A escola pública foi concebida no Brasil como um espaço de debate, que busca formar jovens cidadãos autônomos, capazes de análises próprias, diálogos e ponderações. Para isso, são consideradas fundamentais as disciplinas de sociologia, filosofia e artes, além de conteúdos que contemplem temas como diversidade e política.
Essa concepção é confrontada pelo programa Escola Sem Partido, citado pelo candidato Jair Bolsonaro (PSL) como prioridade no seu projeto de reforma da educação pública, que também inclui o ensino a distância.
Para o educador e pedagogo Gaudêncio Frigotto, alguns dos conceitos do programa Escola Sem Partido já são realidade em algumas escolas públicas do país, e dão uma amostra dos problemas que podem ser causados com sua ampliação.
“O caráter deste movimento está marcado por uma visão moralista e por uma perspectiva de gerar não o diálogo, não o desenvolvimento dos sujeitos autônomos, mas incutir nos jovens, na família e nos pais a perspectiva do ódio”, disse o especialista em políticas públicas para a educação.
Depois das eleições do primeiro turno, uma professora da rede pública de São Paulo foi hostilizada na sala de aula por ter iniciado um debate sobre política.
"Eu fui para uma sala do ensino médio onde os alunos são Bolsonaro, porque os pais são eleitores deles. Aí a gente conversando sobre política ficou tenso. A ponto de eu não conseguir entrar na sala de aula depois. A sala não tem me recebido bem. Um dos alunos que estavam na discussão cabulou uma aula minha. O outro ficou jogando ‘indiretinhas’ conversando com outro amigo”, disse a professora, que pediu para não ser identificada na reportagem.
Em outra escola pública de São Paulo, no Tremembé, na periferia da zona Norte, a intolerância virou caso de polícia.
A professora de sociologia Odara Dèlé teve a porta da sala de aula marcada com uma suástica nazista. Além de expressões racistas e misóginas. Segundo a professora, o conservadorismo e a intolerância dos alunos é crescente, em paralelo com a campanha de Jair Bolsonaro.
“Dentro das suas casas, eles podem ter esses pensamentos e esses discursos, mas muitas vezes eles não trazem para a escola. Mas quando tem uma figura pública que apoia essa postura do ódio contra o outro, você tem essa intensificação”, disse a professora, que desenvolveu um aplicativo para ensinar a cultura afro-brasileira.
Dèlé conta que, nos últimos meses, as manifestações de intolerância do grupo conservador de alunos aumentou com ofensas a alunos gays e mulheres, chegando à violência física.
“A incompreensão com o outro está sendo valorizada. Como educadores temos que contrapor esses discursos”, disse.
Frigotto alerta também para a participação do projeto Escola Sem Partido na engrenagem de desmonte do ensino público no Brasil.
"Embora seja inconstitucional, com parecer no Supremo, ele está disseminado na sociedade. É o epílogo, o final dramático, de um processo que vem de longe. Dizendo primeiro que a escola pública era má gerida e que deveria ser gerida por critérios privados, depois que a escola pública dava conteúdos demais, depois que a escola pública desenvolvia na licenciatura a formação de professores que aprendiam disciplinas inúteis como filosofia, sociologia, arte, cultura etc. E agora diz-se que o professor deve ser treinado na ‘arte do bem ensinar’, para virar um tipo de robô teleguiado por pacotes vendidos por institutos privados”, disse.
Em entrevistas para jornais, Bolsonaro afirmou que o ensino a distância serviria para combater a doutrinação marxista e reduzir as despesas do Estado com os alunos. Diferentemente da proposta de Fernando Haddad, que vê como investimentos todos os recursos aplicados na melhoria da educação.
Edição: Pedro Ribeiro