Essa semana completam-se 200 dias do governo de Jair Bolsonaro. Apenas na semana passada, ainda na ressaca de ter indicado seu filho embaixador nos Estados Unidos da América, país que a família Bolsonaro assumidamente devota profunda admiração e subordinação, o presidente atacou jornalista com mentiras, negou a existência da fome no Brasil, acusou um general do exército de “melancia” (verde por fora, vermelho por dentro) e chamou os governadores do Nordeste de “paraíbas”, destacando que, para o governador do Maranhão, “não deveria ter nada”.
Agora, tente recordar medidas para favorecer a vida da população, especialmente dos trabalhadores e do povo mais pobre. O que Bolsonaro fez ou disse em favor dos interesses do povo brasileiro? Falou bastante sandices, algumas perigosas: retirar fiscalização das rodovias e desobrigar cadeira de segurança para crianças em automóveis, trabalho infantil não é problema, negou que pessoas passem fome no país, armar parte da população. A lista é enorme e cresce a cada discurso do presidente. Enquanto isso, a economia está estagnada, a indústria em declínio, há 13,5 milhões de pessoas procuraram emprego e 25 milhões de trabalhadores na informalidade.
Apesar da retórica vazia, que não se sustenta na prática, há um perigoso padrão no que é dito: Bolsonaro descredibiliza as instituições, incluindo algumas que diz defender, e incita o ódio e medo em parte da população contra outra. Em apenas uma semana, atacou jornalistas, servidores públicos, mulheres, cidadãos nordestinos, trabalhadores, crianças, pobres e famintos. Só elogiou seu filho, que vai ser embaixador nos Estados Unidos.
As grosserias e expressões de ódio, no entanto, não devem ser tratadas com desdém ou menosprezo. Bolsonaro tem dois objetivos: construir um projeto de poder (populista, personalista, antipopular e ultraconservador) e aglutinar uma massa de pessoas, que se mobilizam e se enfurecem a partir do medo e do ódio. Esse medo se expressa de forma diferente: para a elite, medo de perder privilégios; para os pobres, medo de perder o emprego, medo da miséria, medo de passar fome, medo da violência. O ódio é necessário para apontar os “inimigos”: servidores públicos e trabalhadores de carteira assinada são privilegiados, estudantes e professores são esquerdistas, jornalistas são mentirosos, artistas são desocupados e corruptos, mulheres e negros são um perigo para homens brancos, nordestinos (os paraíbas) não devem receber nada do governo federal. Se estes são os inimigos quem são os amigos de Bolsonaro?
O bolsonarismo é uma expressão radical e violenta da crise brasileira: crise econômica, social, política, ambiental e de valores. Todos que votaram em Jair Bolsonaro para presidente ou que ainda acreditam, por quaisquer motivos, que seu governo melhorará sua vida são bolsonarista? Não. Esse erro não se deve cometer. Porém, Jair Bolsonaro pretende aglutinar uma massa que sustente seu projeto de poder, mobilizada pelo medo e ódio.
O que fazer então? Primeiro, unir as pessoas que são alvo dos ataques de Bolsonaro. Nesses 200 dias de governo, é fácil identificar os “inimigos” do bolsonarismo: estudantes, professores, povo trabalhador, servidores públicos de baixa remuneração, intelectuais, indígenas, ambientalistas, população LGBTQI+, mulheres e negros, independe da região do país ou do voto nas eleições presidenciais. Bolsonaro vê essas pessoas como inimigas em potencial, tenham votado ou não nele. Bolsonaro, e a elite que o sustenta, tem medo do povo brasileiro. Por isso, é importante manter este povo amedrontado.
Além disso, e o mais fundamental, é estar junto dos trabalhadores, desempregados, jovens, mulheres, negros, ainda que, por quaisquer motivos, tenham expectativas positivas sobre o governo Bolsonaro. Pessoas que votaram em Bolsonaro e estão sofrendo as consequências de seu governo, devem ser convidadas a construir um país mais justo e melhor. É preciso explicar que as promessas do presidente são enganação: gerar emprego, combater a corrupção, defender a família e a nação. Ao contrário, o desemprego cresce, a família Bolsonaro é envolvida em esquemas ilegais e criminosos, as famílias pobres estão voltando a sofrer com a miséria e a falta de seguridade social e o patrimônio e a riqueza nacionais estão sendo privatizadas. Bolsonaro não é patriota, não é nacionalista, não defende a família e nem a nação brasileira.
Com o grupo de Bolsonaro no poder, todo o povo brasileiro perde. É preciso explicar por que e como isso acontece. Isso é uma tarefa urgente, que deve unir o máximo de pessoas, independentemente de partidos e posições políticas, da região do país, de crenças religiosas. É preciso juntar intelectuais, artistas, lideranças religiosas, profissionais de segurança pública e militares. Se essa “frente”, em defesa dos direitos do povo brasileiro, for bem sucedida, poderemos voltar a construir um projeto popular e soberano para o país. Caso contrário, corremos o risco de ver a consolidação do bolsonarismo, como um movimento baseado no ódio e no medo, que terá o povo brasileiro como seu próprio inimigo.
* Advogado, membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
Edição: Monyse Ravena