Há cerca de 14 anos, o povo indígena Guarani Nhandéva da aldeia de Posto Velho, no estado do Paraná, aguarda a demarcação de suas terras. A história dos indígenas com esse território, no entanto, começa muito antes. No ano de 1918, o povo foi expulso da região e conseguiu retornar apenas nove décadas depois.
O cenário que encontraram foi muito diferente do qual deixaram a terra, segundo conta Nelson Luiz Camargo, ou Ava Vyraidja, como é seu nome em guarani. “Ao retornar a essa terra, em 2005, a encontramos toda degradada, e as minas contaminadas. A gente sofre muito com agrotóxico. Eles não respeitam nossas escolas e nossas crianças. É muito difícil para nós", relata.
Segundo explica o geógrafo Bernardo Mançano, os povos estabelecem diferentes relações com o território que ocupam. “Os povos indígenas sempre construíram uma compreensão de território não separado, indissociável do sujeito. Ou seja, o sujeito é território e a terra é território.”
Ao longo da história, porém, projetos econômicos e de governo têm se apropriado desses territórios. Essa discussão é um dos temas principais do Seminário Terra e Território: Diversidade e Lutas, que acontece entre os dias 6, 7 e 8 de junho em Guararema (SP) e reúne mais de 50 organizações.
Territórios em disputa
Há cerca de 15 anos, Bernardo Mançano, que também é professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), tem se debruçado sobre o tema. Hoje, ele afirma que os territórios estão em disputa a todo momento e têm sido usados como ferramentas para dominar populações camponesas e indígenas, e submetê-las a um modo de produção que não é o seu.
"Um camponês hoje que planta uma commoditie tem o seu território, mas não tem a territorialidade. A territorialidade é do agronegócio, que determina o que vai ser produzido no território dele", explica Mançano.
O geógrafo conta que muito tem sido feito para transformar o entendimento clássico da geografia, que compreende o território apenas como uma área espacial. Segundo ele, é preciso entender o território como algo que é transformado e também transforma os povos que nele vivem.
Os exemplos, afirma, estão mais próximos do que se pode imaginar. "Onde eu estou: na escola, no trabalho, movimento que eu participo, isso também está me produzindo. É um território que me produz o tempo todo. Se eu fico em casa, assistindo televisão e vendo a mídia capitalista, é ela que está me produzindo".
Construção de caminhos
Apesar do cenário, Mançano explica que existem alternativas de territórios que sejam autônomos, e não subordinados. Os principais atores são os povos do campo e os indígenas, que promovem o desenvolvimento sustentável de suas terras, respeitando suas culturas e o meio ambiente.
No Semiárido brasileiro, os agricultores têm mostrado que é possível transformar seu território por meio de suas próprias iniciativas. No início da década de 2000, a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) deu início ao Programa Um Milhão de Cisternas, que buscava levar a tecnologia de armazenamento de água para as famílias e driblar as dificuldades de acesso à água na região.
A história começou com um agricultor sergipano que, com o conhecimento que adquiriu no trabalho em São Paulo construindo piscinas, voltou para sua terra natal e desenvolveu a tecnologia das cisternas.
"Tem sido a partir das experiências de agricultores e agricultoras em seus quintais, com suas tecnologias, que a gente tem apresentado para o Brasil e para o mundo que o Semiárido é uma região sim de potencialidade e possibilidade, e produção de conhecimento", conta Cristina Nascimento.
O professor Bernardo Mançano defende também que, apesar da pressão do modelo econômico, iniciativas como essas são construídas não apenas no Brasil. “Posso ir em qualquer país do mundo e vou encontrar experiências populares de alimentação, saúde, moradia. Ou seja, como o neoliberalismo quase destruiu o Estado, a população organizada está reconstruindo esse Estado desde baixo, e um Estado que garanta a sua própria resistência”.
*Com colaboração de Katarine Flor e Pedro Stropasolas.
Edição: Vivian Fernandes