de 2020, Bolsonaro indicou Paulo César Fagundes Neves para assumir o cargo de reitor pro tempore da Universidade do Vale do São Francisco (Univasf), em Pernambuco. Paulo César não havia participado da consulta interna e não constava na lista tríplice. Contudo, o MEC apontou problemas na lista tríplice, uma vez que os três nomes indicados compunham a chapa vencedora no pleito.

No mesmo mês, André Dala Possa foi nomeado como reitor pro tempore do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Diferentemente das universidades federais, não há formação de lista tríplice para o cargo de reitor dos institutos federais, com a presidência nomeando o primeiro colocado.

Contudo, o MEC designou um reitor pro tempore em razão do vencedor da consulta interna, Maurício Gariba Júnior, estar respondendo a processo administrativo disciplinar (PAD) em caráter sigiloso na Corregedoria-Geral da União (CGU). Antes de Dala Possa, que ficou em segundo na eleição interna, Bolsonaro havia nomeado Lucas Dominguini, que não disputara o pleito, mas este comunicou o ministério que não iria assumir o cargo.

Ainda em abril passado, o MEC nomeou Josué de Olveira Moreira como reitor pro tempore do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN). Em maio, a justiça determinou que o vencedor da consulta interna, José Arnóbio de Araújo Filho, fosse nomeado reitor. Ele chegou a ter a nomeação publicada no Diário Oficial, mas esta foi anulada quando decisão judicial que permitiu sua posse foi cassada em segunda instância, o que levou à recondução de Josué Moreira ao cargo. No IFRN, também há uma sindicância aberta contra José Arnóbio.

Em várias dessas ocasiões, o MEC informou que não há hierarquia na lista tríplice enviada ao presidente e que “qualquer um dos três nomes pode ser indicado para o cargo de reitor e vice-reitor”.

Em dezembro de 2019, Bolsonaro editou a Medida Provisória 914/2019, alterando as regras para eleição e nomeação de instituições federais de ensino. A MP explicitava que o presidente poderia escolher qualquer nome da lista tríplice apresentada pela comunidade acadêmica, além de também delimitar que os votos dos professores teriam 70% de peso nas consultas, com servidores efetivos e estudantes tendo 15% cada. Contudo, a MP acabou expirando em junho deste ano após o Congresso sequer estabelecer uma comissão para analisar o seu conteúdo.