A grave crise no abastecimento de água que parte da população do estado do Rio de Janeiro vivenciou nas últimas semanas -- recebendo água com mau cheiro, cor e gosto de terra -- poderia ser contornada se um projeto de 2009 para desviar o esgoto que vem da baixada fluminense tivesse sido implementado. A obra impediria que o material orgânico fosse captado pela Estação de Tratamento de Água (ETA) Guandu, localizada no limite dos municípios de Nova Iguaçu e Seropédica.
De acordo com especialistas ouvidos pelo portal UOL, a presença de esgoto nos mananciais que abastecem a estação é a principal causa de proliferação das cianobactérias responsáveis pela produção de geosmina na água tratada e distribuída nas últimas semanas.
Segundo a reportagem, o projeto na época foi orçado em R$ 33 milhões. A Companhia de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) concluiu a licitação da obra em 2013, mas o contrato foi interrompido dois anos depois devido a uma defasagem do valor original: seria preciso mais R$ 50 milhões para conclusão do projeto.
O sucateamento da Cedae tem sido recorrente nas últimas gestões indicadas pelo governo do estado. A deputada Renata Souza (Psol) chama a atenção para o descaso do governador Wilson Witzel (PSC). De acordo com a parlamentar, o governo deixou de acessar o Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (FECAM) para realizar investimento na área de saneamento. Os recursos do fundo são oriundos dos royalties do petróleo atribuídos ao estado, multas administrativas aplicadas e condenações judiciais por irregularidade constatadas pelos órgãos fiscalizadores do meio ambiente.
“O estado foi muito negligente nessa situação. O principal orçamento para a área de saneamento básico é vindo do FECAM e esse fundo só foi utilizado em 15% do ano passado, ou seja, mais de R$ 700 milhões que tinha previsto no FECAM para este fim e não foi utilizado. Precisamos trazer a situação de sucateamento da Cedae. Há uma tentativa de mostrá-la como uma companhia que não realiza o seu serviço para justificar a sua futura privatização”, explica.
A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) está em recesso até o final de janeiro. O mandato da Renata Souza já realizou uma representação no Ministério Público na tutela do consumidor para que as pessoas prejudicadas pela Cedae sejam ressarcidas.
Privatização
Nesta semana, chegou ao Rio de Janeiro o sistema com uso de carvão ativado que promete resolver o problema da água distribuída pela Cedae na capital e em parte da baixada fluminense. O capítulo envolvendo a qualidade da água e a contaminação pela substância orgânica geosmina aparenta estar com os dias contados. Contudo, as páginas sobre o processo de privatização da companhia - que foi moeda de troca para o governo federal auxiliar o estado do Rio com o regime de recuperação fiscal - continuam a ser escritas.
Atualmente, a Cedae é responsável por atender 64 dos 92 municípios do estado, com o serviço de abastecimento de água, e 23 com o esgotamento sanitário. De acordo com o levantamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), encarregado de elaborar o modelo de desestatização da companhia, mais de 18 milhões de pessoas dependem dos serviços prestados pela empresa que emprega 19.500 trabalhadores de forma direta e indireta.
A venda de parte dos serviços da Cedae é estimada em R$ 32,5 bilhões e deve ser concluída ainda neste ano, segundo o acordo feito entre governo federal e estadual. De acordo com o projeto de privatização proposto pelo BNDES, as concessionárias seriam responsáveis por quatro blocos que compreendem o tratamento da água em 51 municípios e a distribuição em 64. Nesse regime, o tempo de exploração pelas empresas privadas tem previsão de 35 anos.
Para Renata Souza, a desestatização pode ocasionar o aumento das tarifas e restringir ainda mais o acesso da população de baixa renda ao serviço de saneamento básico.
“O impacto da privatização da Cedae vai de encontro a realidade das pessoas que hoje já têm uma situação precária no abastecimento de água. Há muitas favelas e periferias que não conseguem o abastecimento adequado de água. O impacto vai ser justamente para essa população que já não tem um abastecimento regular. Outro impacto possível é que os serviços de esgoto e água fiquem mais caros”, ressalta a parlamentar.
Edição: Mariana Pitasse