Entre os temas que serão discutidos durante o encontro dos presidentes do G20 no Rio de Janeiro em novembro, o massacre cometido por Israel contra a população palestina na Faixa de Gaza - considerado genocídio por mais de 50 países que apoiam a ação da África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça (CIJ) - representa o principal desafio para a condução do Brasil, que está na presidência do grupo este ano.
O Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou nesta sexta-feira (8) ter contabilizado que 8.119 das mais de 34 mil mortes registradas durante os primeiros seis meses de massacre israelense na Faixa de Gaza - hoje passam de 43 mil - e concluiu que "quase 70% eram crianças e mulheres". A ofensiva israelense em Gaza já causou pelo menos 43.469 mortes, em sua maioria civis, segundo dados do Ministério da Saúde do governo do Hamas em Gaza.
O tema gera divisões no grupo e, apesar de ter elevado o tom contra o governo do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, o Brasil tem o desafio de avançar em relação a uma ação coordenada desses países em relação à ofensiva israelense. Mas essa posição é considerada tímida diante do avanço do conflito na região, com a ofensiva militar de Israel no Líbano a partir de setembro e os ataques à Síria e ao Irã.
Para Mohammed Nadir, professor de Relações Internacionais e Oriente Médio da Universidade Federal do ABC, o G20 é uma oportunidade para Lula avançar nas pautas de interesse para o Sul Global e se afirmar como uma liderança regional. “O Brasil vai aproveitar desse momento para defender, de certa forma, uma reforma no Conselho de Segurança, uma oportunidade para que defenda seus interesses. E Lula vai tentar marcar pontos nesse sentido como líder incontestável do Sul Global”.
A eleição do republicano Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos, porém deve enfraquecer a agenda brasileira no G20. Em relação à Faixa de Gaza, a promessa de "acabar com a guerra" na região, feita durante sua campanha eleitoral, significa na prática aumentar o apoio financeiro e militar a Israel de forma a garantir sua vitória na região, com a consequente expulsão da população palestina do enclave.
Disputa
Em conjunto, os países do G20 representam 80% da economia global e entre eles estão os principais apoiadores de Israel, como Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha. Por outro lado, integram o grupo países críticos ao regime isralense, como África do Sul, Brasil, México, Rússia e Turquia.
Mohammed Nadir aponta que mesmo governos de direita como o da França e o da Itália se manifestarem recentemente com críticas a Israel. “Tem havido vozes muito fortes mesmo dentro dos países do Norte Global criticando a posição e as guerras de Israel na região. Creio que a África do Sul vai criticar muito o massacre em Gaza e reiterar as acusações de genocídio contra Israel”, afirma Nadir.
Ao final de outubro, a África do Sul apresentou à Corte Internacional de Haia, um memorial referente ao seu processo em andamento contra Israel com 725 páginas de denúncias e 4 mil páginas de anexos. “Temos provas demais”, comentou o representante da África do Sul em Haia, o embaixador Vusimuzi Madonsela, à Al Jazeera.
Além da África do Sul, a posição mais significativa contra Israel no contexto do G20 é esperada da Arábia Saudita. Em 2023, a monarquia islâmica negociava um acordo com os Estados Unidos que incluía a normalização das relações diplomáticas com Israel, mas suspendeu as negociações após a eclosão da guerra no território palestino.
Na última semana de outubro, o príncipe herdeiro e governante de fato, Mohamed bin Salman, afirmou que o país não estabelecerá relações diplomáticas com Israel sem a prévia "criação de um Estado palestino", e condenou os "crimes" das forças israelenses na Faixa de Gaza.
“Creio que a Arábia Saudita vai se envolver sobretudo e reiterar sua posição clássica que é a defesa e o condicionamento de qualquer aproximação ou reconciliação com Israel à criação do estado Palestino. Essa é a posição tradicional da Arábia Saudita e vai repetir isso e portanto mais uma pressão sobre Israel para parar a guerra”, avalia Nadir.
Indústria bélica
Apesar de se colocar como mediador do conflito, os Estados Unidos permanecem como principal aliado político e militar de Israel e garantiu em outubro, um auxílio de US$ 8,7 bilhões (cerca de R$ 50 bi) para a ofensiva militar israelense, diante da escalada do conflito no Oriente Médio. Além da Faixa de Gaza, Israel ampliou os ataques para o Líbano, a Síria e o Irã.
O Ministério de Defesa de Israel afirma já ter recebido US$ 3,5 bilhões, destinados a compras militares críticas, enquanto os US$ 5,2 bilhões restantes serão destinados a sistemas de defesa aérea. Foi também o veto dos Estados Unidos que impediu tentativas de cessar-fogo logo no início do conflito, uma delas propostas pelo Brasil.
Em setembro deste ano, o Reino Unido suspendeu a venda de algumas armas para Israel, segundo anunciou o secretário de Relações Exteriores, David Lammy, do governo trabalhista recém-eleito: serão suspensas 30 das 350 licenças de exportação de armas porque há um "risco claro" de que o equipamento possa ser usado para cometer violações graves do direito internacional.
No Brasil, o Exército recuou na compra de 36 blindados da empresa israelense Elbit Systems, em licitação por R$ 1,2 bilhão aberta em abril deste ano. As ações, porém são apontadas como insuficientes por movimentos populares e organizações em defesa da população palestina.
Apesar das críticas, Brasil mantém relações diplomáticas com Israel
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido uma das vozes mais fortes no cenário internacional contra a ofensiva militar israelense, e seu governo chamou de volta em maio o embaixador em Israel, sem nomear um substituto até o momento. A tensão diplomática aumentou depois que Lula acusou em fevereiro o governo israelense de cometer um "genocídio" na Faixa de Gaza. Israel declarou Lula “persona non grata”.
Apesar de subir o tom contra o governo israelense, Lula tem sido cobrado por organizações e movimentos sociais de apoio à Palestina para tomar medidas concretas contra Israel - como o rompimento das relações diplomáticas. Durante sua participação no encontro dos Brics na Rússia em outubro, o chanceler Mauro Vieira afirmou que o governo brasileiro não pretende romper as relações, para manter viva a possibilidade de ser um mediador do conflito.
Em seu balanço final dos encontros, o chanceler brasileiro disse que um "grande número de países de todas as regiões expressou preocupações com o conflito na Palestina, destacando o risco de alastramento para os países vizinhos".
Edição: Rodrigo Durão Coelho