O ESTRANGEIRO

'Teatro de Trump' é importante para levar adiante reformas políticas impopulares, diz analista política

Décimo episódio d'O Estrangeiro abordou chegada de Donald Trump e novas políticas internacionais e migratórias

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Em seu discurso de posse para o segundo mandato, Trump intensificou seus ataques contra políticas de raça e gênero nos EUA - JIM WATSON/ AFP

As perspectivas das novas políticas internas e externas dos Estados Unidos com o início do governo do republicano de extrema direita Donald Trump foram o tema do décimo episódio de O Estrangeiro, podcast de política internacional do Brasil de Fato.

"O que está sendo proposto é um governo de teatro político; muitos movimentos e ações para sinalizar uma retomada de assertividade e autoridade no plano internacional [dos EUA]", pontuou Stephanie Brito, analista política da Assembleia Internacional dos Povos.

Para Brito, Trump "faz coisas que são insignificantes, já no primeiro dia [de governo]. Insignificantes, na prática, mas para esse teatro político que ele busca construir, isso é importante". Segundo ela, esta ação de Trump mascara uma retomada das políticas neoliberais no país: redução de impostos para ricos e grandes empresas, menor regulação sobre tecnologias digitais e transações financeiras, afrouxamento das leis trabalhistas e congelamento do salário mínimo, sem reajuste há 15 anos nos EUA.

"Como são medidas muito impopulares, é importante gerar um teatro político para distrair e gerar uma ideia de que a retomada econômica é por outro caminho. E também tem a ver com a ideia de recolocação dos Estados Unidos no plano internacional como uma potência a se respeitar", acrescentou Stephanie.

América Latina

Desde o início da campanha, Trump já havia sinalizado políticas migratórias e sanções violentas contra países da América Latina, em especial Cuba e México. Para Stephanie, este discurso é muito "preocupante". "É possível que ele de fato leve adiante as tais políticas. Ele propõe tarifas para as exportações mexicanas, por exemplo, o que seria muito grave para a economia mexicana."

O magnata também propõe deportações em massa, "mas isso pode ser difícil de executar, porque requer uma violação dos direitos dos Estados também. Muitos estados onde moram, e que abrigam, imigrantes, são governos democratas que não se prestarão automaticamente a facilitar essas deportações", relembrou a analista.

"A ameaça de deportações também pode fazer parte do teatro político. [Trump] sinaliza o que vai fazer para depois acusar os democratas de não o deixarem, [com um discurso] de que os democratas são defensores de pessoas que estão ameaçando a segurança do país."

Correspondente do Brasil de Fato em Cuba, Gabriel Vera Lopes também lembrou que, com a chegada de Marco Rubio como novo secretário de Estado, "há uma força [da política anti-imigrante] dentro do governo que nunca tiveram antes. [...] Porque o outro lado do confronto com a China é o confronto com a América Latina, que tem muita influência da China também. E por isso, eles também precisam, digamos assim, proteger o seu entorno".

Essa política, aponta Lopes, não se reflete apenas na nomeação de Rubio. "O narcotráfico, a migração, a mudança climática, que têm relação com os governos latinoamericanos, também são atravessados pelas pautas pessoais de outros escolhidos de Trump. Portanto, a América Latina será uma discussão muito presente [no governo Trump]."

Oriente Médio

Para Stephanie, em outras questões relevantes para o panorama mundial, "os objetivos dos Estados Unidos não mudaram": a tentativa de conter o crescimento da China e eliminar o que consideram inimigos do governo, "que são países que têm armas nucleares". Ela considera que as chances de isso se reverter para uma guerra nuclear, e afetar os EUA, é muito grande. "Eles não podem perseguir um conflito frontal, e eu acho que o Trump é consciente disso", acrescentou.

Esta postura também poderá ser vista na forma de lidar com o Oriente Médio. "O Trump tem uma política internacional muito mais pragmática e ideológica. No sentido de ver onde estão as oportunidades, quais brigas ele precisa comprar e quais ele pode evitar. Ele tem um perfil maior de negociação. Mas isso não quer dizer que vá ser um governo menos bélico. O que eu acho é que terá uma estratégia diferente para enfrentar com os seus inimigos", esclareceu Stephanie.

Ela pondera, no entanto, que um presidente sozinho não coloca políticas e estratégias em ação. "Temos que lembrar que existe o Departamento de Defesa (DoD), que é um monstro com enormes burocracias, um orçamento gigantesco e uma lógica interna, e que às vezes atropela o presidente para cumprir com a sua agenda".

"Terão conflitos internos com relação a como enfrentar essas ameaças. Eu acredito que ele tende a ser mais pragmático, [e essa postura ressalta] esse teatro. Mas isso não significa que ele vá abrir um novo conflito", completa a analista.

O podcast O Estrangeiro foi apresentado por Camila Salmazio e Monyse Ravena e vai ao ar toda quinta-feira às 10h.

Edição: Leandro Melito