Luta pela terra

MST lança carta aberta e diz que vai pressionar Lula por assentamento de 100 mil famílias

Movimento denuncia 'paralisação' da reforma agrária em documento que sintetiza encaminhamentos de reunião em Belém (PA)

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Ouça o áudio:

O posicionamento ocorre em paralelo às recentes e constantes críticas de lideranças do movimento ao governo federal
O posicionamento ocorre em paralelo às recentes e constantes críticas de lideranças do movimento ao governo federal - Gabriela Moncau/Brasil de Fato

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) denunciou a “paralisação” do programa de reforma agrária em uma carta aberta, publicada nesta sexta-feira (24), com os próximos compromissos da organização.

O documento demarca as posições do movimento ao final da reunião da Coordenação Nacional do movimento, que pela primeira vez em 41 anos aconteceu na região amazônica, em Belém (PA).

Uma das metas descritas pela organização é “pressionar o governo para assentar as 100 mil famílias sem-terra acampadas, demarcar os territórios indígenas e reconhecer os territórios quilombolas, lutando por orçamento e uma agenda concreta de políticas de melhoria da qualidade de vida e autonomia aos territórios”.  

“No campo, aponta-se para uma paralisação da Reforma Agrária, para a desnacionalização das terras brasileiras, a privatização dos bens da natureza que alimenta o projeto de morte do agro-hidro-mínero-negócio, resultando na crise ambiental - que se expressa nos territórios e em nível global”, diz um trecho do documento.  

O posicionamento ocorre em paralelo às recentes e constantes críticas de lideranças do movimento ao governo federal. No meio do ano passado, João Pedro Stedile, economista e um dos fundadores do MST, afirmou que até aquele momento as desapropriações de terras para a reforma agrária não haviam avançado.  

“O crédito para os assentados não avançou, nem o Pronera [Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária]. O Pronera é o negócio mais civilizatório que qualquer governo de direita pode fazer, porque é viabilizar o acesso dos jovens camponeses à universidade. Então, é uma vergonha. Não pode dizer que falta dinheiro”, disse em entrevista ao portal O Joio e O Trigo. 

Depois, no fim do ano, as críticas foram feitas mais uma vez. “Entre nós, do MST e da militância, temos comentado que o governo Lula, no geral, é um governo encalacrado. Isso porque ele chegou ao poder por meio de uma frente ampla, que foi importantíssima para derrotarmos o bolsonarismo e a extrema direita”, afirmou ao site Repórter Brasil. 

“No desenrolar desses dois anos, por essa falta de unidade e de projeto unitário, o governo não conseguiu desenvolver e implementar políticas públicas que consigam, por um lado, enfrentar os problemas estruturais da sociedade brasileira e, por outro lado, fazer com que a reedição de políticas públicas boas, como Bolsa Família, Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e Minha Casa Minha Vida, cheguem à maioria da população pobre que vive nas periferias”, complementou. 

Em dezembro, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), chefiado por Paulo Teixeira, informou que 71.414 famílias foram assentadas em 2024, representando um aumento de 42% em relação ao ano anterior e quase 10 vezes mais do que foi assentado em 2022, último ano do mandato de Jair Bolsonaro (PL).  

O MST, no entanto, afirma que o número da pasta se refere à regularização de famílias que já estavam assentadas. Isso significa, afirma o movimento, que nenhuma nova terra foi destinada aos acampados, que aguardam pelas propriedades.

Confira a carta na íntegra: 

"Nós, 350 delegados e delegadas da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, representando vinte e três estados do Brasil e DF, nos reunimos em território amazônico para traçar os rumos de nossa organização para o próximo período na luta pela Reforma Agrária Popular, com acesso à terra, justiça social e ambiental.  

Aqui, viemos beber da história e da memória da resistência indígena, negra, camponesa e popular. Na região guardiã do legado da Cabanagem, que mesmo atravessada por tantos massacres, como Corumbiara, Eldorado dos Carajás e Balaiada, nos dá lições de luta, resistência e esperançar pela radical defesa da humanidade.  

Lutamos e resistimos em tempos difíceis, marcados pela perversidade da ofensiva capitalista. Na América Latina, vivemos um período de aprofundamento da ganância do capital, da apropriação dos bens da natureza e da violência contra os povos que lutam e resistem à ordem imperialista. 

O atual momento da política neoliberal vigente no Brasil tem aprofundado a barbárie nas diversas faces da violência contra a classe trabalhadora no campo e na cidade. A massa de sobrantes, aqueles considerados descartáveis pelo capitalismo, se avolumam, enquanto políticas públicas estruturais não se efetivam.   

No campo, aponta-se para uma paralisação da Reforma Agrária, para a desnacionalização das terras brasileiras, a privatização dos bens da natureza que alimenta o projeto de morte do agro-hidro-mínero-negócio, resultando na crise ambiental - que se expressa nos territórios e em nível global. Soma-se a isto, a atuação perversa da maioria do Congresso Nacional, que legisla em prol dos interesses do grande capital, defende o projeto do agro e faz do Poder Executivo seu refém, retirando e impedindo o avanço de políticas públicas sociais e conquistas efetivas para o povo brasileiro. 

Mas a crise é, também, uma possibilidade de fazer das contradições capitalistas “brechas” para denunciar o agronegócio e provocar o debate junto à sociedade sobre a importância da Reforma Agrária Popular como um caminho possível para superar a destruição ambiental, a concentração de riqueza e a desigualdade social. Diante disso, nos comprometemos:  

1. Defender a terra, o território e os bens da natureza, enfrentando à especulação aos lotes da Reforma Agrária e todas as formas de assédio do capital aos nossos territórios; 

2. Produzir alimentos saudáveis para todo o povo brasileiro, massificando a agroecologia, respeitando a diversidade dos biomas, combatendo os agrotóxicos e fortalecendo a cooperação e a agroindustrialização para organizar a vivência coletiva na produção, no trabalho e nas relações humanas; 

3. Lutar por justiça climática, nos articulando com o conjunto da sociedade, em especial às organizações populares, para denunciar a hegemonia do capital e a exclusão dos povos da agenda ambiental e de instrumentos de governança global, como as COP’s, e construir um projeto popular de superação da crise ambiental;   

4. Fortalecer o trabalho de base e um plano de lutas para acumular forças no próximo período, junto a nossa base e a organizações populares urbanas, construindo lutas com o conjunto da classe trabalhadora, como o Plebiscito pela taxação das fortunas e pelo fim da Jornada 6x1, ações de solidariedade, campanhas de combate à fome e ao analfabetismo, difundindo o estudo e a formação política e ideológica, como instrumento importante no romper das cercas do latifúndio do saber;  

5. Pressionar o governo para assentar as 100 mil famílias Sem Terra acampadas, demarcar os territórios indígenas e reconhecer os territórios quilombolas, lutando por orçamento e uma agenda concreta de políticas de melhoria da qualidade de vida e autonomia aos territórios; 

6. Exercitar o internacionalismo e a solidariedade como princípios, valores e estratégias para construir a luta socialista; de mãos dadas com Cuba, Palestina, Venezuela, Haiti, os povos da África Ocidental e com a classe trabalhadora do mundo; 

7. Construir estratégias de enfrentamento ao imperialismo, ao colonialismo, ao racismo, ao patriarcado, à xenofobia contra os imigrantes, a LGBTfobia e todas as formas de violência e dominação; 

8. Enraizar em nossa base e debater com a sociedade nosso Programa de Reforma Agrária Popular, como contribuição ao Projeto Popular para o Brasil, no marco de celebração dos 41 anos do MST e dos 20 anos da Escola Nacional Florestan Fernandes; 

9. Alimentar a mística revolucionária e reposicionar o socialismo como horizonte estratégico e alternativa concreta à superação do capitalismo; 

10. Nos comprometemos a lutar por justiça frente ao assassinato dos companheiros Sem Terra Valdir e Gleison e por todas e todos que tombaram na luta contra as injustiças e desigualdades. 

Por fim, reafirmamos nosso compromisso com a classe trabalhadora em mobilizar a indignação coletiva para fazer o enfrentamento ao latifúndio, denunciar toda e qualquer forma de opressão e injustiça, enfrentar as ofensivas do capital, sem abrir mão de celebrar as conquistas históricas fruto da nossa luta. A emancipação humana é nosso objetivo e a Reforma Agrária Popular é o caminho que estamos construindo!"

Edição: Rodrigo Chagas