"Com o ensino a distância você ajuda a combater o marxismo”, disse o candidato da extrema direita Jair Bolsonaro em agosto deste ano para defender uma de suas propostas. O programa de governo de Bolsonaro aponta que uma suposta “doutrinação” nas escolas é um dos principais problemas da educação no país. O capitão reformado pretende aplicar a educação a distância para o ensino fundamental, médio e superior, apesar de não especificar como viabilizar a proposta. Na prática, crianças a partir de seis anos deixariam de frequentar a escola para aprender por aulas online.
O professor Raul Borges, que ministra história para alunos do ensino fundamental de escolas públicas dos municípios de Petrópolis e Rio de Janeiro, critica a proposta de Bolsonaro e avalia que prejudicaria especialmente as famílias de baixa renda.
“O ensino a distância é perverso porque coloca as famílias em uma espécie de orfandade do poder público. Isso em uma sociedade como a nossa, profundamente marcada pela desigualdade, pelo racismo, por todos os tipos de preconceito. É de uma violência tamanha”, diz.
A agricultora Maria Correia, moradora de Paranacity, município no norte do Paraná, é mãe de um menino de cinco anos e diz que a proposta de Bolsonaro prejudicaria não apenas a aprendizagem e socialização das crianças, mas também a rotina das famílias.
“Tiraria os pais do trabalho, porque precisariam acompanhar [a educação do filho]. Se duas pessoas trabalham para poder ter a renda da casa, uma teria que ficar em casa e se dedicar à criança e não poderia trabalhar”, diz.
Moradora de um assentamento da reforma agrária e integrante da Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória (Copavi), Correia destaca que a medida prejudicaria ainda mais as mulheres que são tradicionalmente responsabilizadas pelas crianças.
Ela acrescenta que os agricultores que comercializam alimentos para as escolas também seriam prejudicados com a diminuição de aulas presenciais. A Copavil, por exemplo, distribui leite, iogurte, bolos e verduras para a merenda das escolas municipais e estaduais da região.
Andressa Pellanda, coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, aponta que a educação a distância proposta pelo candidato não é apenas negativa, como também não é viável, já que o ensino a distância pressupõem o uso de internet.
“Boa parte das casas do Brasil não tem nem saneamento básico ou luz elétrica, então como pensar educação a distância que precisa de infraestrutura específica, sendo que não temos infraestruturas muito básicas?”, questiona.
Socialização e merenda
“A escola não é só um local de trabalhar os conteúdos, aprender e fazer provas. A escola é também um lugar de se relacionar, de aprender a viver em sociedade, de conseguir viver com o diferente, se relacionar com quem não tem os mesmos hábitos, culturas e origens que nós”, diz Pellanda.
Raul Borges concorda que o ensino presencial envolve elementos relacionados a troca de experiências e a convivência social. O professor também conta que a merenda é fundamental para vários estudantes.
“Os alunos do [turno] noturno chegam cedo porque precisam comer. Os alunos da manhã precisam comer antes de ir para casa e os da tarde precisam comer antes de assistir a aula. As vezes acontece de não ter comida propriamente, mas um biscoito ou um suco, e aquilo para o garoto é um problema sério porque ele contava com aquela comida. Às vezes a mãe – e falo a mãe porque tem muitos casos de pais ausentes – conta que a criança vai chegar em casa tendo almoçado na escola. Até porque muitas vezes essa criança quando chega, não encontra ninguém em casa, porque estão trabalhando”, relata.
Andressa Pellanda lembra que a escola é também um local onde a criança encontra serviços públicos que garantem direitos básicos.
“Quando a gente fala da merenda, por exemplo, [a escola] é o lugar onde a criança vai ter esse serviço do direito à alimentação adequada. Então, pela escola não passa só a educação do conteúdo, passa também todo esse lugar de proteção social da criança.”
Haddad propõe ampliação do ensino presencial
O candidato Fernando Haddad (PT) já se manifestou contrário a proposta de Bolsonaro de ampliar o ensino a distância. “É falta de compreensão do processo educativo”, disse em evento na capital paulista na última segunda-feira (15). “Quem sabe ele também não propõe resolver o problema da falta de vagas em creches criando educação a distância para a creche”, ironizou o petista.
Ex-ministro da educação e professor universitário, Haddad defende a educação como uma de suas prioridades. Em seu programa de governo, afirma que irá investir na ampliação de vagas de tempo integral, especialmente em regiões mais vulneráveis. “A meta é garantir que todas as crianças, adolescentes e jovens de 4 a 17 anos estejam na escola e que aprendam”, diz o texto.
O petista também se compromete a revogar a reforma do ensino médio, aprovada durante o governo de Michel Temer (MDB), que estabelece que parte da grade curricular seja ofertada na modalidade de ensino a distância.
Outras propostas do candidato estão relacionadas à valorização dos professores e à ampliação de investimentos na educação do campo, indígena e quilombola com construção de escolas e garantia de transporte e alimentação.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira