A pandemia do novo coronavírus voltou a ser tema do Grupo de Puebla, articulação política regional que reúne importantes lideranças progressistas da América Latina.
No 5º encontro do fórum, realizado virtualmente na última sexta-feira (15), os participantes discutiram os desafios frente à atual crise sanitária e econômica que os países da região enfrentam e a criação de uma agenda comum para enfrentar o atual período e suas consequências.
:: Coronavírus na América Latina: saiba como está a situação de cada país ::
Participaram da reunião o presidente argentino Alberto Fernández (Frente de Todos), os ex-presidentes brasileiros, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Roussef (PT), além de Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai pela Frente Ampla e Evo Morales, líder do Movimento ao Socialismo (MAS) e e ex-presidente da Bolívia, destituído em um golpe de Estado em novembro do ano passado.
A declaração do encontro, divulgada nesse domingo (17), intitulada "A união é a mudança: paz, economia e pandemia", expõe a síntese da reunião que durou cerca de três horas.
No documento, os participantes defendem a retomada de uma agenda de fortalecimento do Estado para enfrentar o cenário do novo coronavírus e a recessão econômica na América Latina.
A análise parte dos dados da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), que prevê que neste ano a região "sofrerá uma queda de 5,3% do PIB, uma contração do emprego de cerca de 3,5% e um aumento da pobreza de 4 pontos e meio, bem como da miséria em pouco mais de 2 pontos". Segundo os articuladores do grupo, esses dados são "uma marca cruel e inédita na história latino-americana", que "levará 270 milhões de pessoas à pobreza e cerca de 80 milhões à miséria".
"Consideramos que, em função desse panorama desalentador, deverão ser implementados instrumentos de política social e econômica dos quais a região tinha se afastado nos últimos anos, devido à preponderância de modelos neoliberais que delegaram a distribuição de bens básicos ao mercado, minimizando o protagonismo do Estado que, no meio da crise sanitária, demonstrou amplamente o quanto é necessário", explicita a nota.
A reunião virtual também contou com a participação do Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, que recomendou diversas medidas econômicas para a América Latina, entre elas, a integração regional, afetada pela fragilização do Mercosul e pelo isolamento e perseguição aos governos progressistas.
Nesse sentido, a nota do Grupo Puebla reforça a importância da unidade dos setores progressistas da região no enfrentamento à crise.
"Reconhecemos que a unidade é o caminho. O progressismo latino-americano não pode se dar ao luxo de se enfrentar. Isto apenas favorece a direita. Nossos povos merecem os maiores esforços unitários. Para construir um mundo mais justo, a primeira coisa a ser feita é unir as forças progressistas", defendem.
A agenda progressista apresentada pelos líderes defende a reformulação do sistema econômico vigente, baseado num insustentável "sistema de produção, extração, acumulação e consumo", a implementação de políticas públicas como a renda básica, e a renegociação da dívida externa dos países da região para destinar o orçamento público aos efeitos da pandemia.
"Como latino-americanas e latino-americanos, expomos a necessidade de reestruturar a dívida externa e, na medida do possível, obter uma moratória que permita que os Estados que a solicitarem canalizem esforços para atender a emergência e redefinir, considerando o futuro, as prioridades sociais desatendidas ou delegadas ao mercado".
Uma das propostas também apresentadas pelo grupo é a solicitação de uma reunião extraordinária da Assembleia Geral da ONU para discutir a gestão da pandemia, "preservando sem exceção a equidade social e uma garantia de proteção para os mais vulneráveis". A convocatória foi apresentada e defendida por Lula.
“Trump anuncia que vai deixar de contribuir com a OMS e fica por isso mesmo. Não há reunião, convocação, pressão por parte de outros países. Temos de exigir uma reunião. Trump não tem o direito de inventar remédio. Nem o Bolsonaro. Eles não têm o direito de mandar as pessoas irem trabalhar sem garantir suas vidas”, declarou o ex-presidente brasileiro.
:: Lula: cabe aos trabalhadores construir mundo pós-pandemia com coletivo acima do lucro ::
Crise nova, velhos problemas
O 5º Encontro do Grupo de Puebla foi presidido pelo ex-presidente colombiano, Ernesto Samper, e tratou, além dos desafios impostos pela pandemia, dos velhos problemas da região, como o assassinato de lideranças sociais na Colômbia e a suspensão dos Acordos de Paz com o Exército de Libertação Nacional, por parte do governo de Iván Duque.
Na reunião virtual senadora colombiana Victoria Sandino, ex-guerrilheira das Forças Armadas Revolucionárias (FARC), organização convertida em partido político, denunciou o descumprimento do Acordo de Paz com as FARC, assinado em Havana, capital de Cuba, em 2016.
"Mais de 200 companheiros e companheiras que firmaram o Acordo de Paz foram assassinados. O governo colombiano prefere apostar na guerra", disse.
Diante do cenário de violentos conflitos e desrespeito aos direitos humanos na Colômbia expostos durante o encontro, o Grupo de Puebla recomenda a retomada dos diálogos de paz com ELN e o cumprimento dos Acordos de Havana. "Um eventual fracasso da paz na Colômbia seria, sem nenhuma dúvida, nosso fracasso como humanidade", afirma a declaração final do encontro.
O fórum também discutiu e rechaçou as sanções econômicas e os ataques promovidos pelos Estados Unidos a dois países da região, Cuba e Venezuela.
"Rejeitamos as ameaças e sanções contra a Venezuela, bem como as referentes a Cuba e a forma como não se reconheceu sua contribuição à paz na Colômbia. Em tempos sem pandemia são condenáveis aquelas medidas, em tempos pandêmicos se transformam simplesmente em um crime de lesa-humanidade", diz a nota.
Edição: Luiza Mançano