A Bolívia enfrenta um período de incertezas e divisões após a tentativa de golpe de Estado do dia 26 de junho, que deixou evidente ainda mais as fissuras políticas e sociais já existentes no país. As disputas pelo partido governista, o Movimento ao Socialismo (MAS) se acentuaram, com acusações e críticas entre suas maiores lideranças.
Em meio à crise, o ex-presidente Evo Morales voltou a criticar o atual mandatário, Luis Arce, e chegou a insinuar que a tentativa de golpe poderia ter sido uma ação orquestrada. "Que tipo de golpe é esse? [...] Um golpe de Estado sem feridos, sem tiros, sem mortos", afirmou o ex-presidente em uma coletiva de imprensa na cidade de Sacaba, departamento de Cochabamba.
Em resposta, Arce rejeitou veementemente as acusações, enfatizando seu compromisso com a democracia e a estabilidade institucional. Ele argumentou que tais acusações são infundadas e buscam desestabilizar seu governo legítimo, sublinhando a importância de seguir os processos constitucionais para resolver disputas políticas e promover a unidade nacional.
'Sentimento de incerteza'
Para a cientista política boliviana Nadia López, a tentativa de golpe traz instabilidade aos bolivianos. Essa incerteza seria reflexo direto da profunda divisão política que afeta o MAS, o principal partido político do país.
“O que acontece em toda Bolívia, com a sociedade, é que se sente um cenário de dúvidas, visto que o maior instrumento político do país está dividido, e é por isso que a sociedade se encontra em divisão", disse ao Brasil de Fato.
Ainda segundo a pesquisadora, "também se nota que a oposição se encontra dividida, com dúvidas" e que "o sentimento de incerteza é reflexo da instabilidade política no governo".
Observar as divisões é importante para entender como chegarão os partidos para as eleições presidenciais de 2025. Para López, a fragmentação interna do MAS é um elemento crucial para a estabilidade política.
"Não há perspectiva de união política entre Morales e Arce, que antes eram aliados próximos. Veremos nas eleições 2025 ambos candidatos, em partido políticos diferentes", supõe a cientista política.
Crise econômica
Além das perturbações políticas, a economia do país já vinha dando sinais de instabilidade há meses por uma crise cambial refletida na ausência de dólares, o que gerou mobilização de vários setores da economia boliviana contra o governo.
Desde o ano passado, a entrada de divisas na nação andina sofreu uma drástica redução devido a uma queda nas vendas de gás, principal fonte de receita do país até 2020.
O impacto da escassez é visível no mercado informal, onde o dólar chega a ser negociado a cerca de 8 bolivianos (moeda local), acima da taxa oficial fixada pelo Banco Central da Bolívia, de 6,96 bolivianos. O impacto também pode ser notado em comércios das principais cidades, que chegam a desconfiar de bancos e pagamentos com cartão de crédito.
"A Bolívia atravessa uma situação econômica que resultou de um desequilíbrio da balança comercial do setor privado" defende o analista econômico boliviano Omar Velasco. Ao Brasil de Fato, ele explica que a atual conjuntura é resultado de um acúmulo de fatores e que "não pode ser atribuída a uma única administração".
"Há mais de 15 anos, a economia boliviana passou por um crescimento muito importante, sendo um dos países com maior desempenho econômico, inflação baixa, indicadores sociais chamativos, como a redução de pobreza. O governo de Evo Morales teve um ciclo chamativo do auge do gás natural no país, que teve um ponto de inflexão em 2015, quando, desde então, os recursos começaram a diminuir. A dependência excessiva da Bolívia na exportação de gás, sem diversificar a economia, nos deixou vulneráveis", afirma.
Velasco também cita fatores como a pandemia do novo coronavírus e argumenta que "fatores externos como a queda nos preços internacionais do gás contribuíram significativamente para a crise". "O governo de Arce herdou muitos desses problemas e a divisão política atual só dificulta a implementação de soluções", diz.
No início de junho, setores políticos e econômicos chegaram a realizar protestos devido à escassez de dólares. Nas ruas dos departamentos de La Paz e Cochabamba, bloqueios de vias ocorreram semanalmente, entre manifestantes a favor e contra o governo atual.
Edição: Lucas Estanislau