A crise na Companhia Estadual de Água e Esgotos (Cedae) e a qualidade da água que chega às casas da população fluminense serão alvo de investigação na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Deputados obtiveram o número suficiente de assinaturas para a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na última terça-feira (4), um dia depois de a Cedae detectar detergente na Estação de Tratamento do Guandu e paralisar o fornecimento de água por algumas horas.
Desde janeiro, moradores do Rio e da Baixada Fluminense reclamam da cor marrom, do cheiro e gosto de terra na água que chega nas torneiras. A Cedae atribuiu o problema à presença de geosmina, uma substância produzida a partir de um tipo de microalga. A crise da Cedae, porém, é mais profunda e tem relação direta com manobras político-partidárias e com a gestão da companhia, que está no alvo das privatizações do governador Wilson Witzel (PSC).
Na sessão da última terça (4), o presidente da Alerj, deputado André Ceciliano (PT), afirmou que o presidente da Cedae, Hélio Cabral, será convocado para prestar esclarecimentos sobre a crise no abastecimento. O parlamentar lembrou que os trabalhos de investigação de uma CPI têm prazo de 180 dias, que podem ser prorrogados, mas a solução para o abastecimento precisa ser imediata.
Segundo ele, também serão convidados os engenheiros que foram demitidos da companhia no início de 2019. A convocação deverá ser feita por uma das comissões permanentes da Casa nos próximos dias.
Biólogo e ativista do Movimento Baía Viva, Sergio Ricardo lembrou, em entrevista ao Brasil de Fato, que governos anteriores e o governo atual, além da própria Alerj, são responsáveis pela situação da Cedae e pela água e esgoto do estado. A falta de investimentos e os cortes na área estão ocorrendo mesmo agora, diante da exposição da crise.
“O problema é estrutural, não é só geosmina e detergente. Entre 2003 e 2019, o estado do Rio deixou de investir R$ 11 bilhões em saneamento básico de verbas carimbadas do Fecam [Fundo estadual de conservação ambiental] e do FUNDRHI [Fundo municipal de recursos hídricos]. A PEC que o governador encaminhou e foi aprovada às pressas no ano passado, na Alerj, corta da área de saneamento básico R$ 370 milhões por ano por tempo indeterminado, já entrando em vigor nesse ano”, critica o biólogo.
No dia 10 de janeiro, o Movimento Baía Viva entrou com uma representação na Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ) e no Ministério Público (MP-RJ) com três pedidos. Um deles diz respeito à falta de confiabilidade e de transparência nos dados sobre monitoramento da potabilidade da água que chega ao consumidor. No início dos anos 2000, o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB), atualmente preso, exercia poder sobre a Cedae e rompeu um contrato com a UFRJ, que realizava o monitoramento da água.
“Estamos solicitando a transferência do monitoramento ambiental e da potabilidade da água para um 'pool' de universidades públicas, um consórcio que pode ser formado pela UFRJ, a Uerj e pela Fundação Oswaldo Cruz. Quando Eduardo Cunha assumiu a presidência da Cedae, a primeira medida dele foi cancelar o contrato, que inclusive tinha um valor baixo, e contratar empresas de São Paulo que não tinham nenhuma qualificação nessa área. Com isso, ele pode manipular à vontade os dados de qualidade de água”, apontou Sergio Ricardo.
Privatização
Na Alerj, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Saneamento e Meio Ambiente do Rio de Janeiro e Região (Sintsama-RJ), Humberto Lemos, disse que há falta transparência não apenas nos dados sobre a pureza da água, mas também na gestão do presidente da companhia, Hélio Cabral, que recentemente demitiu mais de 50 engenheiros e pode ser afastado do cargo, como reportou o Brasil de Fato na última semana.
“É um absurdo o que vem acontecendo na Cedae, uma empresa que já perdeu cerca de mil trabalhadores com demissões e saídas voluntárias”, declarou o presidente do Sintsama-RJ.
Dada como moeda de garantia na época em que o Rio de Janeiro assinou com o governo federal o Plano de Recuperação Fiscal que não apresentava nenhuma contrapartida positiva para o estado, a Cedae sofre agora com as “falsas soluções”, segundo o biólogo do Baía Viva. Para ele, a privatização vai aumentar a desigualdade de acesso à água potável e ao esgoto tratado pelas populações de menor renda.
“A venda da Cedae não é o melhor caminho, nenhuma empresa privada vai querer investir em áreas periféricas tecnicamente consideradas deficitárias. A capital arrecada 76% do faturamento da Cedae e através de um mecanismo de solidariedade, que é a tarifa social, chamada de subsídio cruzado, se disponibiliza água de boa qualidade para 63 outros municípios. Com a privatização, esse mecanismo de solidariedade será extinto”, prevê Sergio Ricardo.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Mariana Pitasse e Camila Maciel