No 1º Encontro Nacional de Mulheres sem Terra, que ocorre desde quinta-feira (5), em Brasília (DF), um corredor de mesas chama a atenção em meio ao intenso fluxo de pessoas que transitam no local: a Mostra de Produtos da Reforma Agrária. Destinada à exposição de gêneros produzidos por agricultoras familiares e militantes de outros espaços, a iniciativa reúne mulheres que vieram das mais diferentes partes do Brasil para participar do evento e aproveitaram para colocar suas produções à venda.
Por entre as mesas, o doce de caju da agricultora Eliene dos Santos faz brilharem os olhos dos transeuntes. “É todo orgânico, caseiro e feito no fogão à lenha”, gaba-se a trabalhadora, que vem do Assentamento Caraíbas, no município de Japaratuba (SE), onde uma agroindústria mobiliza 26 mulheres que produzem cotidianamente diversos gêneros da roça.
Uma parte das variedades veio parar em Brasília, nas mesas da mostra. Além do doce de caju, Eliene trouxe broa de milho, queijadinha, óleo de coco, biscoito amanteigado e até sabonete à base de ervas. Para ela, que atua no campo há 20 anos, a exposição organizada pelo encontro do MST é uma oportunidade de evidenciar a associação entre a produção da agricultura familiar e a pauta política dos sem-terra, que atuam em prol da reforma agrária popular.
“É pra gente estar mostrando realmente por que a gente vai pra debaixo de uma lona, por que a gente luta. É pra mostrar a nossa produção, que não é só a da roça, mas também o beneficiamento da produção, como é o caso da broa do milho. A gente pega o milho e faz a broa pra merenda escolar, pra alimentação do dia a dia”, exemplifica, acrescentando que “essa luta é necessária”.
É pra gente estar mostrando realmente por que a gente vai pra debaixo de uma lona, por que a gente luta.
A dirigente Ester Hoffmann, do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), aponta que iniciativas como a da feira integram o rol de prioridades da organização, que tradicionalmente investe na interação entre campo e cidade por meio da distribuição da produção dos agricultores familiares.
“A luta pela reforma agrária se torna cada vez mais difícil, mas, ao mesmo tempo, cada vez mais necessária, porque a gente tem se alimentado de veneno e mercadorias que adoecem as pessoas. Então, estão na centralidade da nossa luta pela reforma agrária a produção de alimento saudável, a defesa do território, e essa mostra traz isso”.
A luta pela reforma agrária se torna cada vez mais difícil, mas, ao mesmo tempo, cada vez mais necessária, porque a gente tem se alimentado de veneno e mercadorias que adoecem as pessoas.
Para encantar os participantes do evento, que reúne cerca de 3,5 mil mulheres e recebe também representantes de 14 países até a próxima segunda-feira (9), as feirantes prepararam um mundo de cores, sabores e aromas.
A mostra traz frutas, cereais, diferentes tipos de café, queijos, cajuína, produtos estéticos naturais, brinquedos artesanais, óleos naturais, objetos de decoração e ainda cerveja orgânica. Produzida por um coletivo de mulheres do MST do Rio de Janeiro, esta última é um dos principais destaques da feira.
Ao atender os clientes que se aproximam da banquinha de exposição, a militante Eró Silva faz questão de sublinhar que a historiografia registra a íntima relação entre a mão de obra feminina e as antigas cervejas, apesar de isso ainda ser pouco conhecido pela maioria das pessoas.
“Algumas historiadoras relatam que a produção das cervejas era extremamente feminina e que o capital foi se apropriando desse processo de produção, passando a utilizar até mesmo o corpo da mulher pra comercialização da cerveja, mas não o conhecimento tradicional [delas]”.
Algumas historiadoras relatam que a produção das cervejas era extremamente feminina e que o capital foi se apropriando desse processo de produção
Para a militante, elaborar o produto de forma comunitária e artesanal a partir de mãos femininas é uma forma de resgatar esse processo e ainda de inserir a elaboração de bebidas na pauta política dos movimentos do campo.
“Estamos aqui pra dizer que até mesmo a cerveja pode participar disso e que ela também pode ser pensada como um alimento saudável. A gente aproveita e discute ainda, junto com isso, a organização das mulheres, a autonomia feminina na geração de renda, no debate da segurança e da soberania alimentares.”
Edição: Rodrigo Chagas