Feminicídio

Dossiê que expõe aumento de 54% dos homicídios de mulheres negras é entregue à OEA

Documento foi entregue à Margarette Macaulay em uma audiência pública em São Paulo (SP) nesta sexta-feira (30)

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Mães de Maio, Mães Mogianas e outras militantes contra a violência contra mulheres negras tiram foto com relatora de Direitos de Afrodescendentes e Mulheres da OEA, Margarette Macaulay
Mães de Maio, Mães Mogianas e outras militantes contra a violência contra mulheres negras tiram foto com relatora de Direitos de Afrodescendentes e Mulheres da OEA, Margarette Macaulay - Júlia Dolce/Brasil de Fato

Dezenas de mulheres negras se reuniram na manhã desta sexta-feira (30) em uma audiência pública para denunciar as múltiplas violações de direitos das quais foram e são vítimas à Organização dos Estados Americanos (OEA). A entidade estava representada pela relatora de Direitos de Afrodescendentes e Mulheres, Margarette Macaulay, que recebeu um dossiê sobre a violência sofrida por mulheres negras no Brasil. O evento aconteceu no auditório do Hotel Paulista Wall Street, em São Paulo (SP).

Este encontro foi resultado de um relatório inicial que reunia diversas estatísticas de violência contra a população de mulheres negras no Brasil, e foi apresentado à OEA em abril. Entre os dados, estão os de homicídios de mulheres negras no Brasil, que aumentaram 54% em dez anos, segundo um estudo elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flasco). No mesmo período, o número de assassinatos de brancas caiu 9,8%.

O dossiê também expõe que o Brasil não possui programas voltados para o enfrentamento da violência contra mulheres negras, apesar de ser signatário de pactos internacionais contra a violência contra as mulheres e de ter uma legislação específica, a lei a Maria da Penha.

Na ocasião, foram encaminhadas recomendações à entidade, entre elas, a de enviar um representante para conferir pessoalmente as violações. A audiência pública foi organizada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com apoio do Geledés - Instituto da Mulher Negra, da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras, da ONU Mulheres Brasil e da Fundação Race & Equality.

"Tudo está ruim"

A relatora da OEA se emocionou com os  diversos depoimentos emocionados de mães que perderam seus filhos para a violência policial, mulheres vítimas de estupro e de violência doméstica, e familiares de mulheres assassinadas por crimes de homofobia e transfobia. Ao final, ela agradeceu a possibilidade de "olhar nos olhos" das vítimas das denúncias que já haviam chegado a ela. 

"Ouvir tantas mulheres hoje foi muito chocante. O Brasil é um país incrível para sediar tantas violações", concluiu. A relatora disse que pretende levar as denúncias à OEA e pressionar às investigações de cada caso.

"Eu sei que as eleições municipais estão vindo e gostaria de voltar para o Brasil e ver mulheres negras ocupando a política, o Congresso Federal. Temos que estar presentes em todos os níveis de decisão e exercer o poder para conseguirmos alcançar a mudança mais rapidamente", concluiu a relatora no final da audiência.

Para o Brasil de Fato, Macaulay afirmou que ficou chocada com a situação das violações de direitos no Brasil. "A situação do Brasil é bem ruim. Há outros países onde preciso ir, de onde tivemos relatórios, mas na sua maioria são relacionados aos direitos sexuais e reprodutivos da mulher. Mas aqui é mais do que isso, é isso, mas também é etnicidade, cor, raça, gênero, classe social e idade. Tudo está ruim", afirmou Macaulay.

A presença de representantes de movimentos como as Mães de Maio e as Mães Mogianas, em conjunto com as outras mulheres vítimas e militantes independentes da violência do Estado, racismo e patriarcado, para a Nilza Iraci, presidenta e coordenadora do Geledés, foi algo inédito.

"Geralmente essas mulheres estão lutando isoladas, cada uma no seu quadrado, e quem é chamado para esses eventos são pesquisadores. Desde que pedimos a audiência nós buscamos essas pessoas que estão ou não no relatório inicial, pessoas reais, para se apresentarem, porque a gente apresenta dados estatísticos, mas eles não sabem quem são essas pessoas. Por isso optamos por chamar as próprias mulheres", afirmou Nilza.

Nilza ainda destacou que foi um desafio reunir todas as militantes, mas que a união foi muito importante para seu fortalecimento. "A relatora até chorou na mesa, e as mulheres estão agradecendo porque elas sempre estão por trás dos números".

Para a representante do Geledés, esse é o caminho para fortalecer essas mulheres. "Não foi fácil reunir todas elas. Algumas têm que estar protegidas, por segurança, mas elas confiaram em nós, porque viram que era sério e importante. Isso dá um clima de esperança e valoriza um pouco da auto estima delas", avaliou.

Esperança

Para Mara Lucia Sobral Santos, representante de um grupo de mulheres em situação de rua e catadoras de papelão para reciclagem, a oportunidade proporcionada pela audiência foi muito importante.

"A importância de estarmos juntas em um espaço, podendo falar e ser ouvidas, é muito grande. Precisamos relatar nossas violências para que as pessoas ouçam. O fato de a gente estar relatando isso para a OEA, esperando uma intervenção, é muito importante, porque os gritos por socorro já foram dados. Temos aqui mulheres das chacinas de maio de 2006, de Carandiru, de Osasco, e nunca houve retorno a nenhuma delas, não existe punição. Nossa legislação é falha", denunciou.

"Eu mesmo, como moradora de rua e catadora de papelão, nunca imaginei que seria ouvida por alguém lá de fora, que se importaria com nosso país. Os países têm uma falsa visão de que aqui não existe racismo, não existe guerra, mas nós vivemos um genocídio constante das mulheres negras e meninos da periferia. Eu faço 50 anos em fevereiro, e é histórico na minha vida ter sido ouvida aqui sobre as violências que uma moradora de rua passa. Isso é muito importante para a nossa resistência", disse Mara.

Edição: Camila Rodrigues da Silva

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