A capital do Ceará, Fortaleza, é uma das cidades mais violentas do Brasil. Segundo o Atlas da Violência de 2017, o município ocupa o terceiro lugar no ranking de homicídios no país, com uma taxa de 46,75 casos para cada 100 mil habitantes.
Na madrugada do último sábado (27), a cidade viveu mais um capítulo da narrativa que hoje amedronta toda a população e mais ainda os moradores da periferia: uma chacina em uma casa de forró no bairro Cajazeiras terminou com 14 mortos e cerca de dez feridos. O episódio está sendo tratado como a maior chacina da história do Ceará e tem relação com o avanço de facções criminosas no estado.
"É uma situação muito preocupante, mas não é pontual. É uma situação que chegou ao nível crônico", afirma a defensora pública Gina Moura, da Rede Acolhe, setor da Defensoria Pública do Estado que está prestando assistência jurídica e psicossocial às famílias das vítimas.
A Rede levanta uma preocupação com o crescimento da violência, em especial nos espaços que abrigam a população mais pobre. Somente em 2017, o estado bateu recorde histórico no número de homicídios, que chegou a 5.134 casos – um aumento de mais de 50% em relação ao ano anterior. Em Fortaleza especificamente, o aumento foi de 96,4%.
Gina Moura destaca que as medidas relacionadas ao aparato de segurança não têm surtido efeito nos índices de violência e que o aumento do encarceramento no estado alimenta o crime dentro das prisões. Para se ter uma ideia, no Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa, o único do estado que abriga mulheres, o número de detentas subiu de 622, em 2016, para 950 em 2017. A unidade tem capacidade para 374 presas.
"A gente sabe que as facções se valem de situações de vulnerabilidade e que elas nasceram e se fortalecem dentro do sistema prisional. Na medida em que eu fortaleço a lógica do aprisionamento como solução de redução da violência, estou alimentando um câncer, estou dando um tiro no pé", analisa.
No espaço de um ano, o Ceará registrou oito chacinas, com 42 mortes ao todo. A maioria dos massacres foi associada à atuação de facções criminosas. Um dia após o ocorrido em Cajazeiras, o estado foi palco de uma nova matança, desta vez dentro da cadeia pública do município de Itapajé, onde uma rebelião terminou com dez mortos e oito feridos.
A chacina das Cajazeiras teve destaque na mídia internacional e deixou em alerta as autoridades do estado. Durante o final de semana, o governador Camilo Santana (PT) instituiu o Centro Integrado de Combate ao Crime Organizado. O órgão reúne setores de inteligência do Ministério Público, da Secretaria da Segurança Pública, da Secretaria da Justiça, da Polícia Federal e do Poder Judiciário e iniciou os trabalhos já nessa segunda-feira (29). O objetivo é atuar especialmente no combate ao tráfico de drogas, que mobiliza as facções.
Em entrevista coletiva dada na noite dessa segunda (29), o secretário de Segurança Pública do Estado, André Costa, admitiu que a capital vive um contexto de muita violência, mas as primeiras manifestações dele após a chacina na casa de forró tiveram muitas reações negativas. No final de semana, o secretário chegou a dizer que "não há perda de controle" por parte do governo e que o massacre seria um "caso isolado". Além disso, Costa afirmou que mais de 50% das pessoas mortas em chacinas seriam envolvidas com o crime.
O pesquisador Luiz Fábio, do Laboratório de Estudos da Violência (LEC) da Universidade Federal do Ceará (UFC), questiona o posicionamento do secretário e aponta que há negligência por parte do Estado, especialmente com a população mais vulnerável ao tráfico.
"Ele está jogando com a opinião pública pra tentar manter algo que sempre aconteceu no Ceará: as mortes de pessoas pobres, de jovens pobres, negros das periferias são tratadas como mortes de bandidos, independentemente do que essas pessoas façam", critica.
Jovens
Na engrenagem da violência, destacam-se, entre outras coisas, os assassinatos da população mais jovem. Para se ter uma ideia, somente em 2017 houve 981 homicídios de adolescentes no estado. A chacina ocorrida no bairro Cajazeiras é emblemática em relação ao problema: entre os 14 mortos, havia duas adolescentes, sendo uma de 15 e outra de 17 anos, e ainda seis jovens com idade entre 19 e 25 anos.
O ouvidor de Direitos Humanos do estado, Cláudio Silva, que acompanha casos de violação de direitos, destaca a situação de vulnerabilidade da população jovem da periferia, que acaba virando alvo do tráfico e presa fácil da violência.
Ele aponta a necessidade de políticas para lidar com esse público, em especial ações de educação, assistência social e geração de emprego. "Deve chegar nessas áreas não só a presença da polícia, mas uma combinação de políticas para superação dessa situação", defende.
O relator do Comitê Cearense pela Prevenção dos Homicídios na Adolescência, deputado estadual Renato Roseno (PSol), assinala ainda a dificuldade do Estado em trabalhar a prevenção da violência. Ele destaca que tal atuação precisaria se dar em três diferentes níveis, envolvendo um trabalho com toda a sociedade, mas também ações focadas nos grupos mais vulneráveis e ainda nas pessoas que já estão em situação de violência.
"São necessários planejamento específico; regularidade nas ações; pactuação com várias instituições, porque só existe prevenção se for intersetorial; mas, sobretudo, o sentido de urgência e a decisão política", finaliza.
Edição: Nina Fideles