“Vai um saquinho de castanha-de-baru aí?”, pergunta o agricultor José Nogueira dos Santos, escondido detrás de uma banquinha. Ao perceber a aproximação, já oferece em seguida um saco com raspas de sucupira, árvore típica do cerrado. “É antibiótico puro, moça. Se a garganta tá ruim, você ferve água, machuca ela, coloca dentro e depois gargareja. Não precisa usar amoxicilina”, explica, numa simpática pedagogia.
Com 55 anos, sendo 30 deles trabalhados na enxada, Seu José é um dos expositores do 1º Circuito de Feiras e Mostras Culturais da Reforma Agrária do Distrito Federal (DF) e Entorno, que ocorre até este domingo (10) em Planaltina, cidade-satélite de Brasília.
Na barraca onde se escora, o agricultor oferece ainda maxixe, berinjela, pimenta de cheiro, jiló e geleia. “É tudo orgânico. O tratamento dado aqui é só o que vem de Deus mesmo, do céu. Tem negócio de veneno não”, exalta.
Tendo viajado cerca de duas horas para se deslocar do assentamento onde vive, em Goiás, até o evento, Seu José vê na feira uma oportunidade de “fazer o bem”. “Porque aqui a gente vem trazer comida saudável pras pessoas, né. O que me interessa é isso. Eu gosto muito da roça, de produzir coisas que deixem as pessoas sadias porque, primeiro, a gente tem que ver o próximo se sentindo bem. Se você tiver bem, eu também me sinto assim”, diz.
No espaço da feira, plantas, artesanato e alimentos se misturam numa profusão de cores, cheiros e sabores. Tem tomate, pepino, alface, abóbora, arroz, sementes, doces e o que mais a vida do cerrado for capaz de produzir. E tem também a cantoria de Zé Pinto, mineiro radicado em Rondônia que faz da vida rural a matéria-prima das letras que animam a viola caipira.
“Amar o campo ao fazer a plantação / Não envenenar o campo é purificar o pão / Amar a terra e nela botar semente / A gente cultiva ela e ela cultiva a gente”, poetiza, lá de cima do palco, embalando o público que visita a feira.
Autor de quatro CDs, um deles intitulado “Um poema insubmisso”, o artista se dedica a cantar principalmente temas relacionados à agroecologia. “Porque eles têm a ver com os sonhos que a gente tem, né. É a coisa de entender isso como um modelo que a gente gostaria que fosse aplicado no Brasil como contraponto ao agronegócio”, explica.
O evento
Além de Zé Pinto e de Seu José, vários outros personagens da vida rural se aglutinam nos diversos espaços da feira. Organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do DF (MSF-DF), o circuito reúne também agricultores de estados vizinhos, voltando-se principalmente para o intercâmbio entre o campo e a cidade.
“É importante que a população dos centros urbanos conheça o que a reforma agrária produz, porque é um outro tipo de alimento, feito mais artesanalmente, e produzido pelas famílias que vivem daquela terra, a partir de uma outra forma de organização do trabalho”, explica Marco Antonio Baratto, da coordenação do MST-DF.
Ele acrescenta que a realização da feira parte também de uma disputa política. “É importante termos este espaço de comercialização pra que a gente possa animar as famílias dos acampamentos e assentamentos da região a virem expor sua produção do ponto de vista de disputar o espaço. É o alimento visto num sentido político, inserido numa disputa de matriz de produção em que a gente entende que a agricultura camponesa e a reforma agrária trazem outros elementos, que batem de frente com o agronegócio”, expõe o dirigente.
Além da feira, o circuito conta com espaços de debates e apresentações culturais, com opções de programação durante todo o dia, das 9h às 23 horas, na Praça São Sebastião, em Planaltina-DF. Acompanhe a cobertura do evento aqui.
Agricultura familiar, saúde e meio ambiente
Segundo explica o pesquisador Tamiel Khan Jacobson, da Universidade de Brasília (UnB), a realização de feiras da agricultura familiar em centros urbanos tende a trazer bons resultados para a saúde da população.
“Você consome alimentos produzidos perto de você, que utilizaram pouca energia fóssil agregada ao processo de produção, então, acaba consumindo algo que tem uma energia de balanço positivo pra saúde”, conta o professor, que ministrou palestra durante o evento.
Ele destaca ainda as vantagens ambientais decorrentes do consumo de alimentos com essa origem. “A agricultura familiar é muito mais vantajosa pro consumidor não só do ponto de vista da saúde, mas também do meio ambiente, porque ela tem uma emissão muito menor de gases nitrogenados, que são poluentes e estão relacionados ao efeito estufa”, afirma Jacobson.
Para o engenheiro agrônomo Vicente Almeida, a problemática que circunda o consumo de pesticidas no Brasil precisa ser percebida como assunto de interesse social e coletivo.
“A luta contra o agrotóxico não é só do agricultor. É uma luta da cidade também, porque quem é capaz de proporcionar saúde e qualidade de vida para as pessoas é a agricultura familiar, não o modelo do agronegócio, daí a importância de um espaço como este da feira”, finaliza Almeida, que é pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Edição: Simone Freire
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