A polícia da Índia prendeu três militantes dos direitos dalits, uma professora universitária e um ativista dos direitos humanos na última quarta-feira (6) no estado de Maharashtra, por participarem da organização de uma marcha com dezenas de milhares de pessoas da casta dalit. A manifestação que levou à perseguição policial havia sido realizada no fim de dezembro do ano passado e ficou marcada por atos de violência de nacionalistas hindus dirigida contra dalits na região, instigados inclusive por Sambhaji Bhide, liderança ligada ao atual primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi. No período anterior e posterior ao ato, diversas pessoas ficaram feridas e uma morreu em decorrência dos ferimentos.
Dalit é um termo utilizado para descrever um grupo historicamente oprimido por um sistema de castas que considera determinados setores da sociedade superiores, enquanto relega, aos demais, tarefas subalternas e uma vida sem dignidade.
Foram presos o advogado Surendra Gadling, secretário geral da Associação Indiana de Advogados Populares de Nagpur; a professora Shoma Sen, chefe do Departamento de Língua Inglesa da Universidade de Nagpur e militante histórica dos direitos das mulheres e dos dalits; Sudhir Dhawale, editor da revista Vidrohi de Mumbai e fundador do Movimento pela Extinção das Castas; Rona Wilson, militante dos direitos humanos e secretário da Comissão pela Libertação de Presos Políticos da Índia; e Mahesh Raut, militante contra remoções que trabalha em áreas de mineração na região central da Índia.
Em nota, a Comissão de Proteção dos Direitos Democráticos do país condenou a ação policial como uma “demonstração clara de terrorismo de Estado e desprezo completo do governo do BJP [Partido do Povo Indiano] pela lei”.
A marcha realizada em dezembro, chamada Elgar Parishad, foi organizada por uma coalizão de 260 organizações populares para marcar o bicentenário da vitória histórica de forças dalits contra o regime da casta dominante na batalha de Bhima-Koregaon. Com a participação de magistrados, lideranças partidárias e militantes da causa dalit, na ocasião também se buscou discutir formas de conter o fortalecimento da direita na Índia.
Resistência e retaliação
Em resposta aos ataques violentos de grupos de direita contra a mobilização de dezembro, Prakash Ambedkar, líder do movimento dalit, convocou uma greve em janeiro, realizada em todo o estado de Maharashtra com apoio de diversos grupos dalits, marathas e muçulmanos. A mobilização foi considerada um momento histórico de união de comunidades oprimidas contra o Estado neoliberal, fascista e bramânico da Índia.
Em retaliação, a polícia realizou ainda em janeiro uma ofensiva de prisões em massa em várias cidades do estado – organizações e veículos locais dão conta que mais de 5 mil pessoas foram detidas, a maioria dalit, incluindo menores de idade.
Nacionalismo impune
Além de Bhide, ligado ao primeiro-ministro indiano, outro líder supremacista hindu, Milind Ekbote, também é acusado pelos movimentos de ter instigado os atos de violência contra manifestantes dalits antes e depois da mobilização em Bhima-Koregaon. Ekbote até chegou a ser preso, mas foi solto em seguida sob fiança. Já Bhide sequer foi questionado pela polícia de Maharashtra sobre o caso.
Enquanto esses grupos nacionalistas seguem sem serem incomodados pela polícia, apesar das diversas denúncias de agressão e discriminação de casta, os ativistas detidos na semana passada foram considerados “agentes maoistas urbanos” e presos com base em uma Lei de Prevenção de Atividades Ilegais (Unlawful Activities Prevention Act – UAPA).
Manifesto de repúdio e apoio
A ação policial foi condenada por organizações na Índia e no mundo. Uma comunidade internacional de ativistas, advogados, artistas, acadêmicos, estudantes e cidadãos divulgou um manifesto internacional de apoio, condenando a “perseguição e as prisões ilegais” pela polícia de Maharashtra e exigindo a libertação imediata e incondicional dos manifestantes. “Todos os ativistas presos na manhã do dia 6 já estavam sofrendo assédio do aparato oficial, porque trabalham contra a violência promovida pelo Estado contra grupos oprimidos, como dalits, populações indígenas, muçulmanos e mulheres”, afirma a nota.
“A recente prisão desses militantes no contexto da agitação em Bhima Koregaon é suspeita, pois alguns dos detidos não estavam envolvidos na celebração nem nos conflitos que se seguiram”, explicam as organizações que assinam a nota. “No entanto, no contexto do regime fascista atual, isso cheira a uma ação bem-planejada e desesperada do Estado para calar todas as vozes que se levantam para desafiá-lo ou criticá-lo, da mesma forma como vem fazendo em diversas partes da Índia – Maharashtra, Chhattisgarh, Caxemira e na região nordeste, entre outros lugares", acrescentam as organizações.
O manifesto explica ainda que “hoje vivemos sob um Estado fascista que mata impunemente e fará de tudo para preservar as estruturas atuais de desigualdade alimentadas por forças neoliberais, capitalistas, patriarcais e discriminatórias, para proteger os interesses das grandes corporações, das classes dominantes e das castas”.
“Por um lado, o Estado está tentando deter o poder popular de desafiá-lo utilizando o mesmo poder e as mesmas plataformas concedidas pelo povo de boa fé e, por outro, promove uma nova forma de vigilantismo e vandalismo em que qualquer um que compartilhe da pauta do Estado e das corporações sai impune e aqueles que tentam proteger os valores constitucionais e democráticos são caluniados, ameaçados, presos e até mortos”.
“Julgamentos midiáticos, uma cultura de fake news e perseguição nas redes sociais estão sendo utilizadas para envenenar o público contra aqueles que ousam falar a verdade para os poderosos e também para gerar medo nos corações dos demais”. Para ler a nota na íntegra (em inglês) e assinar o manifesto, clique aqui.
*Com informações de The Dawn e NewsClick
Edição: Aline Scátola