O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) enviou uma declaração gravada que será transmitida durante a abertura da 75ª edição da Assembleia Geral das Organização das Nações Unidas (ONU), nesta terça-feira (22). Pela primeira vez na história, o encontro anual de líderes mundiais ocorrerá de forma virtual, por causa da pandemia do novo coronavírus (covid-19). O evento começa a partir das 10 horas, horário de Brasília (DF).
Assim como em 2019, quando discursou pela primeira vez na ONU, Bolsonaro deve falar novamente sobre a Amazônia e as políticas ambientais do seu governo. Apesar do conteúdo do discurso ser mantido sob sigilo, o vice-presidente, Hamilton Mourão, que preside o Conselho da Amazônia, declarou a jornalistas na segunda (21) que a questão ambiental será tema do pronunciamento. “Presidente vai tocar na Amazônia. A princípio vai mostrar aquilo que estamos fazendo. Temos ainda a criação do Conselho [da Amazônia], a criação da operação Verde Brasil 2, um esforço do governo em combater as ilegalidades, o que não é simples, não é fácil e elas continuam a ocorrer, infelizmente”, admitiu.
Desde o ano passado, o Brasil tem sido alvo de críticas internacionais por conta dos incêndios florestais ocorridos na região. Se repetir a mesma tática usada no palanque da ONU, o presidente vai tentar vender aos demais chefes de Estado a imagem de um país em que o desmatamento crescente da Amazônia e, mais recentemente, os incêndios sem precedentes no Pantanal, que já destruíram mais de 3 milhões de hectares, não passam de invenção da mídia nacional e internacional.
Mas números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que este ano já foram identificados 69.527 focos de calor só na Amazônia, 13% a mais do que o registrado em todo o ano passado, que já havia sido o pior resultado em mais de uma década. O maior aumento em 2020 foi observado no Pantanal, onde foram detectados 15.894 focos, número que é mais do que o triplo do balanço de 2019 (5.285). Atualizados todos os dias, os dados do Inpe são públicos e acessíveis a toda a população. A instituição mantém uma plataforma na internet onde é possível acompanhar informações sobre queimadas em todos os biomas, regiões e estados do país.
A situação é tão preocupante que o Brasil tem sofrido uma pressão inédita no cenário internacional. Em junho, por exemplo, fundos internacionais de investidores, que gerenciam ativos de cerca de R$ 21 trilhões de reais, cobraram ação mais efetiva do Brasil na área ambiental. Uma carta aberta foi enviada à embaixadas do Brasil em pelo menos três continentes e Mourão realizou reuniões com empresários para se explicar. Alguns países europeus, como Áustria e Holanda, já aprovaram moções para não ratificar o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, assinado no ano passado, e que depende de confirmação unânime de todos as nações integrantes dos dois blocos.
No episódio mais recente, uma aliança histórica entre mais de 230 instituições, incluindo grandes empresas do agronegócio e organizações não-governamentais (ONGs) ligadas à questão ambiental, chegou a propor ao governo federal, na semana passada, uma série de ações para conter o desflorestamento na Amazônia.
Para o jornalista Gilberto Maringoni, professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo, Bolsonaro deve manter sua estratégia de se defender atacando.
"Ele é completamente imprevisível e alucinado. A imprevisibilidade é uma maneira de ele atacar. O que vai tentar fazer é não ficar na defensiva e fazer um discurso acusando os países ricos. É um discurso frágil, qualquer um vê o que está acontecendo na Amazônia, as queimadas no Pantanal, mas ele insistirá na postura negacionista", diz.
A assembleia virtual também deve amenizar a tensão geopolítica que normalmente toma conta da ONU nesse período. "Não tem manifestação, nenhuma delegação se retirar de plenário durante o discurso dele, que foi gravado do conforto do Palácio do Planalto", aponta Maringoni.
Sobre o perigo de o Brasil começar a sofrer sanções comerciais decorrentes da atuação ambiental irresponsável do presidente, o professor da UFABC é um pouco mais cético. "O comércio internacional se rege pela praticidade. Se um país como a China encontrar um fornecedor de carne e soja, que forneça com qualidade semelhante, preços competitivos e de forma constante, o Brasil estaria mais seriamente ameaçado, mas esse cenário ainda não se configura. Além disso, o dólar alto favorece demais as exportações brasileiras", analisa Maringoni.
Pandemia no Brasil
Outro ponto a ser abordado no discurso de Bolsonaro será a pandemia da covid-19. O presidente deve reiterar sua posição de que as consequências econômicas da crise devem ser tratadas com a mesma prioridade que as questões de saúde. Com o registro de mais de 4,5 milhões de casos e 137,2 mil óbitos, o Brasil ocupa o terceiro lugar em número de infecções e o segundo em mortes, segundo painel de dados mantido pela Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos. Além disso, sob a liderança de Bolsonaro, o Brasil foi um dos países que menos seguiu as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para conter o avanço da pandemia.
Edição: Rodrigo Durão Coelho