“Desde a carta de 1534 [de Pero Vaz de Caminha], é reconhecida a posse de terra por parte de indígenas", disse o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, ao apresentar o voto que reconheceu os direitos de posse de 14 povos que vivem na região do Parque Nacional do Xingu, no Mato Grosso. A decisão de Mello, relator do caso, foi acompanhada unanimemente pelos demais ministros.
As lideranças e entidades que representam as comunidades indígenas de todo o país comemoraram a decisão.
Os outros dois julgamentos que também estavam previstos para esta quarta foram adiados pelo STF. O primeiro diz respeito à polêmica do chamado “marco temporal”, que define os direitos de posse dos indígenas sobre seus territórios somente a partir da Constituição de 1988. O outro trata de um decreto que regulamenta terras quilombolas. Eles ainda não têm nova data para julgamento.
Para Luiz Henrique Eloy, advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a decisão do STF, favorável aos povos indígenas, põe fim a uma angústia histórica das comunidades. “Foi uma decisão importante porque os ministros reconheceram que a terra é indígena, portanto, nunca foi do estado, pois terra indígena é direito originário e jamais pode ser de domínio do estado ou de um particular”, disse, logo após a sessão do STF.
O estado de Mato Grosso pedia que o STF condenasse a União ao pagamento de uma indenização por suposta incorporação indevida de terras estaduais na época em que a demarcação da área indígena foi feita pela Fundação Nacional do Índio (Funai), na década de 1960.
Ministros
Durante a sessão, os magistrados entenderam que a alegação não se sustenta e que o estado não conseguiu provar a suposta propriedade do perímetro em questão.
“Além disso, desde a carta de 1534, é reconhecida a posse de terra por parte de indígenas, que estavam permanentemente localizados nela”, acrescentou o relator do processo, ministro Marco Aurélio Mello, citando o histórico documento do navegador português Pero Vaz de Caminha.
O magistrado também lembrou que o reconhecimento da posse desses territórios pelos indígenas está garantido não só na Constituição Federal de 1988 como foi assegurado nas outras Cartas Magnas que o país já teve. Ele citou ainda estudos antropológicos que atestam cientificamente a presença de indígenas no Brasil ao longo de centenas de anos.
Quilombolas
Para Givânia Silva, da Confederação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conac), o placar da votação é resultado de uma luta conjunta travada por indígenas e quilombolas não só no Judiciário, mas nos demais poderes da República.
“Eu celebro com os índios essa primeira vitória, na expectativa de que, assim que o processo sobre os quilombolas for posto em pauta novamente, nós possamos ampliar essa vitória da história de resistência dos povos contra a ditadura dos opressores”, disse a dirigente, em entrevista ao Brasil de Fato.
Ela se refere também ao processo que seria julgado pelo Tribunal, referente à regulamentação de terras de quilombos. A apreciação do caso acabou sendo adiada, mas, segundo a Conac, as comunidades permanecerão articuladas pelo reconhecimento dos territórios.
Nessa terça-feira (15), lideranças indígenas e quilombolas entregaram à presidente do STF, ministra Carmen Lucia, um abaixo-assinado com 70 mil assinaturas pedindo a consideração dos direitos das comunidades nos referidos processos. A Conac pretende alcançar 200 mil assinaturas nas próximas semanas.
“O que está se colocando não é simplesmente uma ação, e sim vidas que estão em jogo”, disse Givânia Silva, acrescentando ainda que a matéria é de interesse nacional e tem relevância para a preservação do meio ambiente.
Edição: Vanessa Martina Silva