O Fundo Amazônia foi criado em 2008, com o objetivo de captar doações para investimentos não-reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, bem como para a promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal. Administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Fundo Amazônia visa apoiar projetos que contribuam para a manutenção do bioma amazônico, incentivando o desenvolvimento sustentável e a preservação ambiental. No entanto, uma análise crítica do modelo atual de financiamento revela falhas substanciais na sua capacidade de atender às necessidades das pequenas entidades situadas na Amazônia profunda.
O modelo de financiamento do Fundo Amazônia privilegia grandes projetos e entidades com maior capacidade administrativa e financeira. Essa abordagem marginaliza as pequenas associações comunitárias, cooperativas locais e organizações de base, que operam nas áreas mais remotas e vulneráveis da floresta amazônica. Embora essas pequenas entidades estejam na linha de frente da preservação ambiental e do desenvolvimento sustentável, são frequentemente excluídas do acesso aos recursos do Fundo.
Dados do Fundo Amazônia indicam que, até 2020, foram captados aproximadamente R$3,3 bilhões em doações, principalmente da Noruega e da Alemanha. Contudo, uma análise detalhada mostra que a maior parte desses recursos tem sido direcionada a grandes projetos e instituições com forte capacidade administrativa. Pequenas entidades, que compõem a base da pirâmide de conservação e desenvolvimento sustentável, receberam uma fração mínima dos recursos.
As organizações locais possuem um conhecimento íntimo do território e das necessidades específicas das comunidades amazônicas, sendo cruciais para a efetividade das políticas de conservação e promoção da justiça social. A experiência prática dessas entidades demonstra que são capazes de implementar soluções eficazes e adaptadas às realidades locais.
Isto fica claríssimo quando olhamos as atuações de fundos socioambientais e comunitários como o Fundo Casa, Fundo Dema, Puxirum, Rede Paneiro, dentre outros, que não têm nem um centésimo dos recursos do Fundo Amazônia, mas que desempenham um papel crucial na alocação de recursos para pequenas entidades e comunidades isoladas. Este sucesso sugere que estes fundos poderiam ser integrados como mecanismos complementares para melhorar o funcionamento do Fundo Amazônia.
Propostas de reformulação do modelo de financiamento
Para corrigir as distorções atuais, o BNDES precisa investir na criação de linhas de financiamento específicas para pequenas entidades. Essas linhas de financiamento devem ser dedicadas exclusivamente a pequenos projetos comunitários e organizações de base, com critérios de seleção que considerem a capacidade operacional e a realidade das comunidades amazônicas. Dessa forma, as pequenas entidades terão uma chance justa de acessar os recursos necessários para continuar suas operações e projetos.
Os processos atuais de aplicação e prestação de contas são excessivamente complexos para as pequenas entidades, que muitas vezes não possuem a infraestrutura administrativa necessária para lidar com essas exigências.
A simplificação desses processos é essencial para democratizar o acesso aos recursos do Fundo Amazônia. Processos mais simples e adaptados à realidade das pequenas organizações são imprescindíveis para assegurar que estas possam efetivamente participar do financiamento.
Oferecer suporte técnico e programas de capacitação é outra medida fundamental. Pequenas organizações frequentemente carecem de expertise na elaboração de projetos e na gestão de recursos. Programas de capacitação específicos podem ajudar a preencher essa lacuna, aumentando significativamente as chances de sucesso dessas entidades na obtenção e utilização dos financiamentos.
Outra questão é a implementação de um sistema de monitoramento e avaliação realmente participativos. Esse sistema deve envolver as comunidades beneficiadas para garantir a transparência e a efetividade dos projetos financiados. O monitoramento participativo não só melhora a governança dos projetos, mas também empodera as comunidades locais, garantindo que suas vozes sejam ouvidas e consideradas no processo de tomada de decisão.
Conclusão
As reflexões e propostas apresentadas são fundamentais para assegurar que os recursos do Fundo Amazônia sejam utilizados de maneira mais equitativa e eficiente. A inclusão efetiva das pequenas entidades da Amazônia profunda é essencial para o sucesso das políticas de preservação da floresta e promoção da justiça social.
A adoção dessas mudanças pelo Fundo Amazônia é um passo crucial para corrigir as desigualdades atuais e promover um futuro mais justo e sustentável para todas as comunidades amazônicas. Somente através da valorização e do apoio efetivo às pequenas entidades locais é possível alcançar um desenvolvimento verdadeiramente sustentável, que respeite e preserve a rica biodiversidade da Amazônia enquanto promove o bem-estar das comunidades que nela vivem.
Em suma, é imperativo que o Fundo Amazônia se adapte e evolua para atender de maneira mais equitativa e eficiente às necessidades das pequenas entidades que são as verdadeiras guardiãs da floresta amazônica. Este ajuste não só promoverá a justiça social, mas também garantirá a preservação a longo prazo da Amazônia, beneficiando tanto as comunidades locais quanto a humanidade como um todo.
* Adilson Vieira. Sociólogo, membro do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Amazônico, da coordenação colegiada da Associação Alternativa Terrazul e do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (COFA).
** Pedro Ivo Batista. membro da Coordenação colegiada do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS), presidente da Associação Alternativa Terrazul e conselheiro do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA).
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato
Edição: Martina Medina