Além da crise na saúde e dos efeitos econômicos gerados pela pandemia do novo coronavírus, também existem as consequências sociais que são claramente vistas nos noticiários, mas não necessariamente como um problema.
Uma dessas consequências é o aumento da discriminação aos imigrantes. Embora o problema seja mais comum em países onde esse tema é mais politicamente explorado, como nos Estados Unidos, ele também está presente na América do Sul, e um dos exemplos é o Chile, que assim como os norte-americanos, também é governado por um mega empresário neoliberal: Sebastián Piñera.
Com a chegada da pandemia ao Chile, a vida dos imigrantes nesse país andino, que já era muito difícil, passou a ser ainda pior, já que muitas comunidades começaram a ser estigmatizadas, especialmente as de haitianos, colombianos e venezuelanos, que contam com muitas pessoas negras, as que mais costumam ser prejulgadas como potenciais contagiados.
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Em um episódio ocorrido na última semana, um grupo de cerca de 30 cidadão haitianos que vivia em um condomínio no município de Quilicura, na Região Metropolitana de Santiago, foi denunciado pelos seus próprios vizinhos como suspeitos de ter covid-19, o que levou a polícia a despejar todos eles de suas casas, incluindo crianças e pessoas idosas.
O caso foi amplamente difundido pela imprensa chilena, que escolheu uma abordagem que deu razão aos vizinhos e alimentou o estigma aos imigrantes como foco de contágio do novo coronavírus. As autoridades governamentais do Chile aproveitaram o clima para reforçar o relato.
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O ministro da Saúde, Jaime Mañalich, chegou a fazer um apelo a “reforçar o controle (de pessoas suspeitas de ter covid-19) nas regiões de Santiago conhecidas por possuir mais comunidades imigrantes, e também em cidades próximas às fronteiras, que vem recebendo grandes quantidades de estrangeiros nos últimos anos, especialmente haitianos, colombianos e venezuelanos.
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Essas comunidades tentam se organizar como podem, para enfrentar a discriminação sofrida diariamente, que passou a ser mais agressiva em tempos de covid-19. Não só pelo rótulo que as pessoas sofrem, como também pelo fato de que essas pessoas, efetivamente também estão expostas ao vírus, e caso venham a sentir sintomas e necessitar de atenção médica, sofrem ainda mais discriminação.
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O ativista Carl Abilhomme, porta-voz da comunidade haitiana na Região Metropolitana de Santiago, conta que os maus tratos no sistema de saúde chilenos são comuns até mesmo para os chilenos pobres, mas se tornam ainda maiores se a pessoa é estrangeira e negra.
“[A atenção médica aos haitianos] é 10 vezes pior que a atenção que dão à população pobre chilena. Se o chileno pobre é maltratado no hospital, pensa o que acontece com um negrinho discriminado”, reclama Abilhomme.
Segundo ele, quando um haitiano vai ao um centro médico em busca de atenção “o que se chama `urgência´ se transforma em `tenha paciência´, porque são 3, ou 4, ou 5, ou 6 horas que demoram para tomar sua pressão, e 3 horas mais para que um médico te examine, de depois vai te dar só um paracetamol”, relata.
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Através de um comunicado, a comunidade haitiana denunciou os fatos e os qualificou como atos discriminatórios e de agressão moral, psicológica e até física contra seus membros. Também solicitou que o caso seja investigado pelas autoridades como ato de xenofobia e racismo.
Por sua parte, a professora María Emilia Tijoux, socióloga e coordenadora da cátedra sobre Racismos e Migrações Contemporâneas da Universidade do Chile, afirma que situações como essa são produto de políticas migratórias chilenas inspiradas em modelos xenófobos estrangeiros, como os Estados Unidos de Donald Trump e o Brasil de Jair Bolsonaro.
“Creio que (o Chile) segue o modelo Trump, que é terrível. O Brasil faz o mesmo com Bolsonaro, com um maltrato não só contra a população migrante como também contra seus próprios habitantes, contra todo ser humano, de uma forma brutal. Aqui no Chile, me parece que estão adotando os piores modelos de fora”, comenta.
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Tijoux recorda a capa de um diário chileno onde se mostra uma mulher negra com seu bebê como ícones de suspeitos de contágio por coronavírus. Ela acusa os meios de comunicação por alimentar este estigma, e também as autoridades, que se aproveitam desse relato midiático.
“Quando se fala da pandemia e da infecção, aparece um jornal com a foto de uma mulher afrodescendente com uma criança nos braços. Não sei se pediram autorização a ela para tirar esta foto, mas é interessante ver como se constrói um imaginário imediatamente, e se aponta uma nacionalidade, uma origem social e uma cor de pele em primeiro plano”, critica a professora.
Além disso, também responsabiliza não só o atual governo como os anteriores, pela ausência de políticas mais inclusivas com respeito aos temas migratórios.
“Essa hostilidade dos vizinhos aos haitianos, como vimos no caso de Quilicura, não me estranha, e creio que a responsabilidade não é somente dessas pessoas que atacaram, e sim a consequência de uma política promovida por este governo, e das responsabilidades dos governos anteriores, de todos eles, porque nenhum deles fez nada pela migração, por ter uma lei baseada em direitos humanos integrais”, alega Tijoux.
Outra situação criada pela pandemia, que também demonstra a xenofobia institucionalizada no governo do presidente Sebastián Piñera, é a mudança nas políticas para exercer a medicina.
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Há alguns meses, o governo rechaçou a presença de médicos estrangeiros no país, a partir de um programa para promover um certo nacionalismo nas instituições de saúde, baseado no princípio de que os profissionais da saúde que trabalham nos hospitais e centros de atendimento deveriam ser chilenos, em sua grande maioria.
Entretanto, diante da crise gerada pela pandemia e a necessidade urgente de ampliar as equipes médicas para enfrentar a demanda, surgiu o programa “Eu Sirvo o Meu País Na Emergência”, pelo qual se recrutará novos profissionais e técnicos da saúde.
Apesar de o nome também evidenciar um conceito nacionalista, desta vez o programa passará a incluir estrangeiros, especialmente cubanos e venezuelanos, que estavam entre os mais excluídos no passado, ou impedidos pelas barreiras impostas pelo exame EUNACOM, que reprova 67% dos médicos de fora do país.
Além dos casos de pacientes regulares, o sistema de saúde chileno também enfrenta uma outra grave crise, causada pelo fato de que mais de 700 trabalhadores da saúde em todo o país estão em quarentena, após darem positivo em seus exames de covid-19.
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Esses profissionais constituem o grupo mais exposto a contrair a doença, e esses números indicam que não contam com a proteção necessária para exercer seu trabalho da forma mais segura.
No entanto, o Ministério da Saúde garante que possuem todo o material necessário para realizar o seu trabalho, e que o protocolo adotado em todos os centros de saúde do país segue as normas recomendadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
O que é coronavírus?
É uma extensa família de vírus que podem causar doenças tanto em animais como em humanos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), em humanos, os vários tipos de vírus podem causar infecções respiratórias que vão de resfriados comuns, como a síndrome respiratório do Oriente Médio (MERS) a crises mais graves, como a síndrome respiratória aguda severa (SRAS). O coronavírus descoberto mais recentemente causa a doença covid-19.
Como ajudar a quem precisa?
A campanha “Vamos precisar de todo mundo” é uma ação de solidariedade articulada pela Frente Brasil Popular e pela Frente Povo Sem Medo. A plataforma foi criada para ajudar pessoas impactadas pela pandemia da covid-19. De acordo com os organizadores, o objetivo é dar visibilidade e fortalecer as iniciativas populares de cooperação.
Edição: Leandro Melito