A Venezuela conseguiu adiar mais uma vez o leilão da empresa petroleira Citgo. A estatal está passando por um processo de venda nos Estados Unidos e, agora, o governo venezuelano terá até janeiro para pensar estratégias para evitar o leilão e tentar renegociar as dívidas da empresa.
O pedido de pausa nas negociações foi feito pelos advogados da empresa nos Estados Unidos. A ideia, segundo eles, era evitar uma queda de preço na venda das ações da empresa depois de uma eleição que foi contestada pela oposição na Venezuela. E o principal ponto de tensão está justamente na administração da empresa.
A Citgo é um braço de atuação da estatal petroleira PDVSA e está controlada por opositores do presidente Nicolás Maduro desde que os Estados Unidos não reconheceram a vitória do mandatário em 2019. Eles ficaram responsáveis por renegociar a dívida da empresa em um processo que terminou na abertura de um leilão da companhia. Agora, a expectativa do governo venezuelano é que nos próximos 4 meses seja possível trocar a administração da Citgo, depois da posse de Maduro para um novo mandato, em 10 de janeiro.
O objetivo do governo venezuelano é claro: evitar a venda da estatal. Os cenários, no entanto, são diferentes para chegar a isso. Caracas entende que há uma série de fatores que podem interferir na venda, sendo um deles a eleição dos Estados Unidos. A expectativa, no entanto, é que, independente do vencedor, se mantenham os diálogos iniciados no começo de julho e se reverta a decisão de vender a empresa.
Segundo o governo venezuelano, o precedente para isso são as próprias sanções. A gestão de Nicolás Maduro entende que, mesmo que a Justiça determine a venda da Citgo, existe um ponto importante das sanções que limita a venda das empresas venezuelanas no exterior. Com isso, seria necessário que a Agência de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) autorize essa venda. A OFAC, no entanto, é um órgão do governo e, por isso, teria seus interesses diretamente ligados à Casa Branca.
Para Caracas, a venda da Citgo pode mudar se os EUA se mostrarem dispostos a colaborar durante as negociações. No entanto, se o governo estadunidense optar por manter a venda, a percepção da cúpula no Miraflores é que isso estremeça de maneira definitiva a relação entre Venezuela e Estados Unidos e complique outras negociações envolvendo temas petroleiros.
Os governos dos dois países retomaram negociações virtuais para ampliar e melhorar o diálogo. A delegação venezuelana foi chefiada pelo presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodríguez, e pelo seu irmão, o governador do estado de Miranda, Héctor Rodríguez. Na ocasião, as duas partes se comprometeram em manter as comunicações “de maneira respeitosa e construtiva” e se mostraram dispostas a “trabalhar em conjunto para ganhar confiança e melhorar as relações”.
Para o professor de Economia do Petróleo da Universidade Bolivariana da Venezuela, Vladimir Salas, a venda ou não da empresa vai depender da postura dos EUA em relação à Venezuela.
“A resposta para isso terá a política exterior dos Estados Unidos e particularmente do Departamento de energia e as leis estadunidenses e os convênios que tem com a Venezuela. Vamos deixar claro, os EUA desconhecem o Estado venezuelano. Os representantes que eles reconhecem do Estado venezuelano são Juan Guaidó e as pessoas que estão em torno dele”, afirmou.
Leilão prorrogado
O tribunal federal de Delaware, nos EUA, é responsável pelo caso e terminou de receber no começo de junho as ofertas para a compra da empresa. A empresa venezuelana - hoje estatal - foi parcialmente adquirida pelo governo da Venezuela em 1986 e arrematada em 1990, com o objetivo de receber e processar o petróleo de tipo pesado, característico da produção venezuelana.
O processo contra a Citgo começou em 2008, quando a mineradora canadense Crystallex entrou na Justiça pedindo indenização pela expropriação de uma mina na Venezuela durante o governo do ex-presidente Hugo Chávez. O tribunal de Delaware autorizou a venda da empresa após a ação em 2022. Outras empresas entraram em processos diferentes por dívidas e contra a nacionalização de jazidas venezuelanas.
Em maio de 2023, o Departamento do Tesouro estadunidense autorizou que a oposição venezuelana negociasse dívidas e ativos do Estado no exterior e disse que não tomaria medidas contra uma possível venda da estatal.
Em maio de 2024, o juiz de Delaware, Leonard Stark, voltou atrás, autorizou o andamento do leilão e negou os argumentos do governo da Venezuela para impedir a venda da empresa. A companhia tem dívidas com 18 empresas internacionais que cobram um montante de US$ 21,3 bilhões (aproximadamente R$ 115 bilhões) por “apropriações e calotes”.
O leilão estava marcado inicialmente para 15 de julho. No entanto, governo e oposição se mobilizaram para impedir isso pela proximidade das eleições, que estavam marcadas para 28 de julho. Para o governo, a ideia seria ganhar tempo para discutir já com o novo mandato definido. Já para a oposição, a venda da Citgo seria um argumento de última hora de uma ingerência estadunidense na Venezuela, o que fortaleceria o discurso chavista de defesa da soberania nacional.
O leilão então passou para 19 de setembro. Agora, os advogados pediram uma pausa de 4 meses para uma retomada em janeiro.
Vladimir Andrianza Salas afirma que o início das sanções tiveram como objetivo justamente atingir ativos da Venezuela no exterior, sendo um deles uma empresa que fez investimentos nos Estados Unidos.
“Justamente começam a atingir os ativos da Venezuela no exterior. Um desses ativos é a Citgo e segue sendo um ativo que Venezuela tem que pode valer até US$ 20 bilhões. Depois de Guaidó se iniciou negociações nas quais praticamente se está vendendo Citgo aos EUA. Citgo não só foi um investimento, foi o maior subsídio que a Venezuela deu aos Estados Unidos”, afirmou ao Brasil de Fato.
Compra e venda
A empresa venezuelana é hoje estatal, mas já foi uma empresa estadunidense. Fundada em 1910 no Texas, a companhia foi parcialmente adquirida pelo governo da Venezuela em 1986 e arrematada em 1990, com o objetivo de receber e processar o petróleo de tipo pesado, característico da produção venezuelana.
Naquele contexto, a venda para o governo venezuelano teve como origem duas questões importantes. Primeiro os problemas financeiros da Citgo. A empresa operava no vermelho e tinha dificuldade em renovar sua estrutura, que já era considerada pelo governo de Ronald Regan como obsoleta.
O segundo ponto era uma ideia do então governo venezuelano de Carlos Andrés Perez de internacionalização da indústria petroleira. A ideia era ampliar a atuação do mercado petroleiro venezuelano a partir da compra de refinarias e empresas petroleiras no mundo.
A empresa conseguiu retomar uma produção expressiva e, no governo de Hugo Chávez passou a ter o 7º maior complexo refinador do mercado dos EUA. A companhia conseguiu construir 3 refinarias, uma rede de oleodutos e 4.200 postos de gasolina nos EUA com a bandeira da Citgo. Por ser estatal, parte do lucro ajudou a financiar projetos públicos na Venezuela, principalmente voltados à saúde.
Em 2015, o então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, assinou a Ordem Executiva nº13692 declarando o país sul-americano como uma "ameaça inusual para a segurança interna dos EUA". No ano seguinte, o país começou a aplicar sanções contra a indústria petroleira venezuelana em um processo que escalou com Donald Trump em 2017. A partir daí, a Citgo passou a não poder mais refinanciar sua dívida e emitir títulos no mercado de ações.
Para o vice-ministro de Políticas Antibloqueio, Wiliam Castillo, a empresa teria solvência se não fossem as sanções.
“Essa era uma dívida que a Citgo conseguiria administrar, mas depois de 2017 a PDVSA não podia refinanciar dívidas, emitir ações, acessar os mercados de financiamento. Se tivesse acesso ao mercado financeiro, isso não teria acontecido”, disse ao Brasil de Fato.
Mas a Citgo passa a mudar de rumo em 2019. Maduro é reeleito para um segundo mandato em 2018. Em março de 2019, o ex-deputado Juan Guaidó se autoproclama presidente e os EUA não só não reconhecem a vitória de Maduro, como passam a negociar com Guaidó as dívidas envolvendo a Citgo. Até este momento, a procuradoria-geral da Venezuela havia participado dos julgamentos. Com a mudança de postura dos EUA, desaparecem as representações legítimas da Venezuela e o julgamento segue com advogados nomeados por Guaidó.
Mesmo tendo uma dívida de pouco mais de 10 bilhões de dólares (R$ 55 bilhões) Os magistrados do Tribunal de Delaware, onde a empresa foi registrada, reconhecem as cobranças das dívidas em mais de 20 bilhões de dólares (R$ 109 bilhões).
Castillo afirma que o leilão também subvaloriza a Citgo.
“Eles deram durante o processo de leilão um valor. Nós achamos que ela estava subvalorizada. Eles chegaram a dizer que custava 10 bilhões de dólares [R$ 55 bilhões], mas reconhecem hoje 13 bilhões [R$ 71 bilhões]. Nós achamos que pode ser até 15 bi [R$ 82 bilhões], mas não podemos participar e avaliar. Esse processo se encerrou em 11 de junho e o tribunal disse que a maior oferta foi 7,3 bilhões [R$ 40 bilhões], ou seja, a metade do que vale para nós. Um verdadeiro arremate”, afirmou.
Para o vice-ministro, a cobrança em torno do leilão da Citgo não pode ser aceito como uma medida legal, já que a empresa não responde pelas finanças públicas da Venezuela.
“A Venezuela nomeia a cadeira dos diretores da PDVSA e da Citgo. Se eu posso demonstrar que Maduro usa a Citgo como Tesouro Público, aí então você cobra Citgo como garantia. Mas isso nunca aconteceu em nenhum julgamento, porque para os EUA a Citgo é uma empresa privada. Isso também não acontece na maioria dos países do mundo”, afirmou.
Edição: Rodrigo Durão Coelho