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Negociado a portas fechadas, acordo Mercosul-UE ganha força com ida de presidente da Comissão Europeia ao Uruguai

Economista francês Maxime Combes afirma que se acordo for anunciado, será uma derrota para Macron

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Movimento de agricultores franceses contra o acordo UE-Mercosul, em Carcassonne, sudoeste da França, em 30 de novembro de 2024 - IDRISS BIGOU-GILLES / AFP

O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia está sendo negociado a "portas fechadas" pela Comissão Europeia e pode ser anunciado na próxima sexta-feira (6) durante a Cúpula do Mercosul em Montevidéu, capital do Uruguai. Atualmente presidido por Ursula Von der Leyen, a comissão negocia em nome dos países europeus há mais de duas décadas e chega à capital uruguaia para o encontro da sexta.

"Nada feito até que esteja feito'  está se tornando a frase mais frequentemente pronunciada nos corredores de Bruxelas", disse ao Brasil de Fato o economista francês e integrante da organização ambientalista Attac France, Maxime Combes.

Ele ressalta que não há transparência nas negociações por parte da União Europeia, uma vez que os membros do Parlamento Europeu, que normalmente têm acesso aos documentos da negociação, "não sabem nada sobre o andamento das tratativas" após duas reuniões com a Comissão Europeia. "Tudo está ocorrendo a portas fechadas, e ninguém sabe com o que a comissão concordou para que os países do Mercosul digam que estão prontos para assinar o acordo."

Os presidentes da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, membros fundadores do Mercosul que buscam um acordo com a UE, darão uma coletiva de imprensa conjunta com Von der Leyen na sexta-feira, às 9h30. “Nós aterrissamos na América Latina. O objetivo do acordo UE-Mercosul já está à vista. Vamos trabalhar, vamos cruzar a linha de chegada. Temos a oportunidade de criar um mercado de 700 milhões de pessoas”, escreveu Von der Leyen, que fez uma parada em São Paulo a caminho da capital uruguaia, no X.

Nesta quinta-feira (5), os ministros das Relações Exteriores dos países do Mercosul abriram formalmente a cúpula de dois dias do bloco, depois que o ministro das Relações Exteriores do Uruguai, Omar Pagani, realizou uma reunião bilateral com o novo comissário europeu para o comércio, Maros Sefcovic.

Da perspectiva da UE, Alemanha e Espanha pressionam para concluir o pacto com o Mercosul até o final do ano. Do lado de cá, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, também busca fechar o acordo a todo custo. Lula queria anunciar o acordo no encontro do G20 no Rio de Janeiro (RJ), expectativa frustrada pela negativa do presidente francês Emmanuel Macron, que tem liderado a posição contrária ao acordo no bloco europeu. 

Pouco antes da chegada de Von der Leyen a Montevidéu, o presidente francês, Emmanuel Macron, reiterou a ela que o projeto de acordo comercial é “inaceitável em seu estado atual”. “Continuaremos a defender incansavelmente nossa soberania agrícola”, acrescentou a presidência francesa em uma mensagem no X.

As negociações, paralisadas depois que um acordo de princípio foi alcançado em 2019, foram retomadas nos últimos meses a pedido da Comissão Europeia, que determina a política comercial para toda a UE. O texto prevê a eliminação de grande parte das tarifas entre as duas zonas, que têm mais de 700 milhões de consumidores e um PIB combinado de US$ 21,3 trilhões (cerca de R$ 130 trilhões).

Os sindicatos agrícolas da UE o rejeitam porque sua produção não está sujeita às mesmas exigências ambientais e sociais, nem aos mesmos padrões sanitários, que a do bloco sul-americano.

"Vários países da Europa são contra o acordo, não apenas a França. E há mobilizações de agricultores em andamento em vários países também. O que podemos ouvir é que a Comissão Europeia não está recebendo pressão suficiente dos Estados membros que criticam o acordo, incluindo a França, para abandonar sua decisão de anunciá-lo como concluído na cúpula do Mercosul", afirma Combes.

Caso o acordo seja anunciado como concluído na sexta-feira (6), o economista aponta que Macron teria "claramente uma grande responsabilidade por sua recusa em travar uma batalha em Bruxelas."

O Parlamento francês rejeitou ao final de novembro, por 484 votos a 70, o acordo de livre comércio negociado entre a União Europeia e os países do Mercosul, após uma votação na Assembleia Nacional. A votação não vinculativa ocorreu uma semana após o início de uma campanha de agricultores contrários a esse acordo comercial, para o qual apenas a Comissão Europeia está autorizada a negociar em nome dos 27 Estados-Membros.

Toda a classe política francesa, da esquerda radical à extrema direita, manifestou a sua oposição ao acordo.  

Os países europeus favoráveis ao acordo pressionam para concluir essas negociações prolongadas, alguns meses antes da posse do republicano Donald Trump e a possibilidade de um aumento geral nas tarifas alfandegárias. A Europa espera exportar carros, máquinas e medicamentos para o bloco do sul, que faz parte de uma região fortemente influenciada pela China, enquanto o Mercosul espera vender mais gêneros alimentícios, como soja, carne e mel, para a Europa.

ONGs europeias e ativistas de esquerda acreditam que esse projeto aceleraria o desmatamento da Amazônia e agravaria a crise climática ao aumentar as emissões de gases de efeito estufa. O Greenpeace denuncia um texto “desastroso” para o meio ambiente.

Oposição no Brasil

Em março, movimentos articulados na Via Campesina Brasil repudiaram o acordo em um comunicado em que pedem a Lula que "escute o clamor dos povos do campo, águas e florestas e coloque fim às negociações em curso e dê espaço a construção de um projeto popular de desenvolvimento nacional para o Brasil".

"O acordo em pauta representa um retrocesso para o Brasil e para os países do Mercosul no âmbito do desenvolvimento socioeconômico, bem como um ataque frontal à soberania dos nossos países", destaca o comunicado. Os movimentos populares destacam que o acordo foi "foi rechaçado há mais de 20 anos" e o texto atual, retomado em 2019, representa "o DNA bolsonarista na sua essência sem nenhum compromisso com o desenvolvimento do nosso país."
 
"O acordo assume caraterísticas neocoloniais na sua concepção e ameaça, em seus termos, nossos povos e territórios, ameaça a agricultura camponesa, as comunidades tradicionais e entrega nossos bens comuns aos interesses do capital internacional, consolidando assim o caráter agroexportador da nossa economia, que é basicamente continuar exportando matéria-prima para abastecer as demandas dos países europeus em troca dos produtos industrializados."
 
A desregulamentação dos mercados, os acordos de livre comércio e, em particular, a negociação do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul são as principais causas da grave crise enfrentada pelos agricultores europeus na avaliação da Via Campesina.

*Com AFP

Edição: Rodrigo Durão Coelho