Minga significa trabalho coletivo em espanhol. Mobilização pacífica e harmônica. E isto é o que se propuseram mais de 100 mil pessoas por toda a Colômbia, desde o último dia 30 de maio. Através de acampamentos, bloqueios de estradas, marchas, panelaços e atividades culturais no campo e na cidade, contra o modelo neoliberal do presidente Juan Manuel Santos, e exigem que se cumpra o pactuado nos últimos anos.
Convocados pela Cúpula Agrária, Camponesa, Étnica e Popular – espaço de articulação que surgiu depois da Paralisação de 2013 –, 80 pontos de mobilização em 22 estados colombianos são mantidos na Paralisação Nacional. Logo da negativa do governo em negociar, na madrugada desta sexta-feira (10) confirmou-se a instalação de uma mesa de negociação em nível nacional.
Os antecedentes desta mobilização remontam ao ano de 2013, quando uma paralisação nacional de características similares, os movimentos populares conquistaram uma mesa de diálogo nacional com o governo, que desembocou, em maio de 2014, na assinatura de certos acordos e compromissos. Os mesmos foram referendados em junho de 2015, e, até o momento, os avanços em seu cumprimento são quase nulos.
Dos sete grandes eixos (ver lista abaixo), foi decidido a abordagem de quatro: Economia própria contra os despejos; Mineração, energia e ruralidade; Cultivos de coca, maconha e amapola; e Terras e territórios.
A Cúpula Agrária afirma, em nota pública sobre os acordos, que foram abordados três eixos durante esses dois anos, e acrescenta que “se o governo tomou algumas determinações e direcionou alguns recursos, o cumprimento dos acordos foram verdadeiramente ínfimos e a vontade política foi desaparecendo, ao ponto de desgastar os espaços de interlocução, dilatar os acordos e tomar determinações que violam os acordos assinados, assim como perseguir, estigmatizar e judicializar aos líderes sociais da Cúpula Agrária”.
“Não nos vão fazer tremer a mão”
“Mas o que eles atiram? Mata?”, perguntavam os guardas indígenas em Chocó, estado da região do Pacífico colombiano. Eles se referiam ao Esquadrão Móvel Antidistúrbios (Esmad), a mais violenta força repressiva do Estado, segundo os movimentos. Nunca o haviam visto, até que receberam suas balas e se afogaram em seu gás lacrimogêneo. E sim, matam. E apontam à cabeça.
Como no Vale do Cauca, estado da região oeste do país, onde foram registradas três mortes de indígenas que participavam da Miga, a mãos de armas não convencionais – modificadas para que sejam mais agressivas – empunhadas pelo Esmad. No entanto, na maioria dos casos, o esquadrão não reprime somente, mas também que o fazem acompanhado do Exército e da polícia convencional. Em várias regiões se tem registros de encapuzados com grandes armas atacando aos manifestantes.
Enquanto se negocia a paz e a solução ao conflito armado na Colômbia, o tratamento do governo ao protesto camponês, étnico e popular tem sido de guerra, como se pode ver pelos números. Até o momento, há 172 detidos, 104 judicializados e 2015 feridos. E o governo ameaça com o incremento da repressão.
No geral, os policiais tinham começado seus ataques surpresa com ataques de madrugada, aproveitando o resguardo da noite, enquanto as famílias descansavam em seus acompanhamentos. A oficina na Colômbia do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, mediante uma nota publicada em seu página web, lamentou a morte dos três indígenas e exigiu que os acontecimentos sejam esclarecidos. Ao mesmo tempo, o órgão da ONU solicitou a tomada de medidas para que situações como esta não se repitam e expressou sua “profunda preocupação” pelos feridos, a judicialização massiva de pessoas e a estigmatização dos participantes dos protestos.
O presidente Santos disse, em declarações à imprensa: “Não nos vão fazer tremer a mão para proteger os direitos dos outros colombianos”, em referência aos despejos nas estradas. O governo vinha dilatando as conversas e não havia se mostrado disposto a negocias, ao passo que afirmava estar avançando nos acordos firmados. A contradição chegou ao ponto de anunciar, através dos ministros do Interior e da Agricultura, que se havia alcançado um acordo para iniciar negociações e desobstruir a estrada Panamericana – a mais importante via de transporte de mercadorias e que cruza todo o continente –, quando esse acordo não existia.
Até o momento, o governo havia buscado negociar regionalmente e alcançar acordos pontuais. Através desta prática, tentou fragmentar a mobilização e avançar nos pontos de bloqueio que considerava centrais despejar. Contudo, Edgar Mojica, porta-voz do Congresso dos Povos, em declarações à Alba Movimentos, expressou: “O critério é se saímos juntos, vamos juntos”. E acrescentou: “A mobilização é uma, com dinâmicas próprias de acordo aos acumulados que se tenham nas regiões, mas com um claro caráter regional”.
Na madrugada desta sexta (10), logo de uma reunião entre representantes da Cúpula Agrária e o governo nacional, chegou-se a um acordo para montar a mesa de negociação nacional, principal reivindicação e condição da Cúpula durante a Minga. Este espaço de negociação começa os trabalhos nestes momentos. Assim, se desbloqueiam as vias durante 36 horas, mas as comunidades se declaram em assembleia permanente e, passado esse prazo, eles decidirão se terminam o protesto ou voltam a bloquear as rotas de transporte.
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O que implica cada eixo de reivindicação e o que se avançou?
1. Terras, Territórios coletivos e Ordenamento territorial: implica a reforma agrária integral; reconhecimento das figuras de reordenamento territorial de especial proteção para os povos, comunidades étnicas e os camponeses; reconhecimento dos camponeses como sujeitos de direitos e de participação social.
Situação: Em matéria de terras, dos projetos que foram entregues pelo Ministério de Agricultura para a aquisição de terras, não foi gestado nenhum. O governo liquidou o instituto que regularia este processo, no que te a ver com as aspirações de regulamentação e dinamização das Zonas de Reserva camponesa, tampouco há avanços.
2. Mineiro-Energética, Ruralidade e Água: Busca pela geração de uma nova política mineiro-energética; e, entre outras coisas, a eliminação da declaração da mineração como de utilidade pública e interesse nacional, a proibição das concessões mineiro-energéticas em territórios de especial proteção e em territórios coletivos indígenas, camponeses e de comunidades negras, a exigência de licenças sociais para a exploração mineiro-energética e proibição do fracking.
Situação: De acordo com a Cúpula, o diálogo está interrompido e o governo não contemplou as demandas dos movimentos sociais.
3. Economia própria frente aos despejos: Busca garantir a recuperação, reprodução e livre distribuição de sementes nativas e sua prevalência frente a outro tipo de sementes; criar um sistema nacional de reconversão produtiva em direção à agroecologia, reconhecendo e incluindo as experiências avançadas pelas comunidades. Reconhecimento e proteção legal das economias próprias dos povos indígenas e comunidades camponesas e afrocolombianas.
Situação: Segundo a Cúpula Agrária, o governo vem tomando medidas no sentido contrário, fortalecendo o modelo de concentração de terras e o agronegócio.
4. Direitos humanos e paz: No documento, a Cúpula respalda e exige a paz, mas com justiça social. Não somente um silenciamento dos fuzis se não a construção de outro modelo de país na democracia, com garantias a programas sociais, redistribuição das riquezas, reconhecimento e tratamento às vítimas, proteção individual e coletiva. Desmonte do Esmad e acabar com o paramilitarismo, entre outros.
Situação: Em setembro de 2015, a Cúpula Agrária entregou ao governo da Colômbia um documento reportando o aumento de acontecimentos contra seus membros: 172 ameaças, 47 atentados, 23 execuções extrajudiciais, 62 homicídios e a militarização e presença constante de grupos paramilitares em seus territórios.
5. Comunicação e direito à informação para a paz: A lista oficial de demandas exige uma democratização da comunicação e a potencialização de meios alternativos e comunitários. Exige também garantias para a participação dos povos indígenas e comunidades negras e camponesas na construção de uma política pública de comunicação que reconheça uma Colômbia multiétnica e multicultural.
Situação: Não avançou.
6. Relação campo-cidade: Entre as demandas, Cúpula Agrária remarca a tradicional e a evidente relação de subordinação do campo à idade e aponta a urgência em “eliminar as falsas barreiras prescindíveis entre cidade e campo, para avançar na aliança popular”. Neste sentido, exige a proteção de todas as fontes de água do país, em especial daquelas que abastecem as grandes cidades e as zonas de produção agrícola, o desmonte dos megaprojetos que ameaçam as fontes hídricas e sua pureza, garantias de regresso aos campos às pessoas que vivem nas cidades em função dos deslocamentos forçados, quer seja por motivos de violência ou de construção de megaprojetos.
Situação: Não avançou.
7. Acordos não-cumpridos: Este ponto se refere aos acordos não-cumpridos pelo governo nacional, os quais incluem todos os pontos anteriores. Além da ausência total de resposta do governo nos pontos de Economia Própria e Mineração-energia e Ruralidade, a Cúpula pontua oito pontos não-cumpridos mais.
*Tradução e edição: Vivian Fernandes
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