Genocídio

Palestinos chegam ao norte de Gaza e encontram ruínas onde ficavam suas casas; mais de 376 mil retornaram

Enquanto população necessita de ajuda, Israel anuncia fim de relação com agência da ONU, principal assistência na região

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Mais de 60% dos edifícios no território palestino foram destruídos durante os 15 meses de ataques israelenses - OMAR AL-QATTAA/AFP

Após o acesso ao norte da Faixa de Gaza ser autorizado por Israel na última segunda-feira (27), milhares de palestinos deslocados pela guerra retornam à região e encontram ruínas nos locais onde estavam suas casas. 

Muitos moradores começaram a voltar para a Cidade de Gaza no primeiro dia da trégua, em 19 de janeiro, e após muitos dias de caminhada testemunharam a paisagem cheia de escombros e poças de esgoto.

Mais de 60% dos edifícios no território palestino foram destruídos durante os 15 meses de ataques israelenses. As autoridades de Gaza começaram a limpar as ruas, mas o trajeto é trabalhoso, especialmente para famílias com crianças pequenas.

Entre a maré humana que finalmente conseguiu acessar o que antes era a Cidade de Gaza, um homem se ajoelha no chão para pegar um punhado de terra e cheirá-la.

Ao seu redor, rostos sorridentes se misturam com olhares incrédulos. Alguns fazem o "V" da vitória com os dedos, enquanto outros ficam atordoados com a paisagem de desolação.

"É nossa primeira noite juntos" depois de um longo tempo separados, diz Mona Abu Aadrah, uma jovem de 20 anos que acaba de se reencontrar com seus três irmãos.

A menina se refugiou por meses com seus pais ao sul do enclave palestino, em uma escola em Deir al Balah, que foi transformada em um acampamento para deslocados que tiveram que fugir de casa por causa dos bombardeios e dos combates.

Segundo seu relato, a casa da família foi "destruída", eles "não têm colchões, cobertores, nem água limpa". Para passar a noite, eles montaram uma barraca, presa ao único cômodo que ainda conserva parte de suas paredes.

"Estamos todos felizes por estar de volta, mas nossa situação é catastrófica", admite Mahmud Kashko, de 52 anos.

Mais de 376 mil deslocados pela guerra entre Israel e o Hamas retornaram ao norte da Faixa de Gaza, segundo informou nesta terça-feira (28) o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha).

"Calcula-se que mais de 376 mil pessoas retornaram aos seus locais de origem no norte de Gaza, após a retirada das forças israelenses das duas principais estradas ao longo do corredor Netzarim", que leva ao norte do território, indicou o Ocha em um comunicado.

Israel encerra acordo com agência para refugiados

ONGs se esforçam para distribuir ajuda emergencial aos deslocados. Entre os itens mais necessários estão barracas, comida, medicamentos e material para consertar as infraestruturas. 

Apesar da necessidade de ajuda humanitária, Israel anunciou, também nesta terça-feira, que encerrará todo contato com a agência da ONU para os refugiados palestinos, UNRWA, a partir de 30 de janeiro.

De acordo com o embaixador de Israel na ONU, Danny Danon, a agência tem até a data mencionada para desocupar todas as suas instalações em Jerusalém, incluindo Jerusalém Oriental, anexada por Israel, assim como escolas e centros de saúde.

Além disso, "Israel encerrará toda colaboração, comunicação e contato com a UNRWA e qualquer um que atue em seu nome", insistiu o diplomata, diante da possibilidade de Estados-membros ou outras agências atuarem como intermediários entre a UNRWA e as autoridades israelenses.

O anúncio segue a decisão do Parlamento israelense em outubro, após o país acusar a agência de estar infiltrada pelo Hamas e alguns de seus funcionários de terem participado do ataque sem precedentes em solo israelense em 7 de outubro de 2023.

Com a denúncia, o Escritório de Serviços de Supervisão da ONU fez uma investigação, concluída em agosto, e informou que “não conseguiu autenticar de forma independente as informações usadas por Israel para apoiar as alegações". Contudo, demitiu nove funcionários da UNRWA que “poderiam ter se envolvido nos ataques” do grupo palestino. 

Por sua vez, o diretor da UNRWA, Philippe Lazzarini, afirmou ao Conselho de Segurança que "os ataques implacáveis contra a UNRWA colocam em risco as vidas e o futuro dos palestinos no território palestino ocupado".

A nova legislação israelense, que vai "prejudicar" a UNRWA, "zomba do direito internacional", "ignora as resoluções deste Conselho e da Assembleia Geral" e "impõe enormes obstáculos" às suas operações, denunciou.

Porém, "mesmo assim, estamos determinados a ficar e fazer nosso trabalho até que não seja mais possível", ele insistiu. Os escritórios e a equipe da UNRWA em Israel desempenham um papel vital no fornecimento de assistência médica e educacional nos territórios palestinos ocupados.

A agência afirma ter fornecido 60% dos alimentos que chegaram a Gaza desde o início da guerra que eclodiu após os ataques de 7 de outubro de 2023 contra Israel.

Trump e Netanyahu

A decisão de Israel foi apoiada pelos Estados Unidos, seu maior parceiro e financiador para o genocídio palestino na Faixa de Gaza. O país também interrompeu suas doações à agência após Tel Aviv denunciar o suposto envolvimento com o Hamas. 

"Os Estados Unidos apoiam a implementação desta decisão", afirmou no Conselho de Segurança da ONU Dorothy Shea, representante de Washington na ONU, que sugeriu que os oficiais da UNRWA estariam "exagerando os efeitos das leis".

No mesmo dia, o gabinete do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, informou que o mandatário foi convidado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, para uma reunião na Casa Branca na próxima terça-feira (4). 

"O primeiro-ministro Netanyahu é o primeiro líder estrangeiro a ser convidado para a Casa Branca durante o segundo mandato do presidente Trump", diz o comunicado.

O anúncio da reunião ocorreu após o presidente estadunidense atribuir a si mesmo os créditos pelo acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas em Gaza. No entanto, o acordo de trégua foi selado após meses de negociações indiretas, com a mediação dos Estados Unidos sob o governo do ex-presidente Joe Biden (2021-202), Egito e Catar.

Após tomar posse em 20 de janeiro, Trump anunciou que permitirá a entrega a Israel de bombas de 900 kg. Netanyahu, por sua vez, agradeceu a Trump por fornecer a Tel Aviv as "ferramentas necessárias" para se defender.

*Com AFP 
 

Edição: Leandro Melito