Após 9 meses

Opositor asilado na embaixada da Argentina em Caracas se entrega às autoridades venezuelanas

Fernando Martínez é ex-ministro e o único dos asilados que não fazia parte do grupo de extrema direita Vente Venezuela

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Embaixada da Argentina em Caracas tem bandeira brasileira na fachada depois que governo do Brasil assumiu a representação diplomática - Juan BARRETO / AFP

O opositor venezuelano Fernando Martínez Mottola se entregou na noite desta quinta-feira (19) à Justiça do país depois de ficar nove meses asilado na embaixada da Argentina em Caracas. Ele era um dos seis opositores que estavam na residência do governo argentino desde março, acusados de organizar e participar de planos golpistas na Venezuela. 

Mottola foi ministro do governo do ex-presidente venezuelano Carlos Andrés Pérez, entre os anos de 1992 e 1993. Segundo a CNN, ele se entregou ao Ministério Público e pediu à Justiça uma medida cautelar. Ele prestará esclarecimentos ainda nesta sexta-feira (20) e será julgado. O opositor era o único dos exilados que não fazia parte do grupo de extrema direita Vente Venezuela, da ultraliberal María Corina Machado.

Além de ex-ministro, Mottola fez parte da delegação enviada pelo ex-deputado autoproclamado presidente da Venezuela, Juan Guaidó, para os Estados Unidos para negociar saídas para a crise política de 2019, tendo a Noruega como mediador.

Jorge Glas e Milagro Sala

O caso envolvendo os exilados na embaixada argentina se arrasta desde março. Em 11 de dezembro, a Casa Rosada pediu que o governo da Venezuela conceda salvos-condutos para os seis opositores deixem o país. O governo de Nicolás Maduro aceitou negociar a saída dos opositores depois de uma intermediação da Colômbia. De acordo com o ministro das Relações Exteriores colombiano, Luis Gilberto Murillo, os venezuelanos pediram a troca dos exilados pelo ex-vice-presidente do Equador Jorge Glas, que está preso em Guayaquil.

De acordo com o jornal colombiano El Tiempo, Caracas ainda teria pedido a liberação da líder indígena Milagro Sala, presa na Argentina desde 2016. Ela é dirigente da organização Tupac Amaru e foi deputada do Parlasul de 2015 até sua prisão. Em 2019, foi candidata pela coligação socialista Frente para a Vitória. Além disso, é integrante da Central dos Trabalhadores Argentinos (CTA).

Ela é acusada de estar envolvida em crimes de associação ilícita, fraude e extorsão. A condenação foi divulgada depois de as autoridades investigarem um suposto caso de desvio de dinheiro destinado à construção de moradias populares por parte de cooperativas e organizações sociais que tinham ligação com Salas.

A troca entre Glas e Sala com os exilados na embaixada ainda não foi confirmada. A embaixada argentina na Venezuela está sendo custodiada pelo governo brasileiro. Na última semana, a chancelaria argentina acusou o governo venezuelano de promover cortes de água e de energia, restrição para a entrada de alimentos e fiscalização das forças de segurança ao redor da embaixada. 

A custódia é uma ferramenta para que um país assuma a representação diplomática de outro governo. O Brasil havia assumido a embaixada da Argentina e do Peru no começo de agosto atendendo a um pedido do presidente Javier MIlei, após o governo de Maduro ter determinado a expulsão do corpo diplomático de sete países da América Latina que acusaram fraude na eleição presidencial sem apresentar provas.

A medida, no entanto, foi suspensa pelo governo venezuelano em setembro. Os diplomatas brasileiros negociaram uma troca para que outro governo assumisse a representação argentina a partir da indicação pelo próprio governo argentino de um novo país. Os argentinos, no entanto, não fizeram nenhuma indicação e, até agora, a embaixada continua sob responsabilidade dos brasileiros. 

Agora, os cinco venezuelanos opositores que permanecem na embaixada são: Magalli Meda, diretora de campanha da ex-deputada ultraliberal María Corina Machado; Omar González, Claudia Macero e Humberto Villalobos, do grupo Vente Venezuela; e Pedro Urruchurtu.

Eles são acusados de organizar e participar de planos golpistas na Venezuela. A principal delas é Magalli Meda, denunciada pelo Ministério Público de ter organizado em dezembro de 2023 uma reunião para coordenar um plano de ações de desestabilização do país que começaria em um protesto de rua em 15 de janeiro. Depois, em 23 de janeiro, uma marcha também seria realizada no dia que marca os 66 anos do fim da ditadura na Venezuela.

Prisão

Na semana passada, o governo argentino também denunciou a prisão de um funcionário venezuelano que trabalhava na embaixada argentina. Buenos Aires denunciou a "violação das normas internacionais" que garantem a inviolabilidade das sedes diplomáticas e a "proteção dos seus funcionários". 

No entanto, para especialistas em direito internacional ouvidos pelo Brasil de Fato, a medida não viola as normas que regulam a relação entre os dois países, já que o funcionário preso não era diplomata nem cidadão argentino. Ele também foi detido fora das dependências da embaixada.

Além do governo argentino, a Colômbia também pediu que o funcionário seja solto e disse que a situação dos exilados na embaixada desrespeita o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

Milei x Maduro

Venezuela e Argentina cortaram relações diplomáticas depois da eleição do atual mandatário argentino e os dois presidentes têm trocado farpas pela imprensa. Milei já chamou Maduro de "ditador" e disse que encabeçaria uma articulação contra a Venezuela para que as sanções contra o país aumentassem.

A relação entre os dois países piorou desde o envio do avião da estatal venezuelana Emtrasur aos Estados Unidos. A aeronave estava retida desde junho de 2022 em Buenos Aires por uma cooperação judicial entre Argentina e Estados Unidos. Cerca de dois meses depois da posse de Milei, o avião foi confiscado pelos EUA e enviado para a Flórida. O Ministério das Relações Exteriores da Venezuela disse que o avião havia sido "roubado".

Depois disso, a Venezuela fechou o espaço aéreo para voos que tenham como origem ou destino a Argentina.

O caso do avião escalou e, em setembro, a Justiça da Venezuela determinou uma ordem de prisão preventiva contra o presidente da Argentina, Javier Milei, e outros dois funcionários do governo. A sentença foi emitida pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) depois de um pedido do Ministério Público. A decisão, no entanto, não tem caráter internacional e só é válida se Milei entrar na Venezuela.

Em resposta, a Câmara Federal da Cidade de Buenos Aires determinou uma ordem de prisão contra o chefe do Executivo venezuelano, Nicolás Maduro, e o ministro Diosdado Cabello. Eles são acusados pelo governo argentino de terem cometido crimes de "lesa humanidade". O pedido havia sido feito no começo de 2023 e foi apresentado pelo grupo Fórum Argentino para a Defesa da Democracia (FADD).

Edição: Lucas Estanislau