Desigualdades

Governo aprova reforma tributária do consumo, mas arrisca projeto sobre renda e patrimônio

Reforma prioritária para Executivo é aprovada, porém, medida para taxar ricos e desonerar pobres pode não sair do papel

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Ministro Haddad anunciou mudança no Imposto de Renda em novembro, mas não encaminhou projeto ao Congresso - Paulo Pinto/Agência Brasil

O Congresso Nacional aprovou em suas últimas sessões de 2024 a regulamentação da reforma tributária dos impostos sobre o consumo. Com isso, após décadas de discussões, o parlamento finalmente concluiu a análise do projeto, o qual simplifica a cobrança de tributos no país e que havia sido definido como prioritário pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“Sem dúvidas, a reforma do consumo foi importante, pois possibilita simplificar o sistema, que era bastante complexo e custoso, e inclui medidas relevantes para combater as desigualdades como, por exemplo, o cashback e a isenção de impostos de produtos alimentícios”, comemorou Nathalie Beghin, economista e integrante do colegiado de gestão Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

Apesar de todos esses benefícios, a aprovação de tal reforma não foi simples. Ocorreu em duas etapas, uma concluída no final de 2023 e outra no final deste ano. Tomou muito mais tempo que o próprio governo previa. E colocou em risco, agora, a discussão de outra reforma tributária, a dos impostos sobre a renda e patrimônio, considerada por especialistas como fundamental para a redução das desigualdades sociais no país.

É a reforma dos tributos sobre a renda e patrimônio que possibilitaria uma taxação maior dos ricos e uma desoneração para os mais pobres.

Em janeiro de 2023, no primeiro mês do novo governo de Lula, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), previu que tal reforma seria encaminhada ao Congresso no segundo semestre daquele ano. Na época, ele esperava que a reforma do consumo fosse aprovada até julho de 2023.

A aprovação, no entanto, só veio cerca de um ano e meio depois. Considerando tamanho atraso, é possível que a proposta de mudança nos tributos sobre a renda e patrimônio nem chegue ao Congresso.

“Falta a elaboração de uma proposta de reforma tributária da renda e da riqueza nos moldes do que foi a do consumo: um projeto completo que evidenciasse a construção de um sistema progressivo como um todo, que não fossem medidas isoladas e pontuais ou apenas tributar as altas rendas para compensar a isenção da base da pirâmide”, acrescentou Beghin, em entrevista ao Brasil de Fato.

Isenção dos R$ 5 mil

Sem essa proposta, o governo resolveu investir em medidas pontuais para aumentar a faixa de isenção do Imposto de Renda para trabalhadores que ganham até R$ 5 mil por mês a partir de 2026. Hoje, é isento quem ganha até dois salários mínimos, ou seja, R$ 2.824.

A correção da tabela, aliás, é promessa de campanha de Lula. Beneficiaria 26 milhões de pessoas. No entanto, reduziria a arrecadação do governo em R$ 35 bilhões por ano.

Para compensar a perda de arrecadação, ele discute a criação de um novo impostos sobre os rendimentos de quem ganha acima de R$ 50 mil por mês. Isso, inclusive, foi anunciado em pronunciamento feito em rede nacional por Haddad no final de novembro. Uma proposta concreta sobre o assunto não foi enviada ao Congresso até agora. Se vier, não deve ser aprovada tão facilmente.

“Acho muito difícil o governo conseguir avançar nesse tema em 2025 para colocar em 2026 um novo Imposto sobre a Renda”, previu Marcelo Lettieri, auditor da Receita Federal e diretor do Instituto Justiça Fiscal (IJF). “O governo vai ter dificuldade de aprovar a compensação e, sem ela, não vai dar para fazer essa isenção já em 2026.”

Lettiere, aliás, apontou ainda no início do novo governo Lula o que ele considera um erro de estratégia do Executivo para as discussões das reformas. Para o auditor, o governo deveria ter investido primeiramente na mudança dos tributos sobre a renda. Depois, se dedicado a negociar a reforma sobre o consumo.

“Essa reforma [sobre o consumo] tinha apoio da indústria, principalmente paulista. Por conta disso, o governo acabou colocando a reforma tributária do consumo em primeiro lugar”, lembrou ele. “O ideal seria começar pela reforma na tributação da renda, inclusive aumentando a participação da tributação da renda no bolo arrecadatório para que se pudesse, inclusive, reduzir a carga sobre o consumo.”

O próprio governo, no entanto, já não fala mais de uma reforma dos tributos sobre a renda. Nesta quarta (18), Haddad foi questionado sobre o tema. Falou só sobre a mudança na faixa de isenção. Disse que a discussão sobre ela deve ficar para o ano que vem.

Reforma ampla

Carolina Gonçalves, coordenadora de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil, disse que uma verdadeira reforma dos tributos sobre a renda poderia abranger mais mudanças do que uma correção da tabela do IR. Citou a tributação pelo imposto de renda sobre distribuição dos lucros e dividendos que os sócios das empresas recebem.

Ela reconheceu que, até aqui, o governo já conseguiu tomar algumas medidas de justiça tributária. Estabeleceu a tributação dos fundos exclusivos e offshore, por exemplo, além de ter promovido a reforma dos impostos sobre o consumo.

Contudo, para ela, o sistema tributário nacional segue injusto. Precisaria cobrar principalmente dos mais ricos para ser mais igualitário. “Embora importantes, as medidas tomadas até aqui não são suficientes para reduzir as desigualdades do sistema tributário brasileiro, que permanece concentrando o peso da tributação no consumo e não no patrimônio e na renda”, afirmou.

A presidenta do IJF, Clair Maria Hickmann, confirmou a necessidade de aprofundamento das reformas. “A reforma do consumo não é uma reforma que o Brasil precisa. Está longe do que é necessário fazer diante da desigualdade de renda e patrimônio no Brasil”, afirmou.

Edição: Martina Medina