O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, rebateu as críticas sobre "fraude" nas eleições presidenciais e disse que essas acusações não são "novas na política venezuelana". Em entrevista ao jornalista Breno Altman, do Opera Mundi, o mandatário venezuelano voltou a defender o sistema eleitoral do país e afirmou que o número de eleições já realizadas demonstra isso.
"Esta não é a primeira vez, não há nada de novo. Temos sido acusados, desde o início da Revolução Bolivariana, de algo impossível de fazer. A Venezuela construiu um sistema eleitoral absolutamente auditável. Digam-me: em que parte do mundo existe um sistema eleitoral que é auditado 15 vezes? 15 auditorias! Nosso povo sabe, as instituições sabem, o Supremo Tribunal de Justiça fez uma avaliação tremenda do processo e ficou demonstrado, tal como nas 31 eleições anteriores que realizamos, que se trata de um processo em que prevaleceu a soberania popular", disse o presidente.
Durante a conversa, Maduro também voltou a criticar os governos estrangeiros, como os dos Estados Unidos, não reconhecerem sua vitória, legitimada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) do país. "Todos os acordos que fizemos [com os EUA] foram totalmente violados e desrespeitados por eles, nunca foram cumpridos, apenas serviram de pretexto para preparar mais uma vez o terreno para a desestabilização da Venezuela", afirmou Maduro.
"[O] nosso povo sabe, as instituições sabem, o STJ sabe. Ficou demonstrado, tal como nas 31 eleições anteriores que realizamos - realizamos 31 eleições em 25 anos, um recorde mundial -, ficou demonstrado, que se trata de um processo em que prevaleceu a soberania popular", explicou o mandatário.
O presidente venezuelano também falou sobre uma guinada para a extrema direita das redes sociais, além do papel das ferramentas na tentativa de golpe de Estado contra o seu governo, ao dizer que, na Venezuela, "nada menos que US$ 1 bilhão (R$ 6,1 bilhões) foi investido pela 'oligarquia tecnológica', donos das grandes redes [sociais]".
Segundo ele, "Facebook, Instagram, X, TikTok, criaram uma situação nacional e internacional que acreditavam ser infalível. O primeiro golpe ciberfascista da história moderna da América Latina, e poderia dizer da humanidade, e o derrotamos em 48 horas, e fomos consolidando a vitória".
Relação com o Brasil
Maduro também falou sobre a crise diplomática envolvendo o governo venezuelano e o brasileiro nos últimos meses. Segundo o presidente, a questão é uma "página que precisa ser virada".
"Penso que temos de virar a página e olhar para o futuro e abrir caminho, porque a Venezuela pertence aos Brics há 200 anos. Aquele que pensou e concebeu os Brics… Brics escreve-se com B de Brasil, não é? Nós falamos em espanhol que B é o B de Bolívar", afirmou.
A cúpula do Brics realizada em Kazan, na Rússia, ficou marcada por uma tensão diplomática envolvendo Brasil e Venezuela após o governo brasileiro vetar a entrada dos venezuelanos no bloco como Estado parceiro. A medida esfriou ainda mais uma relação que já não vai bem desde as eleições no país vizinho.
O veto aos venezuelanos não foi justificado publicamente pelo governo de Lula. O presidente não compareceu ao evento e enviou o chanceler, Mauro Vieira, para chefiar a delegação. Nenhum deles, no entanto, explicou porque barrou a entrada dos venezuelanos no bloco. Caracas afirma que a decisão foi uma “punhalada nas costas” e que a medida de “ingerência” do governo brasileiro é uma forma de interferir na política local.
A temperatura entre os dois só baixou depois que Maduro elogiou a declaração de Lula, que afirmou respeitar as instituições venezuelanas. Segundo Maduro, a fala foi uma reflexão “sábia” do petista e completou: “Ponto a favor de Lula”.
Reforma constitucional
Durante a entrevista, Nicolás Maduro também falou sobre a reforma constitucional, um dos projetos fundamentais que pretende levar adiante no seu governo.
"A reforma constitucional, em primeiro lugar, é um grande diálogo nacional, é um grande debate nacional. Na Venezuela não se pode reformar uma única palavra da Constituição sem debater com o povo e sem um referendo. É impossível".
O Parlamento venezuelano pode, segundo as leis do país, reformar a Constituição, "mas tem de realizar um referendo [popular] com a reforma que estabelece". "A soberania do povo é intransmissível, como diz nossa Constituição, e o poder constituinte reside no povo; por isso é o povo que pode fazer e mudar uma Constituição", afirmou Maduro.
Sobre as declarações dos governos opositores quanto a reforma constitucional no país, que argumentam que ela acabaria com a democracia representativa e eleitoral, o presidente disse que "a oposição e a direita não podem dizer que eu vou acabar com a democracia representativa e eleitoral, porque [eles] dizem que ela não existe, portanto, é uma contradição deles próprios".
Para a reforma, Maduro afirmou que propõe "três questões principais: uma, a expansão da democracia, a democracia verdadeira, social, direta, dando poder ao povo, para sempre superar a democracia das elites".
"Este é um seguro democrático que estabelecemos em 1999, por proposta do Comandante Chávez, eu fui constituinte em 1999, e por isso todo esse debate sobre a reforma vai ser feito com o povo, procurando o consenso da sociedade, sobre as grandes mudanças que o Estado, a sociedade e a economia precisam", finalizou.
Controle da economia venezuelana
Maduro também foi questionado sobre as críticas a "políticas liberais" adotadas pelo seu governo. Se nos primeiros seis anos Maduro tentou controlar os preços dos produtos, ampliar as missões e subir os salários de forma constante, no segundo mandato ele promoveu uma abertura de capital, segurou os gastos públicos e tentou controlar a inflação.
Com essas medidas, o governo conseguiu reduzir o aumento dos preços e controlar o câmbio do país. Segundo Maduro, o contexto de uma guerra econômica imposta pelas sanções dos Estados Unidos faz diferença para pensar e estabelecer políticas econômicas próprias no país.
"Depois de um bloqueio que se mantém, você tem que ver se você produziu ou não produziu. Nós tivemos o cuidado de construir o nosso próprio plano econômico e posso dizer com orgulho, como disse no dia 10 de janeiro quando tomei posse, que o nosso pensamento econômico nesta fase é Made in Venezuela, é nosso, aqui nós não aplicamos políticas nem do Fundo Monetário Internacional nem do Banco Mundial, não temos nada a ver com o neoliberalismo, nem o do fascista Milei, nem o neoliberalismo ao estilo do Fundo Monetário. Aqui na Venezuela tudo o que se faz é feito em diálogo nacional, temos grandes consensos em matéria econômica e podemos ter o orgulho de ter construído, no meio da mais terrível guerra econômica feita contra nós", afirmou.
Edição: Nathallia Fonseca